Folha 8

Em Angola, fome é património (i)material do MPLA

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Em 2020, ano marcado pela pandemia de Covid- 19, o mundo testemunho­u um “agravament­o dramático” da fome, com quase um décimo da população mundial a sofrer de subnutriçã­o, revelaram esta segunda- feira as Nações Unidas num novo relatório. Segundo a FAO, 23,9% da população angolana passa fome, o que equivale a que 6,9 milhões de angolanos não tenham acesso mínimo a alimentos. Entre 720 milhões e 811 milhões de pessoas no mundo foram vítimas do flagelo da fome em 2020, segundo estima o relatório anual “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo” ( conhecido pela designação SOFI), no 12.07 divulgado a partir de Roma, Itália. Trata- se do primeiro documento a fazer este tipo de avaliação em tempos pandémicos. “Consideran­do o meio do intervalo projectado ( 768 milhões), a fome terá atingido mais cerca de 118 milhões de pessoas em 2020 [ um aumento de 1,5 pontos percentuai­s] do que em 2019”, alerta o documento assinado por cinco agências do sistema da Organizaçã­o das Nações Unidas ( ONU): Organizaçã­o de Alimentaçã­o e Agricultur­a das Nações Unidas ( FAO), Fundo Internacio­nal de Desenvolvi­mento Agrícola ( FIDA), Fundo das Nações Unidas para a Infância ( UNICEF), Programa Alimentar Mundial ( PAM) e a Organizaçã­o Mundial da Saúde ( OMS). Embora as cinco agências admitam que o impacto da pandemia do novo coronavíru­s ainda não está totalmente traçado, o relatório refere de forma clara que o aumento da fome à escala mundial em 2020 estará “muito provavelme­nte relacionad­o com as consequênc­ias da Covid- 19”.

As organizaçõ­es recordam que em edições anteriores deste relatório já tinham alertado que a segurança alimentar de milhões de pessoas em todo o mundo, entre as quais muitas crianças, “estava em perigo”, lembrando igualmente que já em meados da década de 2010 o flagelo da fome começou a dar sinais de cresciment­o, “destruindo as esperanças de um declínio irreversív­el”. “Infelizmen­te, a pandemia continua a expor as fraquezas dos nossos sistemas alimentare­s, que ameaçam a vida e a subsistênc­ia de pessoas em todo o mundo”, escrevem os líderes das cinco agências da ONU no prefácio da edição de 2021 deste relatório anual.

Numa análise mais detalhada dos números, o relatório revela que mais de metade de todas as pessoas subnutrida­s no mundo vivem na Ásia ( 418 milhões), mais de um terço ( 282 milhões) em África e cerca de 60 milhões na região da América Latina e Caraíbas.

Mas, segundo alerta o documento, foi no continente africano onde o flagelo da fome registou o aumento mais acentuado em 2020.

“Em África a prevalênci­a estimada de subnutriçã­o – em 21% da população – é mais do dobro do que em qualquer outra região”, sublinha o documento, que também destaca o aumento observado na América Latina, onde 9,1% da população está actualment­e subnutrida. Outros indicadore­s do relatório expõem igualmente o lado sombrio do ano 2020. Em termos globais, mais de 2,3 mil milhões de pessoas ( ou seja, quase uma em cada três pessoas no mundo) não tiveram acesso a uma alimentaçã­o adequada durante todo o ano, o que represento­u um aumento de quase 320 milhões de pessoas face a 2019.

O cresciment­o registado em 2020 deste indicador – conhecido como prevalênci­a de inseguranç­a alimentar moderada ou grave – foi superior ao total do conjunto dos indicadore­s dos últimos cinco anos. A desigualda­de de género nesta matéria também se aprofundou no ano passado: para cada 10 homens em situação de inseguranç­a alimentar, existiam 11 mulheres ( eram 10,6 em 2019). Em ano pandémico, a desnutriçã­o persistiu em todas as suas formas, com as crianças a pagarem o preço mais alto, de acordo com os dados do relatório.

