CARTA ABERTA
Ao Presidente da República de Angola
A decepção de um angolano sobre o mandato do Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço
PONTO PRÉVIO
O mandato conferido pelo soberano “o Povo”, que corre já no seu quarto ano, desde que o cidadão João Manuel Gonçalves Lourenço assumiu a mais alta Magistratura da Nação angolana, com a promessa de um programa de gestão do Estado orientado para a melhoria das condições de vida dos angolanos em todas as sua dimensões, fica marcado pelo fracasso total, particularmente em relação aos cuidados de saúde, com maior destaque para a atenção primária de saúde, onde não foram observadas melhorias “significativas”. Prova disso, é a “CARNIFICINA” de que somos testemunhas nas várias unidades hospitalares, com maior incidência no trimestre de Março à Maio do corrente ano.
POR: ADRIANO MANUEL*
A NOSSA DECEPÇÃO
Não são desconhecidos os motivos desta degradação sanitária e da saúde das populações. Uma auscultação aberta, sincera e interessada aos profissionais de saúde de Angola, população de uma maneira geral e se quisermos, estender esse exercício também à membros do executivo angolano, com o único propósito de se realizar o diagnostico das causas reais deste cataclismo sanitário. Este exercício deverá ir além dos relatórios institucionais, que muitas das vezes se distanciam da realidade.
Alguns pontos devem merecer a nossa profunda reflexão e/ou contribuição.
A condição social da população teve uma recrudescência extraordinária nos últimos quatro anos, consubstanciada pelo aumento importante da taxa de desemprego, com consequente aumento dos níveis de pobreza da grande maioria dos angolanos, agravada pela depreciação galopante
e contínua da moeda nacional, o nosso Kwanza, com forte impacto sobre o poder aquisitivo dos cidadãos, com efeito directo sobre o acesso a
alimentação. O País no presente momento atravessa uma profunda crise alimentar. Um povo com deficit nutricional, é um povo doente, logo, per se, constitui uma sobrecarrega para o Sistema Nacional de Saúde (SNS).
A precariedade dos Cuidados Primários de Saúde constitui o verdadeiro busílis da problemática sanitária do País, porquanto, temos observado uma quase falência da atenção a esse nível de atendimento do SNS, o que resulta em consequências directas sobre os demais níveis do SNS, nomeadamente, os níveis secundário e terciário. A esses níveis são observadas elevadas demandas de utentes, para uma reduzida disponibilidade de recursos humanos, resultando em enchentes nos Hospitais, elevado tempo de espera para o atendimento, seja das situações agudas, como das crônicas agudizadas, conjugado com a fraca disponibilidade de recursos médicos, medicamentosos e de diagnóstico. Toda esta panorâmica, tem consequências nefastas para os profissionais de saúde, nomeadamente, instabilidade psico-emocional, pressão permanente dos utentes e seus familiares, pois, o estresse da busca da solução dos seus problemas de saúde,encontra no profissional de saúde (médico e/ou enfermeiro), o elo mais próximos para descarregar as suas frustrações, muitas vezes resultando em situações extremas de agressões verbais e/ou físicas.
A pandemia da COVID-19 deve merecer a atenção das autoridades e da população em geral, aqui deixamos a nossa referência a necessidade dos profissionais de saúde emprestarem o seu saber e esforço para combater essa avalanche epidemiológica de proporções globais. Todavia, não podemos aceitar que num País como Angola, onde as grandes endemias, com destaque particular para a Malária e a Tuberculose, as Doenças Diarreicas Agudas, a Malnutrição, as doenças crónicas não transmissíveis como a Hipertensão, o Acidente vascular cerebral e a Diabetes, que apresentam incomparavelmente uma maior expressão sobre a morbilidade e mortalidade dos angolanos, não mereçam nesta altura a atenção prestada à COVID-19, cuja taxa de letalidade apresentada pelas autoridades sanitárias é de 2,2%, sem nenhuma intenção de desrespeitar os cidadãos que desafortunadamente vivenciaram o drama de ter padecido de SARS-COV2, tão pouco a memória das vítimas que sucumbiram por esse mal.
Concordamos que a informação sobre o total de casos, casos recuperados e mortes por SARS-COV2 deva ser apresentado a público nos órgãos de comunicação social públicos. Esse exercício, trouxe a luz do dia um facto importante, afinal, “é possível construir a nível nacional um sistema de
informação e retro-informação sustentado pela vigilância epidemiológica”. O que não podem fazer crer aos angolanos, menos ainda à classe médica, a ideia que esse processo de informação, retro informação e vigilância epidemiológica, só funciona com a COVI-19.
Acreditamos que prestariam um melhor serviço à Pátria, os digníssimos Drs. Sílvia Lutucuta e Franco Mufinda, Ministra da Saúde e Secretário de Estado para Saúde Pública, respectivamente, se viessem à público apresentar a informação epidemiológica sobre população pediátrica, Materna e adultos, com relação as dez doenças mais prevalentes, bem como, as dez principais causas de morte por doença de Angola, mesmo que tal fossem feitas com uma periodicidade mensal. Provavelmente, esse exercício pudesse servir para a rápida tomada de decisão, correção das insuficiências do sistema, e acima de tudo a preservação da vida dos angolanos e angolanas, com isso, o triste cortejo de carros fúnebres nas morgues dos Hospitais públicos não fosse como temos vindo a observar nos últimos tempos.
