“QUALIDADE EDUCATIVA & POLÍTICAS PÚBLICAS EM ANGOLA: PISTAS PARA DIÁLOGOS” (FIM)
Olhando para a questão da qualidade educativa, se deve sempre perguntar sobre os indicadores que podem ser considerados nesta discussão. Assim, entendo que seja fundamental primeiro deixar claro que no campo de pesquisa em política educacional, há a complexidade quando se fala em qualidade, sobretudo considerando as disputas políticas sobre a escola, os interesses político-partidários e os grupos de pressão
Alguns estudiosos da área sugerem que essa complexidade se revela na necessidade de compreendermos melhor o que e como se constitui a agenda política ( a pressão social), o que e como se institui a política propriamente dita ( as decisões governamentais), a sua execução e os resultados desse processo, com vistas a se saber os desenhos e os movimentos da ação do Estado ante as demandas, mesmo as pouco reconhecidas, por educação. Por outro lado, é necessário compreender que existem diferentes representações sociais sobre qualidade e que as mesmas não devem impossibilitar a definição de uma linguagem comum que consolide campos de acção. Neste sentido, para discutir sobre a qualidade educativa em Angola poder- seia ter como ponto de partida 3 indicadores muito usados na Europa, nomeadamente: ( i) INDICADORES DE INVESTIMENTO, que são aqueles relacionados à remuneração docente, proporção de alunos por professor, custo- aluno etc; ( ii) INDICADORES DE DESEMPENHO DENTRO DA REALIDADE EDUCATIVA, aqueles que dizem respeito ao clima e à cultura organizacional da escola e ( iii) INDICADORES DE SUCESSO/ FRACASSO ESCOLAR, que estão associados ao desenvolvimento de competências e habilidades para determinado nível ou etapa de escolarização. É fundamental nesta discussão sobre a qualidade educativa que se seleccione um bom conjunto de indicadores que permitam a avaliação não só da qualidade das escolas, mas também a dos sistemas de ensino; no caso concreto de Angola olhar para a organização e funcionamento da educação enquanto uma política pública ( marcada por exemplo por 3 Ministras em 4 anos de governação - como garantir que haja sequencialidade na implementação das medidas de política diante desta “dispersão”?). Assim, olhando para o primeiro indicador só para situar a abordagem verificase que o Orçamento Geral de Estado ( OGE) reservada à educação está muito distante dos 20%, recomendado pelas organização multilaterais ( desde Dakar, 2000) e que é praticado em alguns países africanos com menos recursos que Angola. No nosso país, o investimento na função da educação vem sofrendo quedas vertiginosas no que o OGE diz respeito nos últimos anos. A título de exemplo, no OGE aprovado a 12 de Dezembro de 2019 a função da educação teve um peso de 5,30%, o que corresponde a 243.065.102.389 Kwanzas em termos reais. Este facto indica que o peso da educação no OGE diminuiu em relação ao OGE 2019 revisto, no qual tinha um peso de 6,05%. Portanto, com o parco investimento que se tem feito no sector da educação nos últimos anos em Angola, com a débil formação de professores, com as constantes alterações na estrutura de gestão, e com a falta de uma política de Estado na educação, dificilmente poderão ser ultrapassados os seus principais problemas no domínio das políticas públicas de educação, ou seja, tenderá a persistir a insuficiente resposta a demanda por escolarização e a deficiente eficácia ( qualidade) do sistema de educação e ensino. E deste modo, a garantia do direito à educação assumida como tarefa fundamental do Estado, bem como a garantia dos direitos na Educação ( qualidade educativa) continuarão a ser problemas estruturantes da política educacional angolana, vetando a um grande número de angolanos o acesso à escola e “adiando” cada vez mais o desenvolvimento socioeconômico do país e valorização da pessoa angolana. Nesse caso, julgo que seja tempo de se compreender a educação e o ensino em Angola como uma plataforma social e as políticas educacionais como um constructo social, considerando que há uma construção social do problema da educação. Então, a interacção entre a demanda social e a acção governativa deverá se fundamentar numa modalidade de comunicação e de relação comum entre os vários sujeitos. Por outro lado, as decisões deverão ser sustentadas pelo conhecimento da ciência, pela investigação produtiva, análise e avaliação das condições conjunturais e situações em que será exercida. Dito de outra maneira, a tomada de decisão política deve assentar no conhecimento contextual exaustivo do real, por isso, é imperativo conhecer antes de actuar. O problema do ensino de qualidade ou da qualidade educativa em Angola pode até ser da responsabilidade de todos, mas é antes de tudo e sobretudo da responsabilidade do Estado. Quer Estado como o conjunto de poderes públicos, instituições, seus aparelhos e ferramentas; quer Estado como uma arena de disputas, pois a política educacional entendida como o comportamento do Estado diante de um conjunto de demandas por educação é feita essencialmente no/ pelo Estado.
