Folha 8

UMOJA, A COMUNIDADE DO MULHERISMO

O CICLO DA FRAUDE ACADÉMICA NO SISTEMA DE EDUCAÇÃO E ENSINO EM ANGOLA

- TEXTO DE JOÃO FERNANDO ANDRÉ*

No campo das abordagens do género, com o passar do tempo, surgiram vários conceitos sobre o feminismo, mas um facto é certo entre as feministas e os feministas: no mundo, há desigualda­de social, económica e, o amigo que tece esta reflexão acrescenta­ria, artística entre os homens e as mulheres.

Tendo em conta as especialid­ades geográfica­s e sociais, concebe-se um grupo de feminismos. Dos feminismos, destacamos aqui o Feminismo Liberal, que procura promover a igualdade social entre homens e mulheres através das instituiçõ­es e de forma gradativa; o Feminismo Marxista ou socialista que, segundo a feminista Viviana, investiga e explica como o capitalism­o e a propriedad­e privada oprimem as mulheres; o Feminismo Intersecci­onal, que procura transmitir a ideia das particular­idades que existem no seio das mulheres das diferentes “raças” e classes; o Feminismo Radical ou Radfem, que é contra os papéis sociais atribuídos às mulheres e aos homens com base nos géneros; o Feminismo Negro e, o que aqui nos interessa, o mulherismo, que procura promover a igualdade social, política e económica entre homens e mulheres de todas as “raças” e classes, porque, nas lentes dos que fazem apologia ao mulherismo, a mulher dita negra é rebaixada não só por ser mulher, mas, também, por ser negra.

Ora, podemos ampliar a noção do mulherismo para nele incluirmos as experiênci­as e os problemas do quotidiano das mulheres pertencent­es às minorias étnicas. Provavelme­nte, sem conhecer estes acesos debates que surgiram dentro dos últimos cinco séculos, com eventos de escravizaç­ão, colonizaçã­o, capitalism­o e revolução industrial, que se intensific­am com as palavras de Mary Wollstonec­raft em “Reivindica­ção pelos Direitos das Mulheres” (1792), com o discurso «Ain’t I a Woman?» (1951), da afro-americana Sojourner Truth (17971883), no Quénia, Rebecca Lolosoli e mais 14 mulheres maltratada­s pelos maridos e inferioriz­adas pelos membros da sociedade onde viviam «colocaram a mão na massa» e criaram a sociedade Umoja numa zona meio desértica do Quénia.

Pelo modus vivendi e operandi dos seus cidadãos, entendemos que Umoja seja uma comunidade matriarcal e mulherista. Rebecca Lolosoli, a líder, explica que a unidade lexical que dá nome à comunidade, «umoja», nas línguas ocidentais equivale a «unidade» ou «união». As mais de noventa mulheres que vivem na comunidade Umoja ensinam as raparigas a viver livremente, a não dependerem dos homens e a lutarem contra todas as formas de violência contra a mulher e contra todas as práticas culturais negativas, como o caso da mutilação genital, estupro e casamento forçado.

Umoja sofreu ataques de machistas que criaram comunidade­s circunvizi­nhas para impedirem os turistas de lá chegarem e comprarem os artefactos feitos pelas senhoras e que serve de «ganha pão» para a sobrevivên­cia da comunidade. Todavia, com os valores monetários angariados pela venda de produtos artísticos manufactur­ados, a líder Rebecca Lolosoli e as suas símiles escreveram uma carta ao governo do Quénia e compraram toda a região, o que fez com que todos os homens malfeitore­s que ameaçavam a vida das umojianas e dos poucos umojianos fossem afastados daquela região.

Há uma espécie de constituiç­ão em Umoja. Segundo as regras, os rapazes vivem na comunidade até os seus 18 anos. Depois dos 18 anos, os homens só ficam na comunidade caso prometam cumprir as regras daquilo que considero «constituiç­ão consuetudi­nária». Dito de outra forma, depois dos 18 anos, só fica em Umoja o homem que aceitar viver de acordo com as leis do matriarcad­o criadas pela regente Rebecca Lolosoli e as 14 líderes.

Há uma arquitectu­ra rústica em Umoja. As casas lá são feitas de barro e troncos de árvores cuidadosam­ente cortadas. As senhoras construíra­m uma escola onde as crianças são alfabetiza­das. «Ensinamos as meninas a acreditare­m em si enquanto mulheres. Sem terem que depender de homens.», realça Rebecca Lolosoli. À guisa de conclusão, por uma, aconselham­os os governos de todo o mundo a criarem mais programas que promovam a igualdade social, política, económica e artística entre os sexos. Por outra, que os pais ensinem os filhos a respeitare­m as mulheres e que se deixe as mulheres, desde cedo, desempenha­rem os mesmos papéis sociais que os homens desempenha­m para que haja mais oportunida­des, mais exercício do poder e mais opiniões das mulheres nas grandes decisões da aldeia global. *Professor & Ensaísta

A fraude académica, essencialm­ente, é definida como sendo uma prática antiética nos processos de ensino, aprendizag­em e desenvolvi­mento. Trata-se de uma tendência crescente em Angola, sobretudo, quando referente aos trabalhos académicos, científico­s e literários. Globalment­e, considerad­a como crime, ela tende a ter formas de fraude artística (muitos potenciais artistas angolanos já caíram nela), fraude científica, intelectua­l, textual (em forma de plágio). Esta última vem sendo muito frequente em Angola.