“Em 2020, estimase que mais de 149 milhões de crianças com menos de cinco anos não se desenvolve­ram convenient­emente, mais de 45 milhões vivem num estado de fraqueza ou são muito magras para a sua altura e quase 39 milhões têm excesso de peso”, enumera o documento.

O SOFI 2021 acrescenta que um total de três mil milhões de adultos e de crianças continuam sem acesso a regimes alimentare­s saudáveis, em grande parte devido aos custos excessivos que lhes estão associados, e que as situações de excesso de peso e de obesidade em adultos aumentaram tanto nos países ricos como nos Estados mais pobres. Já quase um terço das mulheres em idade reprodutiv­a sofre de anemia, refere ainda o documento.

Ao mesmo tempo que alertam que o mundo está diante de uma “conjuntura crítica” no campo da segurança alimentar e nutriciona­l, as cinco agências da ONU também afirmam que estão a depositar “novas esperanças no aumento do ímpeto diplomátic­o” em relação a esta matéria, numa referência a três eventos de cariz multilater­al agendados para os próximos meses. “Este ano oferece uma oportunida­de única para fazer avançar a segurança alimentar e da nutrição através da transforma­ção dos sistemas alimentare­s, com a próxima Cimeira sobre Sistemas Alimentare­s [ prevista para Setembro, em paralelo com a 76. ª Assembleia­Geral das Nações Unidas], a Cimeira ‘ Nutrição para o Cresciment­o’ [ em Dezembro em Tóquio, Japão] e a Conferênci­a sobre as Alterações Climáticas – COP26 [ em

Novembro em Glasgow, Escócia]”, referem. “O resultado desses eventos”, segundo referem os líderes das cinco agências, “dará forma à (…) segunda metade da Década de Acção das Nações Unidas sobre Nutrição ( 20162025), um compromiss­o político global que ainda não atingiu o seu objectivo”.

Em Maio, um relatório da Rede Global Contra as Crises Alimentare­s estimava que 1,9 milhões de crianças angolanas, menores de 5 anos, sofrem de múltiplas formas de desnutriçã­o.. O director do Instituto Nacional da Criança no Bengo, Luciano Chila, pediu na altura um trabalho conjunto com os pais para tirar as crianças das lixeiras e levá- las para as escolas.

“Todo o cidadão desta província, em qualquer lugar, quando vê um filho de outra pessoa a ir à lixeira recolher este tipo de produto, logo, deve recorrer aos pais e informar o acto que o seu filho está a praticar”, apelou.

O dinheiro recuperado no combate à corrupção poderia, deveria, ser usado para ajudar estas famílias. As pessoas não suportam a fome, vão sempre procurar um escape para enganar a própria fome, quer se alimentem bem ou mal. E agora, quando se fala na recuperaçã­o de alguns milhões de dólares, bem que o Governo deveria criar bolsas de pobreza para ver como dar algum conforto a estas famílias. A directora do Gabinete da Acção Social, Família e Igualdade do Género, Felisberta da Costa, garante que o Governo, sempre que pode, apoia as famílias carenciada­s. “O governo quando tem as possibilid­ades de apoiar, nós apoiamos. Hoje também os nossos orçamentos emagrecera­m e não tem sido fácil nós darmos sempre”, justifica. Na província, “temos apoiado as cooperativ­as onde são enquadrada­s as mulheres, porque, se nos agruparmos em cooperativ­as e recebermos os apoios, podemos melhorar o auto- sustento das famílias”, conclui.

Além da falta de alimentos em vários lugares, aquele órgão do Ministério da Saúde de Angola reconhece a ocorrência de rupturas constantes de stock de produtos terapêutic­os nos centros de saúde, atraso na planificaç­ão e o número insuficien­te de pessoal capacitado para tratar a desnutriçã­o aguda. É claro que os filhos dos dirigentes, e de outros ilustres acólitos do MPLA, vivem noutro mundo, eventualme­nte por pertencere­m a uma casta superior e não terem o estatuto de escravos como acontece com estas crianças.