UCarvalho ( 1997) apreende nas obras de Aristóteles uma ideia medular, que, de acordo com seu entendimento, se afigura de suma importância para a compreensão da sua filosofia. A essa ideia denomina Teoria dos Quatro Discursos e entende que, na visão do autor grego, “o discurso humano é uma potência única, que se atualiza de quatro maneiras diversas: a poética, a retórica, a dialética e a analítica ( lógica) ”. Consequentemente, tais modalidades discursivas configurariam quatro ciências do discurso, por via das quais “o homem pode, pela palavra, influenciar a mente de outro homem ( ou a sua própria) ”. Segundo Carvalho ( Ibidem),
( a) O discurso poético versa sobre o possível , dirigindo- se sobretudo à imaginação, que capta aquilo que ela mesma presume;
( b) O discurso retórico tem por objeto o verossímil e por meta a produção de uma crença firme que supõe, para além da mera presunção imaginativa, a anuência da vontade; e o homem influencia a vontade de um outro homem por meio da persuasão, que é uma ação psicológica fundada nas crenças comuns. (…), o discurso retórico deve produzir uma decisão, mostrando que ela é a mais adequada ou conveniente dentro de um determinado quadro de crenças admitidas.
( c) O discurso dialético já não se limita a sugerir ou impor uma crença, mas submete as crenças à prova, mediante ensaios e tentativas de traspassálas por objeções. Éo pensamento que vai e vem, por vias transversas, buscando a verdade entre os erros e o erro entre as verdades). O discurso dialético mede enfim, por ensaios e erros, a probabilidade maior ou menor de uma crença ou tese, não segundo sua mera concordância com as crenças comuns, mas segundo as exigências superiores da racionalidade e da informação acurada. ( d) O discurso lógico ou analítico, finalmente, partindo sempre de premissas admitidas como indiscutivelmente certas, chega, pelo encadeamento silogístico, à demonstração certa da veracidade das conclusões.
Em nossa sociedade, o primeiro discurso, o poético, fora do universo artístico, só pode ser assumido, após uma análise dialéctica, em termos metafóricos, como condição pejorativa da retórica política, em sede de devaneios eleitorais que geralmente acompanham os partidos políticos. O discurso políticopartidário, no âmbito da teoria dos Quatro Discursos Aristotélicos, figura no discurso retórico, sendo, em Angola, o hegemónico. Desde a Independência Nacional que o discurso dominante é o político ( o retórico) e parece- nos utopia, tão cedo haver um eventual domínio dos discursos dialético e lógico, que, em nossa opinião, regeriam qualquer sociedade normal.
Até mais ou menos uma década depois do alcance da paz efectiva, pelo menos a nível interno, o discurso hegemonicamente predominante era o do MPLA. Entretanto, alguns lapsos de governação com profunda repercussão social levaram à descredibilização do discurso dominante e a ascensão do discurso de uma oposição que periodicamente procura extrair a sua fala mais nas acções fracassadas do governo do que no ímpeto de uma retórica própria. É mais fácil falar do que fazer.
Embora Foucault ( 1996. p9) nos advirta que “não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa”, tomamos, ainda assim, a tolerância como uma prerrogativa constitucional imprescindível ignorada pelos principais partidos políticos. Isso se deve devido a natureza conflituosa do jogo político, que obriga as duas principais forças políticas ( MPLA vs UNITA) a disputarem a Ordem do discurso.
O MPLA, partido- estado, detém o discurso oficial. A UNITA, principal partido na oposição, contrapõe o discurso oficial apontando as fissuras da governação. Ambos procuram impor a sua lógica discursiva sobre o povo, resumindo- se nisso o antagonismo entre ambos.
A Constituição da República de Angola, na primeira parte do n º 1. do Artigo 40. º , estabelece que “todos têm o direito de exprimir, divulgar e compartilhar livremente os seus pensamentos, as suas ideias e opiniões, pela palavra, imagem ou qualquer outro meio, bem como o direito”. Reforça no n º 2 do mesmo artigo que “o exercício dos direitos e liberdades constantes do número anterior não pode ser impedido nem limitado por qualquer tipo ou forma de censura”. Entretanto, hoje, os sujeitos perderam a possibilidade de discursar livremente. A sua fala é predeterminada pela ideologia. Todos pregam a intolerância. Um elogio a uma atitude positiva do governo é repudiada por militantes da oposição. O repúdio a uma acção negativa do governo conecta- nos imediatamente à oposição. Quer- se com isso dizer, que o discurso dialéctico e o discurso lógico são combatidos quando ferem expectativas partidárias e que hoje, segundo a lógica discursiva partidária, não há apartidários. O indivíduo pertence a este ou àquele partido.
A intolerância, na sociedade angolana, atingiu proporções tão alarmantes que quem, de forma autónoma, faz o uso da fala perde a sua condição de cidadão e vêse na obrigação de hastear uma bandeira partidária. Todo o discurso sobre a evolução da socidade é entendido como uma escolha política.
Nos últimos anos, a ideia de povo tem sido obliterada e substituída pela ideia de militância partidária, ou seja, praticamente já não há povo, apenas militantes. Os conflitos políticopartidários constituem factores de segregação social, impõem falas, anulam o discurso autónomo. Na esteira de Foucault ( 1996, p. 9), à par da sexualidade, a política é, em nossos dias, a região “onde a grade é mais cerrada, onde os buracos negros se multiplicam “, ou seja, é um lugar de intolerâncias. E todos os espaços de produção de discurso dãonos estas provas. Enquanto o discurso políticopartidário imperar, não haverá progresso. O progresso vem da dialéctica que prega a tolerância e da lógica que empresta racionalidade às acções. Os outros dois discursos, o poético e o retórico, são importantes, mas não podem ser os predominantes. O primeiro gera devaneios; o segundo, sofismas. São meros artifícios decorativos.