Amigos, amigos… democracia à parte
Em Julho deste ano, o Presidente de Angola elogiou a superação de barreiras e limitações naturais de Cabo Verde, considerando uma nação “bem- sucedida”. Será que João Lourenço sabe, por exemplo, que em Cabo Verde o seu homólogo é nominalmente eleito? Saberá que o Produto Interno Bruto de Angola é substancialmente superior ao de Cabo Verde, mas que este país está 42 posições acima de Angola?
A propósito dos 46 anos de independência de Cabo Verde, João Lourenço destacou o facto de Cabo Verde se ter imposto no continente africano como uma nação bem- sucedida na concretização dos seus objectivos de desenvolvimento. Nós acrescentamos equidade social, liberdade, democracia, saúde, ensino etc. etc.. Setembro de 2016, um ano antes de João Lourenço ter recebido das mãos de José Eduardo dos Santos o “certificado de compra” de compra de Angola, realizavam- se as sétimas eleições autárquicas em Cabo Verde, às quais concorreram seis partidos políticos e cinco grupos de cidadãos independentes, totalizando 57 candidatos à presidência das câmaras. Para estas eleições, que foram também para as assembleias municipais, apenas o partido no poder, Movimento para a Democracia ( MPD, que detinha 14 das 22 câmaras), concorreu em todos os 22 municípios cabo- verdianos.
O Partido Africano da Independência de Cabo Verde ( PAICV, maior da oposição e com 8 câmaras) concorreu em 21 municípios e apoia um candidato independente na ilha do Maio.
A União Cabo- verdiana
Independente e Democrática ( UCID, terceiro no país e com três assentos no parlamento), concorreu na Praia, Maio, Ribeira Grande e Paul ( Santo Antão), Sal e São Vicente, onde o líder do partido, António Monteiro, foi candidato pela quarta vez seguida. Nos partidos sem assento parlamentar, apenas o Partido Popular ( PP) concorreu em dois municípios ( Praia e Calheta de São Miguel), enquanto o Partido do Trabalho e da Solidariedade ( PTS) concorre na Praia e o Partido Social Democrata ( PSD) entra na corrida no Sal.
Existiram ainda outras candidaturas independentes que saíram do seio dos dois maiores partidos, como foi o caso de Luís Pires, em São Filipe ( Fogo), que avançou porque o PAICV, que o apoiara quatro anos antes, decidiu voltar a depositar a confiança em Eugénio Veiga, que tinha sido preterido em 2012. Tudo isto significa duas coisas. Por um lado que no país, ao contrário de Angola, há eleições autárquicas. Por outro que, ao contrário de Angola, Jorge Carlos Fonseca teve de suspender o mandato de Presidente ( nominalmente eleito) assim que anunciou a recandidatura ao cargo, nas eleições de 2 de Outubro de 2016. Jorge Santos, na altura Presidente da República interino, disse que aquelas eram as sétimas eleições municipais em Cabo Verde, desde a instalação do regime democrático em 1991 e que desde então os cabo- verdianos têm participado de forma activa nas eleições dos representantes locais, propostos pelos partidos políticos ou grupos de cidadãos.
“As eleições têm sido marcadas por um elevado civismo, tolerância e participação das populações”, avaliou, considerando que, 25 anos após as primeiras eleições autárquicas democráticas, o poder local constitui um dos pilares fundamentais da afirmação e consolidação do Estado de Direito Democrático e da “Boa Governança” em Cabo Verde.
O empresário e filantropo Mo Ibrahim afirmou em 2019 estar “muito surpreendido” com as mudanças políticas em Angola implementadas ( consta) por João Lourenço. Bastou ao jacaré dizer que é vegetariano e ele ( como muitos outros) acreditou. Ninguém cuida em verificar se, no remanso do seu esconderijo, ele não continua a ser carnívoro. É assim que se “elegem” os ditadores.
Vejamos o Índice Ibrahim de Boa Governação Africana 2018. A governação global dos países africanos continuava, em geral, numa numa trajectória ascendente, mas o progresso estava a ser impulsionado por um grupo de 15 entre 54 países, indicava o referido relatório em que Angola estava em 45 º lugar, dando sinais preocupantes. O documento mostrava que o índice alcançou a pontuação mais alta dos últimos dez anos, somando 49,9 numa escala de 100, mais um ponto em relação aos 48,8 pontos de 2008. Esta melhoria na governação ao longo da década foi verificada em 34 países representativos de 71,6% da população africana, mas não foi acompanhada por 18 países que pioraram a pontuação registada há 10 anos.
