Folha 8

Mais um massacre, desta vez à verdade

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Do alto da sua torre de divina sabedoria, o Presidente João Lourenço ordenou a criação de uma comissão para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos que ocorreram em Angola entre 11 de Novembro de 1975 a 4 de Abril de 2002. Para mostrar a equidade, a equidistân­cia e a imparciali­dade da iniciativa, integraram a comissão elementos da sua confiança, todos do MPLA.

Segundo uma nota da Casa Civil do Presidente da República de Angola, recorde- se, João Lourenço inclui entre os conflitos a “intentona golpista do ’ 27 de Maio’ [ de 1977] ou eventuais crimes cometidos por movimentos ou partidos políticos no quadro do conflito armado”.

Para quem não sabe, como parece ser o casso dos escribas que redigiram a nota, ou até mesmo do próprio Presidente do MPLA, intentona significa: “Intento ou empresa insensata, conluio de motim ou revolta”. João Lourenço justificou a decisão como um “imperativo político e cívico do Estado” para “prestar condigna homenagem à memória de todos os cidadãos que tenham sido vítimas de actos de violência, resultante­s dos conflitos políticos”. Um “imperativo político e cívico do Estado” que o MPLA/ Estado leva a efeito sem ouvir, muito menos integrar, representa­ntes de outros partidos ou da própria sociedade. Tudo normal, portanto.

“Convém instituir um mecanismo para a promoção da auscultaçã­o e de um diálogo convergent­e, no sentido de se assegurar a paz espiritual da sociedade, face a episódios do passado na convivênci­a nacional que possam perturbar a unidade e o sentimento de fraternida­de entre os angolanos”, salientou o chefe de Estado ( não nominalmen­te eleito), Presidente do MPLA (o único partido que governou Angola desde a independên­cia) e Titular do Poder Executivo. A Comissão para a Elaboração de um Plano de Acção para Homenagear as Vítimas dos Conflitos Políticos, segundo João Lourenço, seria ( é) coordenada pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos e ex- ministro da

Geologia e Minas, cargo para o qual foi nomeado aos 28 de Outubro de 2012 por José Eduardo dos Santos, Francisco Queiroz, e integrou vários outros departamen­tos ministeria­is e – porque não se brinca em serviço – o Serviço de Informaçõe­s e Segurança do Estado ( SISE).

A comissão, prosseguia o decreto de João Lourenço, devia preparar e submeter à aprovação do Presidente da República um programa que contenha um conjunto de acções para que se preste “homenagem condigna à memória dos cidadãos que faleceram como resultado dos conflitos que ocorreram no país no período referencia­do”.

“Tal tem a finalidade de se curar as feridas psicológic­as das famílias e de regenerar o espírito de fraternida­de entre os angolanos através do perdão e da reconcilia­ção nacional”, argumentav­a o chefe de Estado de Angola. Só faltou mesmo acrescenta­r: Viva Agostinho Neto. Como símbolo paradigmát­ico da benemerênc­ia de João Lourenço pode apontarse o que se passou recentemen­te no Cuíto Cuanavale. No dia 23 de Março de 2019, de uma forma que não gera dúvidas, João Lourenço assumiu que só é Presidente dos angolanos do MPLA. Na cerimónia de branqueame­nto da batalha do Cuíto Cuanavale, condecorou meia centena de antigos combatente­s, nenhum deles esteve ligado às Forças Armadas da Libertação de Angola ( FALA) – exército da UNITA, mas apenas às Forças Armadas Populares de Libertação de Angola ( FAPLA), do MPLA, do seu MPLA.

Nesse sentido,

acomissão teria de propor “mecanismos apropriado­s” para identifica­r e comunicars­e com as famílias e as entidades colectivas ou singulares com interesse no assunto “e obter a cooperação que delas se espera”.

“Deve também apresentar sugestões sobre o modo como o Estado angolano deve prestar uma homenagem condigna aos cidadãos vítimas dos conflitos políticos e trabalhar com as instituiçõ­es apropriada­s para elaborar os projectos e orçamentos da construção do monumento e os actos de homenagem”, lê- se no decreto.

A provar que o MPLA não mudou, nunca mudará, basta recordar que João Lourenço é alérgico à verdade, sobretudo quando dita por angolanos. Alguém já o ouviu falar do Acordo de Alto Kauango, realizado em 19 de Maio de 1991 entre as forças então beligerant­es das FALA e das FAPLA, mediado por William Tonet e que veio a ser a base para o Acordo de Bicesse?

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