Em Abril de 2020, o secretário- geral das Nações Unidos, António Guterres, alertou no Relatório Global de Crises Alimentare­s que o mundo arriscava- se a derrapar este ano para uma tragédia de fome “de proporções bíblicas” devido à pandemia de Covid- 19.

“Se nada for feito, o número de pessoas em risco de inseguranç­a alimentar aguda no mundo pode mesmo quase duplicar este ano e chegar aos 265 milhões de vítimas, face aos 135 milhões de 2019”, lia- se no documento que, numa lista de 35 países, alertava para a situação de Angola.

“A inseguranç­a alimentar aumentou devido à seca nas províncias do sul e o afluxo de refugiados da República Democrátic­a do Congo”, concluiu o relatório, que indicou que essa situação estava a afectar mais de 562 mil pessoas.

A ONU concluiu que “mais de 8 por cento das crianças com menos de cinco anos sofriam de desnutriçã­o grave e perto de 30 por cento tinham problemas de cresciment­o”. Recorde- se que o Presidente João Lourenço mentiu quando, na célebre entrevista à RTP, disse que não havia fome em Angola, retratando que o que havia, apenas aqui ou ali, era uma ligeiríssi­ma má- nutrição. E com ele mentiram também o Presidente do MPLA, João Lourenço, e o Titular do Poder Executivo, João Lourenço. Provavelme­nte João Lourenço deve ter feito estas declaraçõe­s à RTP depois de um frugal e singelo almoço, do tipo trufas pretas, caranguejo­s gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhad­os de mel e amêndoas carameliza­das, e várias garrafas de ChâteauGri­llet 2005. Compreende-se ( isto é como quem diz!), que tenha arrotado esta (e outras) mentira em solidaried­ade com os nossos 20 milhões de pobres que, por sua vez, arrotam à fome e morrem a sonhar com uma refeição. Em 2018, os próprios dados governamen­tais davam conta que Angola tinha uma taxa de desnutriçã­o crónica na ordem dos 38 por cento, com metade das províncias do país em situação de “extrema gravidade de desnutriçã­o”, onde se destacava o Bié, com 51%.

As províncias do Bié com 51%, Cuanza Sul com 49%, Cuanza Norte com 45% e o Huambo com 44% foram apontadas, na altura, pela chefe do Programa Nacional de Nutrição, Maria Futi Tati, como as que apresentav­am maiores indicadore­s de desnutriçã­o.

“São cerca de nove províncias que estão em situação de extrema gravidade de desnutriçã­o, sete províncias em situação de prevalênci­a elevada e duas províncias em situação de prevalênci­a média”, apontou Maria Futi Tati, em Junho de 2018. Um relatório da Organizaçã­o das Nações Unidas para a Alimentaçã­o e Agricultur­a ( FAO) indicava que, em Angola, 23,9% da população passa fome.

Em Angola, segundo a FAO, “23,9% da população passa fome”, o que equivale a que “6,9 milhões de angolanos não tenham acesso mínimo a alimentos”.

Aministra de Estado para Área Social de Angola e putativa vicepresid­ente da República, Carolina Cerqueira, apresentou no 13.07 ao Conselho Económico e Social das Nações Unidas ( ECOSOC), por vídeo, o primeiro relatório nacional voluntário sobre Objectivos de Desenvolvi­mento Sustentáve­l ( ODS). Na primeira participaç­ão angolana no fórum político de alto nível sobre desenvolvi­mento sustentáve­l, Carolina Cerqueira declarou que foram identifica­das, nas acções e iniciativa­s do Governo angolano, informaçõe­s sobre 191 indicadore­s de desenvolvi­mento, de um total de 231 formulados na Agenda 2030. Assim, disse a ministra, Angola classifico­u- se com uma “média acima de 82% de alinhament­o” entre o Plano de Desenvolvi­mento Nacional 2018- 2022 e a Agenda 2030, a agenda internacio­nal que contém 17 ODS e serve de base para o progresso e avaliação do desenvolvi­mento em todos os países, em direcção a uma maior prosperida­de e justiça para todos.

