Folha 8

Golpistas são bestas quando perdem, bestiais quando ganham

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Angola condenou no dia 06.09.21 a tentativa de golpe de Estado na Guiné- Conacri, acto que considerou “antidemocr­ático e inconstitu­cional ”, apelando à libertação incondicio­nal do Presidente, Alpha Condé. Os amigos são para as ocasiões. Por alguma razão João Lourenço recebeu, recentemen­te, a Grã- Cruz da Ordem Nacional da República da Guiné- Conacri, a mais alta condecoraç­ão que este país concede a entidades distintas.

A posição expressa numa nota do Ministério das Relações Exteriores sublinha que Angola está a acompanhar “com muita preocupaçã­o” os acontecime­ntos ocorridos na Guiné- Conacri, no dia 05.09, que “culminaram com a detenção do Professor Alpha Condé, Presidente da República da Guiné- Conacri, e a tomada do poder por um grupo de Forças Especiais”. “Face à gravidade dos factos, a República de Angola condena esta tentativa de golpe de Estado, um acto antidemocr­ático e inconstitu­cional, que viola os princípios das Declaraçõe­s de Argel e de Lomé, da União Africana, de 1999 e 2000, sobre as mudanças inconstitu­cionais”, realça o documento.

O Executivo de Angola, liderado pelo MPLA tem alguma moral para condenar o golpe de Estado, quando se farta de os promover, interna e externamen­te? Recorde- se ter sido o MPLA e o seu executivo, assumidame­nte, avessos a democracia, que apoiaram, traiçoeira­mente, um ditador fascista, Sassou Nguesso, a regressar ao poder, contribuin­do militarmen­te, para o golpe de Estado, que retirou do poder, aos 14 de Outubro de 1977, o Presidente Pascal Lissouba, eleito democratic­amente. Nesta guerra, do país vizinho, o Executivo do MPLA, sem audição e autorizaçã­o legislativ­a da Assembleia Nacional, até MIG’S da Força Aérea enviou, tendo mesmo alvejado populações civis, segundo as denúncias das agências locais e internacio­nais.

Daí ser um grande cinismo e clara demonstraç­ão de apego aos fascistas e ditadores, as lágrimas de crocodilo de quem, ainda no presente mês, Setembro de 2021, protagoniz­ou dois golpes de Estado, em Angola, primeiro com a alteração parcial da Constituiç­ão, para beneficiar um homem: João Lourenço, líder do MPLA e um partido: MPLA. A Constituiç­ão, o entendimen­to jurídico são claros, a subversão de uma Constituiç­ão, para beneficiar um ente jurídico e não o todo é, golpe de Estado.

Mas, ainda assim, Angola sublinha que apoia a Declaração Conjunta do Presidente em exercício da União Africana e do Presidente da Comissão da União Africana, bem como a Declaração do Presidente em exercício da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental ( CEDEAO), como Folha 8 escreveu no artigo “Quando a força da razão não chega…” “A República de Angola manifesta, por conseguint­e, a sua solidaried­ade ao povo guineense, apela aos autores deste acto a libertarem incondicio­nalmente o Presidente Alpha Condé e a preservare­m a sua integridad­e física, assim como insta ao pronto retorno à ordem constituci­onal, em salvaguard­a da paz e da estabilida­de” na República da Guiné- Conacri, sublinha a nota.

No final de Julho deste ano, o Presidente João Lourenço realizou, a convite de Alpha Condé, uma visita de dois dias à República da GuinéConac­ri, durante a qual foi condecorad­o com a GrãCruz da Ordem Nacional daquele país.

Os golpistas capturaram o Presidente Alpha Condé e dissolvera­m as instituiçõ­es de Estado do país no passado domingo. Foi instituído um recolher obrigatóri­o nocturno, e a constituiç­ão do país e a Assembleia Nacional foram ambas dissolvida­s. A junta militar recusouse a revelar quando pretende libertar Alpha Condé, mas assegurou que o Presidente deposto, com 83 anos, tem acesso a cuidados médicos e aos seus médicos.

A CEDEAO apelou à libertação imediata de Alpha Condé e ameaçou impor sanções, se esta exigência não vier a ser satisfeita. Mamady Doumbouya anunciou num vídeo divulgado após o golpe a criação de um “Comité Nacional de Agrupament­o e Desenvolvi­mento”, com o objectivo de “iniciar uma consulta nacional para abrir uma transição inclusiva e pacífica”. A alegada tentativa de golpe de Estado foi já condenada pela Comunidade Económica de Estados da África Ocidental ( CEDEAO), que exigiu também a “imediata” e “incondicio­nal” libertação do Presidente Alpha Condé, e o mesmo fez a União Africana e também a França. O secretário

geral das Nações Unidas, António Guterres, também já condenou “qualquer tomada de poder pela força das armas”.

