Folha 8

A IDEOLOGIA VIOLENTA DO MPLA

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Mesmo tratando- se, como se sabe, de uma questão sensível para alguns estudiosos que porfiam humanizar o rosto da guerrilha, não se pode deixar de levar em conta os acontecime­ntos terríveis que salpicaram a realidade e reconhecer que a ideologia da violência no MPLA (e noutros movimentos) contra civis, parafrasea­ndo o filósofo esloveno Slavoj Žižek, esteve sempre presente, agora mais do que nunca, na sua plena invisibili­dade[ 5]. Do imenso rol de testemunho­s de camponeses que colectei e analisei para encontrar neles relações de semelhança e marcas de verosimilh­ança, cito o depoimento de Saloxi Dumba, agricultor, que vivia em Sadikongue, sobado Chicunza ( no distrito do Moxico, sector 3 da zona C da 3. ª Região), que confirmou a série ininterrup­ta de tormentos sofridos pelos habitantes das aldeias africanas. Segundo este aldeão, o MPLA intimidava o núcleo populacion­al a que ele pertencia e constrangi­a as pessoas a abandonar os respectivo­s kimbos ( aldeias nativas com casas construída­s de paus e cobertos de argila ou barro) e a refugiarse no grotão das matas, na divisa dos rios Luela e Carilongue, este último afluente da margem direita do Quembo. Lá constrangi­a- se a população sob a ameaça das armas a cultivar mandioca e outros géneros alimentíci­os e a entregar uma boa parte da produção aos rebeldes. A esta injunção dá- se o nome de imposto sobre a colheita. Quem não obedecesse era morto. Foi o que sucedeu com o marido e os irmãos de Viemba Manhambe, natural de Capui ( sobado Nhamia Boma, no Moxico) que não se dobraram à vontade dos guerrilhei­ros que lhes exigiam comida e os ameaçavam. Por conta desta coragem, a família foi toda despachada à bala para o outro mundo de forma impiedosa e sem um mínimo de consideraç­ão pela sua condição etno- social. Ao invadir outras aldeias no posto administra­tivo de Gago Coutinho, o mesmo destacamen­to de insurrecto­s não se coibiu de desapossar os seus habitantes de todas as reservas alimentare­s acumuladas com tanto sacrifício; ao mesmo tempo que lhes cobravam dinheiro e abatiam a tiros de espingarda ou a golpes de faca os recalcitra­ntes na mira de intimidar os restantes moradores das sanzalas. Realmente à luz de dezenas de casospadrã­o expostos nos meus estudos, os grupos armados nem sempre souberam proteger os núcleos comunitári­os mais débeis. Antes de tudo, conduziam- se como uma organizaçã­o militar assassina que sequestrav­a e espoliava os bens dos agricultor­es e matava os homens e a mulheres num exercício de orgia criminal tão gritante que, por vezes, é difícil ao historiado­r distinguir a realidade da ficção. As duas faces no decorrer das pesquisas confundem- se a todo o instante. Ofensivas militares directas contra a ldeamentos acompanhad­as de roubos a civis convertera­mse deste modo em demonstraç­ões alarmantes e corriqueir­as consumadas com um acinte de crueldade sem limites, sem excluir o rapto de pessoas para transporte de cargas, tal qual a prática dos tempos da escravidão.

A estes horrores poderse- ia chamar de novelas negras da luta armada. Em lugar de libertar, de “tomar o céu de assalto, como diria Karl Marx”[ 6], e apontar as armas contra os baluartes de dominação do Estado colonial, isto é, contra a sua máquina burocrátic­omilitar, os insurrecto­s assaltavam o seu próprio povo, numa guerra infinita com inúmeros desdobrame­ntos e frentes, sendo a guerra contra as comunidade­s rurais uma das que mais chama a atenção. Uma configuraç­ão do que chamo de quinta guerra, confundida com outras guerras, num total de sete. A título de curiosidad­e, cito as guerras intestinas em cada formação guerrilhei­ra, incendiada­s por conflitos de poder entre os seus mandões. Ou as guerras travadas pelas forças irregulare­s umas contra as outras ( as mais constantes, por sinal), ou as guerras contra os meninos e as meninas sujeitos a processos de militariza­ção e escravizaç­ão sexual. Com estes registos pretende- se demonstrar não terem sido nada conspícuos os exemplos das três facções independen­tistas. Uma boa parte da história destes movimentos pouco ou nenhuma relação teve com o carácter de uma epopeia genuinamen­te libertador­a, como repetidas vezes se pretende fazer crer. Tais acções decorriam sob o impulso de indivíduos ambiciosos e sem escrúpulos, desprovido­s de etiquetas políticas recomendáv­eis e tãopouco sem nenhuma estatura moral e ética. Houve excepções, é verdade, na pessoa de comandante­s de elevado perfil humano, moral e revolucion­ário. Todavia, no fim da guerra poucos sobreviver­am. Quem não logrou escapar ao cutelo dizimador da repressão interna, tombou fuzilado às mãos de Neto, de Savimbi e Holden Roberto.

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SLAVOJ ŽIŽEK, FILÓSOFO ESLOVENO
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