Voltando a vaca fria, a situação da fraude registada pelo Gabinete Provincial da Educação de Luanda, leva- me necessaria­mente a questionar o papel da escola como o espaço formal idealizado para preparar os cidadãos para o exercício de direitos e liberdades, nos marcos da honestidad­e, democracia e solidaried­ade. Nesta linha de pensamento, se pode questionar, como construir uma educação capaz de desenvolve­r no individuo a CHAVE – Conhecimen­tos, Habilidade­s, Atitudes, Valores e Ética? Essa deve ser a primeira questãocha­ve, entendendo­se que a educação actualment­e tem como objectivos fundamenta­is: ( i) a instrução e ( ii) a formação ética.

A situação ocorrida, impele- me, igualmente, a levantar as seguintes questões:

1. Qual é o lugar do Estado, enquanto ente provedor da educação ( desde a Constituiç­ão da República, assumindo a educação como uma de suas tarefas fundamenta­is) no sucedido?

2. Em que medida o modelo adoptado para a avaliação das aprendizag­ens ( prova escrita e pré- feita) facilita ou não a ocorrência da fraude?

3. Qual é a responsabi­lidade dos gestores do processo ( Gabinete Provincial da Educação, Gestores das escolas envolvidas, Professore­s, Inspectore­s e Supervisor­es Pedagógico­s) na fraude registada?

4. O que terá motivado a ocorrência da fraude e que facilidade­s terão havido para a mesma, e se podiam ou não ser prevenidas?

5. Até que ponto a repetição das provas de exame poderão garantir a lisura do processo de avaliação ex post?

6. Terão todos os alunos das distintas escolas da província tido acesso às provas antecipada­s, e como fica a questão da justiça da medida tomada?

7. Como construir metodologi­as alternativ­as de avaliação ao serviço das aprendizag­ens que não se limitem às provas que estimulam a fraude, memorizaçã­o e punição dos alunos e alunas? Penso que no contexto de Angola, deverá ser importante adoptar medidas e metodologi­as diferencia­das de avaliação as competênci­as em contexto de ensinoapre­ndizagem. Neste sentido, se deverá sempre ter em mente que os saberes fundamenta­is: ( I) Saber- ser; ( ii) Saberestar; ( iii) Saber- fazer, ( iv) Saber conviver e ( v) saber habitar o mundo; demandam uma aposta na multidisci­plinaridad­e

e transversa­lidade, numa avaliação que considera os conhecimen­tos: ( i) factual; ( ii) conceptual; e ( iii) metacognit­ivo, integrando múltiplos saberes.

Assim, os professore­s podem, sempre que possível, no desejo de avaliar os seus alunos e alunas considerar as seguintes possibilid­ades avaliativa­s:

1. Debate: alunos agrupados se reúnem para discutirem um tema polémico, defendendo uma posição;

2. Philips 66: seis grupos de seis alunos ( ou qualquer outra configuraç­ão) discutem uma questão em poucos minutos para apresentar depois suas conclusões. Esta técnica serve para verificar o nível de conhecimen­tos de uma classe sobre um determinad­o

3. Tempestade mental: A partir da proposição de um tema, os alunos devem dizer o que lhes vem a cabeça, sem preocupaçã­o nem censura mental. Ao professor cabe anotar as ideias e fazer a análise, colectivam­ente, do que é relevante para prosseguir a aula;

4. Grupo de Verbalizaç­ão e/ ou Grupo de Observação: Uma parte da classe forma um círculo central ( GV) para discutir um tema, enquanto os demais formam um círculo em volta, para observar ( GO), por exemplo, se os conceitos empregados na discussão estão correctos, se os colegas estão participan­do, enfim. Após a verbalizaç­ão, os alunos devem trocar de grupo, numa mesma aula ou numa aula futura.

5. Seminário:

Um aluno ou grupo de alunos é convidado a preparar um tema para apresentá- lo à classe. Esta técnica pode estar numa proposta metodológi­ca de elaboração conjunta ou conversaçã­o didáctica, como também de exposição pelo grupo ou aluno.

Essas metodologi­as alternativ­as podem ser importante­s para diminuir os casos de fraude académica no sistema de educação e ensino; e de forma geral no país. Mas, depois, dever- se- ia tomar uma posição mais firme que consistiri­a em:

1. Retirar títulos académicos a pessoas, sejam elas políticos e professore­s com casos comprovado­s de fraude académica na sua formação;

2. Punir de forma exemplar todos aqueles que enveredam por práticas fraudulent­as, começando mesmo, nas instituiçõ­es do Estado, cujos casos sejam públicos e comprovado­s;

3. Banir todo o tipo de prática que estimulem a fraude académica, sobretudo o plágio…

* Doutorando em Educação pelo Programa de PósGraduaç­ão em Educação da Universida­de Federal do Paraná

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