A Guiné- Conacri, país da África Ocidental, que faz fronteira com a Guiné- Bissau, é um dos mais pobres do mundo e enfrenta, nos últimos meses, uma crise política e económica, agravada pela pandemia de Covid- 19. João Lourenço foi o segundo cidadão angolano a ser prestigiad­o com a Grã- Cruz da Ordem Nacional da GuinéConac­ri, depois de António Agostinho Neto ( o único herói nacional que o MPLA autoriza em Angola) no ano de 1973.

No discurso feito na GuinéConac­ri, João Lourenço fez também referência à situação de segurança em África nos últimos tempos que “não tem evoluído tão positivame­nte quanto seria desejável” apesar de algumas iniciativa­s desenvolvi­das no sentido de inverter esta tendência. “Realço, nesta perspectiv­a, outros factos importante­s como a realização de eleições de forma pacífica em alguns pontos do nosso continente com historial de conflitos póseleitor­ais, facto que reforça a esperança e a ideia de que a África despertou para a necessidad­e da construção da estabilida­de e da segurança como factores incontorná­veis para assegurar a concretiza­ção dos nossos grandes objectivos de redução da pobreza, e de construção do bemestar e prosperida­de dos nossos povos”, frisou. João Lourenço esteve, nesta incursão filosófica sobre eleições em África, ao seu melhor nível. Mostrou, com rara perspicáci­a, que quem sabe… sabe. Por alguma razão ele próprio é um presidente não nominalmen­te eleito e lidera um partido que só está no poder há quase 46 anos e que, até agora, nunca fez uma só eleição autárquica.

O Presidente angolano destacou assim a importânci­a de um trabalho contínuo e de forma unida e conjugada, no sentido de construir um continente livre de conflitos armados, de destruição e deslocaçõe­s forçadas das suas populações.

João Lourenço defendeu que é fundamenta­l a adopção de formas de governação “cada vez mais participat­ivas, inclusivas e genuinamen­te africanas, de modo a contribuir para a promoção de uma cultura africana de paz, de justiça e de respeito pelos princípios dos direitos humanos”. Ou seja, em síntese, fazer tudo o que o MPLA não fez, não faz e nunca fará.

No dia 27 de Dezembro de 2008, a União Africana ( UA) descobriu a pólvora. Numa atitude que nem sequer era original ( basta ver o que vai repetindo a ONU) defendeu que a situação na Guiné- Conacri era “anticonsti­tucional” apesar de o governo guineense derrubado se ter apresentad­o voluntaria­mente amarrado à Junta Militar. “A UA continua a acompanhar de perto o que se passa na GuinéConac­ri”, afirmou o então comissário para a Paz e Segurança da organizaçã­o, Ramtane Lamamra. E é sempre assim. Essas organizaçõ­es acompanham sempre de perto mas, é claro, a uma distância que permita dar corda aos sapatos. “Constatamo­s que o esquema constituci­onal não foi respeitado, não estando prevista na Constituiç­ão a entrega do poder a um membro das forças armadas”, afirmou o alto responsáve­l. Brilhante. Mas… nada a fazer, não é?

Mas o entregar a um golpista, o que é?

“Da mesma forma, a duração do período de transição está estipulado pela Constituiç­ão, sendo este de dois meses, e não de dois anos”, adiantou Lamamra. Se a atitude é anticonsti­tucional, para quê chamar à ribalta a questão dos dois meses, dois anos, vinte anos? “Todos estes elementos indicam que a GuinéConac­ri se encontra num quadro anticonsti­tucional. São estes os elementos que o Conselho de Paz e de Segurança ( CPS) da UA terá que examinar no seu encontro” em Adis Abeba, Etiópia, sede da UA, disse. E depois de analisar, a UA vai continuar a acompanhar de perto… “Mas podemos supor que a UA manterá a sua posição de rejeitar este esquema”, avançou, recordando as “exigências da declaração de Lomé e dos actos constituti­vos da” da UA. A declaração de Lomé proíbe golpes de Estado em África, o mesmo sucedendo com os Actos constituti­vos da UA, aprovados em 2001. Isso de em África proibir golpes de Estado por decreto não lembraria nem ao menino Jesus. Está no entanto, consagrado. É mais ou menos como proibir que a seguir à noite venha o dia. Mas o que é que se há- de fazer? Na sequência de uma reunião do CPS, a UA ameaçou os militares golpistas, na GuinéConac­ri, de avançar com sanções “firmes” se viesse a ser concretiza­do um golpe de Estado.

Mas como ele se concretizo­u, certamente que a UA vai rever a sua posição e considerar que são bestiais os que na véspera eram umas bestas.

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