É do conhecimento geral que para o combate à COVID-19 foram alocados recursos financeiros “extraordinários”, entretanto, os angolanos precisam de informações sobre como esses recursos foram efectivamente aplicados. Para tal, urge a necessidade de a Assembleia Nacional avaliar a utilização dos meios alocados a “Prevenção e combate da COVID-19” através de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) com o propósito de auditar todas as etapas do processo, nomeadamente: finanças disponibilizadas, unidades de COVID-19 criadas (Hospitais de Campanha), total de camas, equipamentos, recursos humanos, assim como, avaliar o envolvimento e atenção prestada pelos decisores em todo o processo.
A classe médica angolana representada pela Ordem dos Médicos de Angola, uma instituição de utilidade pública, cujas contribuições para a melhoria do quadro sanitário nacional poderia ser maximizado através de uma participação mais ativa, mais técnica, e com maior embasamento científico, atravessa uma crise institucional, que acreditamos ser do conhecimento de Sua Excelência Senhor Presidente da República, por conta de uma Bastonária legal e estatutariamente (bem) destituída, persistir em manter-se na instituição contra a vontade da maioria expressa em Assembleia que deliberou pela sua destituição, sob a sombra protetora de instituições do estado. Acreditávamos que a promoção de fantoches manipuláveis fosse uma prática que repousava tranquila e permanentemente nos armários do passado, engano nosso, afinal, permanece a lógica da velha escola, “antes um asno mudo e obediente do que um arguto perspicaz”, não “coisifiquem” a Ordem dos médicos de Angola, ela tem muito mais serventia se mantiver a sua essência, do que o desastroso rumo para onde está a ser empurrada.
Sua Excelência, João Manuel Gonçalves Lourenço, Presidente da República de Angola;
Sua Excelência Fernando da Piedade Dias dos Santos, Presidente da Assembleia Nacional;
Precisamos de uma intervenção, precisamos de ação, precisamos de salvar a população angolana. Mas, não precisamos de mais uma comissão para resolver um problema criado e ou agravado por um membro do executivo, que posteriormente não é responsabilizado, como foi no caso do lixo, devemos deixar bem claro que Angola não é a casa “da Mãe Joana”.
A Presidência da República deverá assumir o seu papel, deverá chamar a razão a quem de direito, já que diz o ditado popular que “quem cala consente”, no caso da saúde, estará a consentir o elevado número de mortes que acontecem diariamente nos nossos hospitais.
“Um silêncio que até dá medo, cria um desconforto visceral, um frio na espinha, petrifica a alma”
Este medo ganha proporções ainda mais alarmantes (se é que isso seja possível), quando nos deparamos com notícias como, concurso público para aquisição de mais de 100 viaturas (pelo menos não nos foi apresentado na forma de um Banquete, até ver), em contraste com a falta de ambulâncias em alguns hospitais, falta de médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico condições vitais para salvar as vidas dos Angolanos.
Não é este o momento das visitas aos hospitais, para constatar em Loco a real situação dos nossos hospitais?
O presidente só sairá a rua quando for para inaugurar as novas instalações do hospital sanatório?
Quando for para inaugurar mais um centro de hemodiálise?
Em relação a estes centros (nada contra), não seria melhor investir também para que não se chegasse a “necessidade” da hemodiálise? Prevenção e tratamento das principais causas da Insuficiência Renal Crónica em Angola (Malária, Hipertensão Arterial, Diabetes), através de um plano de subvenção de medicamentos para essas entidades nosológicas, temos os centros, porém os medicamentos para o tratamento das principais causas não são grátis, isto no mínimo é contrastante.
É preciso conhecer a realidade das unidades sanitárias, doutro modo, teremos o formato ao qual nos acostumamos ao longo de quase quarenta e seis anos, em que o governante vai visitar uma unidade sanitária, onde a roupa de cama e pijamas para os doentes são inexistentes durante todo o ano, porém, tão logo é anunciada a visita de um alto governante, como um toque mágico, repentinamente tudo aparece para evaporar logo a seguir a saída do “Chefe”. Disso temos os exemplos registados nas visitas que a Digníssima Ministra de Estado para Acção Social, Dra. Carolina cerqueira, tem realizado em Hospitais públicos. O conselho gratuito que deixamos com veemência para quem manifesta a intenção real de resolver os problemas, que não são poucos, é a realização de visitas surpresa, isto mesmo surpresas.
Como é possível que o Presidente da República esteja calmo e tranquilo no seu gabinete, diante do choro de milhares de famílias angolanas pela perda dos seus entes queridos nos Hospitais Públicos do País e por causas potencialmente solucionáveis?
OBSERVAMOS
O MPLA partido governo, já começou a sua campanha pré - eleitoral.
O dinheiro que têm utilizado na pré - campanha não seria melhor gasto ajudando os nossos hospitais?
Tomo agora a liberdade de fazer algumas perguntas ao Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço,
Porque não contrata mais Médicos ainda que de forma provisória para salvar mais vidas nos nossos hospitais?
Assim em 2022 o senhor terá coragem de sair as ruas (esburacadas e sujas, sem iluminação), gastar milhões na sua campanha, solicitar ao povo “heroico e generoso” também sofredor, este povo que vive com fome, saúde precária, que vive no lixo, na insegurança, com educação pobre para mais um mandato? Vai pedir que volte a confiar em si?
Totalmente decepcionado com actual “Presidência da República”
*Médico-pediatra (desempregado há 11 meses)