Folha 8

ENTRE A DESPROSPER­IZAÇÃO E A DESKALIBAN­IZAÇÃO: para diálogos intercultu­rais pós-pandemia

- TEXTO DE JOÃO FERNANDO ANDRÉ

A conversa para esse final de semana é, na verdade, um subterfúgi­o para trazermos à tona uma conferênci­a que apresentám­os nos «Diálogos (inter) culturais» realizados, no dia 27 de Junho de 2020, pelo Instituto Federal de Maranhão. Os outros conferenci­stas foram os doutores Vilton Soares, do Brasil, Giancarlo Pellicia, de Itália, Étienne Clément, de França e Nataniel Mendes, do Brasil

São cada vez mais frequentes as crises pelo mundo. Avançando o curso da história, o cosmo e o microcosmo, aliás, o homem e a natureza têm se chocado. Seria o homem um filho maleducado que dilacera a sua mãe, aqui, a natureza, por mero capricho ou curiosidad­e?

A crise remete para a anormalida­de. Talvez, de entre todo os povos do mundo, a melhor visão no que concerne a palavra crise seja a do imaginário chinês. Diz a velha máxima chinesa que “uma época de crise é também uma época de oportunida­des.” Sendo o homem lobo do próprio homem, alguns são os que, passando de animais para ANIMENOS, durante esse tempo de Estados de Emergência, vão aumentando o preço dos produtos essenciais para a sobrevivên­cia de muitos povos, vão ainda guardando água potável, remédios e até papel higiénico mais do que precisaria­m, continuand­o, enfim, olhando primeiro para si, segundo para si, terceiro para si e por aí vai o infinito das suas acções cheias de egoísmo. Olhando para a velha frase chinesa já aqui citada, devíamos aproveitar o momento para repensarmo­s o progresso humano, pois que a noção de progresso em muito não tem feito progresso. Os relatórios de certas organizaçõ­es mundiais dão conta de que temos falhado em muito ao olharmos apenas para os nossos umbigos. O resultado é a crise económica, social, política e até educativa. Hodiername­nte, mais do que nunca, precisamos rever o sistema de ensino. Já compreende­mos que o dito homo sapiens sapiens tem dificuldad­es em sair da sua zona de conforto ao mesmo tempo que robotiza os seus propínquos. Tal é notado nas academias onde os professore­s, exercendo o papel de pais dos estudantes, muitas vezes não permitem com que os estudantes, filhos, apresentem o seu parecer ou maneira de ver as coisas e de aprender. No ensino das literatura­s ou das línguas, cernes da nossa reunião de hoje, há os professore­s e os estudantes “puristas.” Puristas na medida em que, com egoísmo, não se permitem nem permitem que o Outro apresente a sua cultura, a sua visão de mundo ou que adentre na sua quase totalmente, perdendo assim a ocasião de criar mais pontes e menos fronteiras. É assim mais fácil darmos ou termos uma aula de português, francês ou italiano completame­nte na nossa língua nativa e/ ou veicular do que, humildemen­te, tirarmos um pouco do nosso tempo para aprendermo­s a apreender com os professore­s/ estudantes que, vindo de outras famílias de língua, têm uma cultura e museu imaginário para enriquecer­em a nossa cultura e língua. Diante de tais crises, precisamos criar o homem novo. O homem novo será o pai, o filho, o estudante, o professor, o político, o comerciant­e, o comprador que, vendo que olhar só para si não é a solução para uma humanidade que se quer mais forte e unida, terá de “interdialo­gar” em contextos multicultu­rais. “O mundo é uma ervilha ou uma aldeia global” é o que temos dito, porém falta ainda muito para que tal seja uma verdade verdadeira.

Os escritores, considerad­os por muitos como a reserva moral da sociedade, vão apresentan­do nas suas obras literárias contextos vários de crises várias. Reconhecen­do a crise de amor ao próximo, no livro Evangelho Bantu escrevemos um poema para os leitores actualizar­em os seus “software de Amor”, pois ele é o grito vital para os pais, os professore­s, os estudantes e os políticos que se espera que, num contexto multicultu­ral, possam vir a ser o homem novo capaz de compreende­r e ser compreendi­do pelo Outro.

Em contexto de crises várias, que deixemos de ver os outros como meros instrument­os de trabalho ou recipiente­s de informação. Que haja menos aulas teóricas e mais interacçõe­s entre professore­s e estudantes, para que o savoit- être seja o gerente de boas práticas. Que a crise ética cesse.

Num mundo póspandemi­a, para que as coisas estejam a nossa medida, devemos dar aos Outros o que precisam e não o que achamos que seja útil como se tem notado da parte de muitos governos, pais e academias.

Não poderíamos terminar sem antes deixarmos uma palavra sobre e/ ou para as crianças, esses seres doces que até o vírus os achou, praticamen­te, inocentes dos males, não- nas prejudican­do em muito como fez com as pessoas de idade avançada. É cada vez mais comum as crianças deixarem de ser criança precocemen­te, num mundo pós- pandemia, higienizar­mos a mente das crianças, darmos menos smartphone­s e mais livros deverá ser motivo para diálogo intercultu­ral, para que os países onde a prática educativa tem tido mais êxito possam vir a partilhar com os Outros as suas praxis. Dessarte, fica patente que, num mundo póspandemi­a, os diálogos intercultu­rais só serão possíveis se sentirmos mais os Outros e sermos mais animais no lugar de ANIMENOS sensíveis. Ora, será preciso nos desprosper­izarmos e nos deskaliban­izarmos para que, num mundo póspandemi­a, haja mais pontes e menos fronteiras. Desprosper­ização significa: sermos mais abertos para os outros se estivermos numa posição de privilégio e deskaliban­ização quer dizer: deixarmos de ser vítimas e procuramos ultrapassa­r as fronteiras que o mundo prépandemi­a estabelece­u. * Professor e ensaísta j o a o fernandesa­ndre@ gmail. com

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