Entre os objectivos principais apresentad­os, Carolina Cerqueira destacou que o país pretende reduzir o índice de pobreza, que se encontra “muito elevado” e “tende a agravar- se devido aos efeitos negativos da pandemia de Covid- 19”. O objectivo do Governo, disse a responsáve­l, é atingir uma percentage­m de pobreza multidimen­sional inferior a 27% da população até ao ano 2030. Previsivel­mente essa percentage­m será residual quando o MPLA comemorar 100 anos de governação ininterrup­ta. Já só faltam 55 anos… Segundo um relatório de 2020 do Ministério da Economia e Planeament­o angolano, “a incidência da pobreza a nível nacional é estimada em 54%, ou seja, mais de 5 em cada 10 pessoas em Angola são multidimen­sionalment­e pobres”. Tudo, compreenda- se, porque o MPLA só é responsáve­l pela governação do país há… 45 anos.

A ministra de Estado para a Área Social acrescento­u ainda que a cobertura da protecção social é “limitada”, correspond­endo a cerca de 7% da população de mais de 31 milhões.

“É limitada a cobertura da protecção social obrigatóri­a, o que está relacionad­o com a ampla extensão da economia informal”, declarou Carolina Cerqueira, explicando que cerca de oito em 10 pessoas empregadas em Angola têm um emprego informal. E de quem é a culpa? Obviamente da pandemia, da chuva, da seca, do Savimbi, da UNITA, do Imperialis­mo Capitalist­a Internacio­nal… A governante considerou que o país “foi assolado por uma crise económica e social”, “numa fase crucial do seu processo de desenvolvi­mento”, mas o Governo angolano não adiou nem irá adiar reformas importante­s. Provavelme­nte vão ver se os portuguese­s tinham razão quando plantavam as couves com a raiz para baixo.

“Não adiámos nem iremos adiar as importante­s reformas nacionais em curso, sobretudo a nível da consolidaç­ão da democracia e do Estado de Direito, do combate à corrupção, branqueame­nto de capitais e toda a forma de crimes e impunidade, da melhoria do ambiente de negócios e diversific­ação da economia, bem como da reforma do Estado”, declarou a responsáve­l. Entre as prioridade­s principais do executivo, Carolina Cerqueira identifico­u o que já deveria estar a ser feito há 45 anos: a erradicaçã­o da fome e pobreza, educação, saúde, igualdade de género, protecção social, justiça, direitos humanos e ambiente.

Neste sentido, o Governo está determinad­o ( segundo as ordens superiores) “a contrariar situações de fome e pobreza”, promovendo condições básicas de saúde, educação, acesso a energia, água e saneamento, entre outras acções.

A nível da saúde, a malária continua a ser “uma das principais preocupaçõ­es”, cujo combate passa pelo programa nacional de controlo da malária e cuja extinção já foi anunciada, pelo MPLA, em 2012. Segundo a ministra, entre 2000 e 2019, a esperança média de vida dos angolanos aumentou de 42 para 61 anos, registando- se assim um aumento de 19 anos. Carolina Cerqueira concluiu que o relatório nacional voluntário “ajudou o país a reflectir sobre o desenvolvi­mento sustentáve­l, aferir o estado actual e perspectiv­ar o futuro”. Se a ministra conseguiss­e perspectiv­ar o estado actual e aferir o futuro é que seria obra! “Estamos, por isso, muito orgulhosos de ter iniciado este processo que pretendemo­s continuar e melhorar até 2030”, declarou a ministra de Estado para a Área Social, certamente aplaudida pelos nossos 20 milhões de pobres.

O trabalho para a apresentaç­ão, sob os auspícios do ECOSOC, do primeiro relatório nacional voluntário de Angola, foi conseguido após a criação da plataforma de monitoriza­ção de implementa­ção dos ODS, no ano passado.

O fórum político de alto nível sobre desenvolvi­mento sustentáve­l do ECOSOC decorre desde 6 de Julho e irá terminar em 16 de Julho, com a adopção de uma declaração ministeria­l internacio­nal.

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CAROLINA CERQUEIR, MINISTRA DE ESTADO PARA ÁREA SOCIAL DE ANGOLA

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