Os autores do estudo concluíram que o progresso tem sido irregular e que, após um período de estagnação entre 2010 e 2014, a pontuação média só voltou a subir graças ao desempenho de 15 países, que disparou nos últimos cinco anos. Quénia, que subiu de 19. º lugar para 11. º na tabela de 54 países, Marrocos ( 25. º para 15. º ) e Costa do Marfim ( 41. º para 22. º ) foram os registaram uma maior promoção, beneficiando quase metade da população do continente.
Entre os países lusófonos, Cabo Verde continuava a ser aquele com melhor classificação, tendo subido novamente ao terceiro lugar, sendo apenas superado pelas Ilhas Maurícias ( 79,5 pontos) e Seicheles ( 73,2 pontos). O segundo país lusófono mais bem classificado é São Tomé e Príncipe, em 12. º lugar, reflectindo um progresso ligeiro, seguindo por Moçambique, que, apesar do 25. º lugar, é considerado também estar em deterioração acelerada.
Em 42. º lugar, a GuinéBissau mostrava uma melhoria significativa, mas Angola, em 45. º , dava ( continua a dar) sinais preocupantes, e a Guiné Equatorial, no 48. º , mostra que a tendência negativa desde 2008 se acentuou nos últimos anos. O relatório concluía que os principais factores da governação pública são um equilíbrio entre as dimensões de governação e um “foco mais forte na responsabilidade, nos direitos dos cidadãos e no bem- estar social”. Outra dedução feita é que a dimensão da economia não determina a governação, pois o Produto Interno Bruto ( PIB) de Angola é substancialmente superior ao de Cabo Verde, mas este país está 42 posições acima do parceiro na CPLP. “Os factores mais associados a pontuações elevadas de governação são centrados no cidadão, evolvendo direitos sólidos de propriedade, direitos e liberdades civis, um governo responsável e um serviço público eficiente, além de políticas voltadas para redes de segurança social e meio ambiente”, referem os autores.
Em Agosto passado, a vice- presidente do MPLA, Luísa Damião, partido no poder em Angola há quase 46 anos, admitiu preocupação face à sobrelotação das cadeias angolanas, cenário que não se verifica na cadeia feminina de Viana, em Luanda, estabelecimento prisional que acabara de visitar.
Luísa Damião falava depois de visitar a ala feminina da Cadeia de Viana, na qual procedeu igualmente à doação de alguns bens alimentares e materiais, para apoio à formação das reclusas. E como quem manda são os dirigentes do MPLA, não cabe aos ministros do governo abordar estes temas. Na hierarquia executiva do país, cada macaco está no seu galho e quem manda é quem está no galho superior, o Presidente do MPLA, e a seguir a vice- Presidente. Com o brilhantismo que é vulgar mo MPLA, mas ao qual Luísa Damião dá um outro erudito cunho ( ou não tivesse sido uma serviçal do anterior Presidente, José Eduardo dos Santos), a vice- Presidente descobriu a pólvora e disse que a solução passa por reduzir o número de reclusas neste espaço e aposta numa maior humanização. “Apesar de serem reclusas, devemos respeitar os seus direitos, porque são seres humanos como nós, efectivamente viemos verificar em que condições elas vivem para podermos advogar, no caso de que fosse necessário melhorar, felizmente, encontramos uma boa situação aqui, aproveitamos esse momento para prestar solidariedade a estas mulheres”, referiu a vicePresidente do MPLA. De acordo com Luísa Damião, o MPLA partilha dos princípios da solidariedade e do humanismo, pelo que quis verificar as condições em que vivem as reclusas e prestar a sua solidariedade. Tem razão, reconheça- se. Que melhor prova de humanismo pode querer o mundo do que a protagonizada pelo único herói nacional, Agostinho Neto, que em 27 de Maio de 1977 mandou massacrar milhares e milhares de angolanos? “Do que eu vi, as condições são aceitáveis, e pensamos que estão aqui os princípios do humanismo e isto é o mais importante, porque, apesar de elas serem reclusas, são seres humanos”, frisou. Brilhante. Finalmente o MPLA descobriu que as reclusas “são seres humanos”. Obrigado, Luísa Damião. Se não fosse ela continuaríamos todos a pensar que as reclusas eram seres… vegetais. Questionada sobre como o MPLA olha para a questão da superlotação das cadeias e do número cada vez mais crescente de jovens em conflito com a lei, Luísa Damião disse que o assunto constitui uma preocupação para a formação política. Mais uma vez Luísa Damião deveria seguir as lições de humanismo de Agostinho Neto, nomeadamente quando ele dizia que o MPLA não iria perder tempo com julgamentos. A isso acresce que, em Angola, os “crocodilos” estão famintos e carecem que, tão rapidamente quanto possível, lhes seja dada muita alimentação nutritiva, sobretudo de cidadãos mais ou menos “humanus” ( que não sejam do MPLA).
