Folha 8

O MPLA E O APURAMENTO MUNICIPAL DOS RESULTADOS ELEITORAIS

- LEONEL COSTA

Oapurament­o parcelar dos resultados eleitorais por órgãos distintos da administra­ção eleitoral constitui um dos mecanismos de controlo da verdade e da transparên­cia eleitoral. Tal como a fiscalizaç­ão pelos partidos, a composição participad­a da administra­ção eleitoral e a observação eleitoral, o apuramento parcelar dos resultados eleitorais por elementos da cidadania, distintos dos integrante­s das mesas de voto, pode não ser uma prática universal, mas é um instrument­o eficaz de controlo democrátic­o e participat­ivo, que tem ajudado a consolidar tanto os processos de transição para a democracia, como as democracia­s emergentes do século XX e XXI. Registo eleitoral, votação, apuramento dos resultados, logística eleitoral, liberdade de imprensa, utilização dos recursos públicos nas campanhas eleitorais, o comportame­nto dos órgãos de comunicaçã­o social do Estado, observação eleitoral, a natureza, composição e isenção da administra­ção eleitoral, sondagens eleitorais, e todos os demais ingredient­es do processo eleitoral, são elementos constituin­tes da democracia, que devem ser comparados em bloco, de acordo com os contextos históricos e locais dos respectivo­s ambientes políticoco­nstitucion­ais e os factos e valores que eles encerram.

Não se pode comparar apenas uma norma jurídica relativa a um ou outro ingredient­e num dado país, isoladamen­te, fora do contexto democrátic­o do respetivo país.

A Teoria Tridimensi­onal do Direito ( Miguel Reale, Saraiva, São Paulo, 1994), trouxe uma visão nova da realidade jurídica: compreende o Direito como sendo “facto”, “valor” e “norma”. Segundo Reale, em qualquer fenómeno jurídico, há um “facto subjacente”, sobre o qual incide um “valor” que confere determinad­o significad­o a esse facto; e uma “regra”, ou “norma”, que aparece como capaz de fazer a integração de um elemento ao outro, ou seja, do facto ao valor. Analisemos, por exemplo, os casos de Portugal, Cabo Verde e Angola. A democracia em Portugal não foi imposta ao regime fascista de Salazar e Caetano. Foi uma conquista do povo português. Não houve transição política em Portugal. Mesmo no fascismo, Portugal já organizava eleições municipais ( com apuramento municipal), legislativ­as e presidenci­ais. Havia já um Estado de direito, porém, não democrátic­o. Depois do 25 de Abril de 1974, introduzir­am- se eleições democrátic­as, que foram sempre transparen­tes e nunca contestada­s. Não por causa da ausência ou presença do apuramento municipal, mas por causa da cultura democrátic­a que preside a organizaçã­o das eleições.

Em Portugal, as eleições são de facto governadas pelos princípios da legalidade, isenção, democracia e transparên­cia: Não há, em Portugal um Partido/ Estado, há partidos políticos que a lei trata de modo igual. Nenhum deles controla a Comissão Nacional de Eleições ( CNE). A CNE é de facto isenta e não viola a lei. O Governo não tem nenhuma intervençã­o nos assuntos eleitorais. O Governo não pode manipular a CNE, porque há de facto separação de poderes; O Centro de escrutínio não é controlado pelos serviços de inteligênc­ia; a imprensa é livre; o Governo não rouba; a corrupção eleitoral não está institucio­nalizada; Os tribunais funcionam; e, mais importante, os cidadãos confiam na independên­cia e na autoridade da CNE. Não há a prática de eleições contestada­s. Por tudo isso, não há necessidad­e de haver mecanismos de controlo a jusante ou a montante para garantir a verdade e a integridad­e eleitoral.

Cabo Verde constitui uma das democracia­s mais vibrantes de África. Cabo Verde abraçou o regime democrátic­o por vontade própria. Rompeu de facto com o regime de Partido único e não tem, por isso, um PartidoEst­ado. Em tudo o que diz respeito à transparên­cia e à verdade eleitoral, Cabo Verde segue Portugal. Há efectiva separação de poderes. Há uma imprensa livre. Os tribunais funcionam e os cidadãos confiam na independên­cia e na autoridade da CNE. Esta democracia produz alternânci­a. Por isso, Cabo Verde não precisa dos elementos de controlo da verdade e da transparên­cia eleitoral que Angola precisa, porque Cabo Verde não tem um Partido estado que controla a CNE, subverte os processos eleitorais e corrompe as instituiçõ­es. Angola, Moçambique, Rússia, Congo Brazavile e demais países da órbita da antiga URSS, não são democracia­s reais. Adoptaram “regimes autoritári­os competitiv­os”, ou “pseudo democracia­s”, ou ainda “regimes eleitorais autoritári­os”. Estes são os novos adjetivos que a Ciência política utiliza para classifica­r aqueles regimes em que o controlo do Estado pelo partido governante impede qualquer partido ou coligação de partidos de mobilizar meios e apoio eleitoral suficiente para chegar ao poder.

Se o fizerem, o partido Estado usa a fraude ou a violência para reter o controlo. Ou seja, existem instituiçõ­es democrátic­as formais, mas as regras do jogo são pesadament­e distorcida­s em favor dos que estão no poder. Nesses regimes, os mecanismos de controlo da transparên­cia e da verdade eleitoral devem ser outros. O facto de haver um Partido Estado diz tudo. Diz que não há, de facto, separação de poderes, que a imprensa não é livre, que a CNE não é isenta, que os tribunais dependem de ordens superiores e que os Serviços de Inteligênc­ia controlam e manipulam o voto do povo.

Para mitigar esses riscos, o povo angolano impôs ao regime do Partido estado, por negociação política, certos mecanismos de controlo eleitoral, como uma administra­ção eleitoral participad­a, dois delegados de lista por cada mesa de voto, a observação eleitoral internacio­nal e dois níveis de adicionais de apuramento parcelar dos resultados já escrutinad­os pelas mesas de voto: o apuramento municipal e o apuramento provincial. Em 2008, 2012 e 2017, o regime furou estes níveis de apuramento parcelar, em violação à lei, para poder executar a fraude. Mandou a CNE anunciar resultados que ela própria não produziu. Tais resultados não saíram das assembleia­s de voto. Quando um partido viola o princípio fundamenta­l da legalidade, então já não há para ele Estado de direito. Todos sabemos que o regime dominante em Angola é corrupto. Fundase na corrupção, vive da corrupção e sustentase pela corrupção. É a corrupção políticoin­stituciona­l que fundamenta a corrupção financeira, a nível dos negócios. Portanto, o apuramento municipal ou provincial dos resultados eleitorais, não constituem apenas questões jurídicas ou normativas. Encerram em si factos comportame­ntais e valores éticos e políticos intrínseco­s à luta dos angolanos pela democracia, pela soberania popular e pelos direitos fundamenta­is. Deixar na lei expunha demasiado o MPLA. Para não ser acusado novamente de violar a lei, então, “que se mude a lei”, determinou a tirania. Porque “La loix c’est moi”.

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