“É uma preocupação e, efectivamente, para nós podermos advogar, devemos constatar, por isso fazemos as visitas de constatação para depois poder advogar. No caso concreto, felizmente, não há sobrelotação e nós estamos satisfeitas com o que vimos aqui”, acrescentou Luísa Damião.
Será, então, de prever que para “constatar” e depois “advogar” a vicePresidente do MPLA vai visitar o serviço de selfservice alimentar, livre e gratuito, que o seu partido criou e que em português se designa de lixeiras? Na sua intervenção, o secretário de Estado para os Serviços Penitenciários, Bamoquina Zau, disse que aquela unidade penitenciária tem uma capacidade para 450 vagas, mas alberga 244 reclusas, das quais 30 estrangeiras. Bamoquina Zau caracterizou como “bom” o relacionamento entre as reclusas e o efectivo penitenciário, apesar das imensas dificuldades que o sistema penitenciário enfrenta, “sobretudo nesta conjuntura de crise financeira que o país atravessa, há algum tempo”.
“Apesar disso, temos que enaltecer o esforço que o executivo faz, colocando à nossa disposição as condições necessárias para um sistema penitenciário cada vez mais humanizado, sem esquecer o espírito de missão e entrega que norteia o efectivo”, disse. Apesar, citamos, “das imensas dificuldades que o sistema penitenciário enfrenta”, é imperativo “enaltecer o esforço que o executivo faz”. Pronto. Os crimes de homicídio, tráfico de drogas, burla e furto lideram as condenações das reclusas naquele espaço, indicou, em declarações à imprensa, a directorageral adjunta para a área operativa do Serviço Penitenciário, comissária prisional Etelvina Santana. Segundo Etelvina Santana, entre as reclusas estrangeiras, maioritariamente condenadas por tráfico de estupefacientes, encontram- se nacionais da República Democrática do Congo, África do Sul, Namíbia e Venezuela. Para a ressocialização das reclusas, a cadeia promove formação profissional na área da costura, pastelaria e beleza, estando ainda algumas reclusas inseridas em trabalhos de manutenção do próprio estabelecimento. Etelvina Santana referiu, que apesar de não haver registo de qualquer caso de Covid- 19 desde o início da doença no país em 2020 até à presente data ( 2 de Agosto de 2021), a pandemia tem afectado o serviço devido à restrição das visitas familiares. “Tem dificultado a comunicação com a família, que é um objecto fundamental para o tratamento reabilitativo. A família é tudo, são mulheres que precisam sempre de saber como é que a família está. Apesar de haver o parlatório virtual, [ o mesmo] tem beneficiado mais as estrangeiras, mas é para todas elas”, indicou. Recorde- se que, segundo o director nacional dos Serviços Prisionais angolano, António Fortunato, as cadeias coloniais existentes em Angola oferecem melhores condições de segurança em relação aos novos estabelecimentos penitenciários. António Fortunato, que falava – ainda por cima – à rádio estatal angolana, em Março de 2015, disse que as cadeias novas não tinham o conjunto de condições de segurança, nomeadamente os três grandes níveis de muros de segurança, segundo as normas das cadeias. “Temos as cadeias mais antigas, as chamadas comarcas, e elas representam índices de segurança objectivos, os muros, as vedações, mais impeditivas da sua transposição, ou seja, as cadeias antigas são de difícil transposição”, explicou.
Face à falta de condições físicas de segurança, os serviços prisionais têm optado pela “segurança subjectiva, em que o homem é um elemento fundamental”, sublinhou. Neste sentido, o então responsável defendeu melhores condições de trabalho e sociais para os guardas prisionais, com vista a permitir que seja feito “de modo motivado o seu trabalho, para que a segurança seja mais aperfeiçoada”.
O, na altura, director dos Serviços Prisionais de Angola admitiu o envolvimento de guardas prisionais em situações de evasão de reclusos, salientando que têm sido punidos os infractores e também desenvolvido um conjunto de normas para desmotivar a prática. De acordo com António Fortunato, Angola tinha em 2015 uma população prisional de cerca de 23 mil reclusos, dos quais 12 mil eram condenados. Na altura, a sobrelotação das cadeias era um problema que tem sido minimizado com a transferência de reclusos para estabelecimentos penitenciários do país, com condições para actividade agrícola, agropecuária e indústria.