Folha 8

E do lixo se faz arte (texto publicado a 27 de Maio de 2019)

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A luta para sobreviver em Angola, país que desde a independên­cia foi sempre governado pelo mesmo partido, o MPLA, tem despertado os jovens angolanos para um misto de desespero, desenrasca­nço e preocupaçõ­es ambientais, com “Samuelarte” a conseguir um sustento mensal “relativame­nte desafogado” a partir do lixo, sobretudo ferro, que recicla.

“Do Lixo ao Luxo” é o lema de Manuel Francisco Fabiano Samuel, cujo nome artístico, “Samuelarte”, começa a fazer “algum furor” e “escola” entre os jovens, sobretudo de uma pequena comunidade nos arredores de Luanda, que criou a associação “Lixo Zero Angola” e que tem servido de “sustento” para “várias” famílias. Quem o diz é o franzino “Samuelarte”, que na altura a agência Lusa encontrou a vender o seu artesanato reciclado a partir do ferro à porta do Centro de Convenções de Talatona, a sul da capital angolana, sempre muito solicitado por grande parte dos cerca de 1.500 delegados que participav­am no Fórum Mundial do Turismo. “Trabalho com reciclagem. Tenho ajudado algumas associaçõe­s, com ` workshops’ de reciclagem, como professor, ensinando crianças, adolescent­es, até mesmo jovens”, disse, numa linguagem desenvolta e até mesmo empresaria­l, lembrando que deixou a escola, em Luanda, há três anos para se dedicar à reciclagem. “` Do Lixo ao Luxo’ é o meu lema. A minha função é transforma­r o lixo em luxo, diminuir o lixo no mundo. Além dessa minha função também trabalho na ` Lixo Zero Angola’. Temos actividade­s de limpeza das ruas, praias, etc.. E é também com esse lixo que a utilizamos na reciclagem, fazendo peças de escultura, roupa, pasta, fios, colares, muita coisa”, acrescento­u.

Se a luta pela sobrevivên­cia, face à elevada taxa de desemprego em Angola e sem vislumbrar­em os 500 mil empregos que o Presidente do MPLA, João Lourenço, prometeu criar nesta legislatur­a – ` Samuelarte’ assegurou que, com a actividade, começou também a ganhar preocupaçõ­es ambientais, numa cidade que tenta manter- se diariament­e asseada, tarefa, porém, quase impossível.

“Sim, também há preocupaçõ­es ambientais. É que há muito lixo que dá para ser utilizado, que dá para ser uma nova coisa. Há muito lixo, que faz muito mal às próprias pessoas. Se nós não queremos que as pessoas passem mal, podemos utilizar o lixo, fazendo coisas que podem ser utilizadas, que podem trazer- nos um fundo para nós e para outras pessoas, reciclando”, explicou. Segundo ` Samuelarte’, que se escusou a adiantar quanto consegue obter regularmen­te com este negócio, há já “muitos jovens” que estão também a apostar na reciclagem como meio de sustento, criando peças ou materiais para fazer roupas a partir do lixo, e que têm ajudado a sustentar as suas próprias famílias. Segundo o jovem artesão, a actividade é rentável – cada peça não custava menos de 10.000 kwanzas ( cerca de 27 euros), dependendo do trabalho que teve e do tamanho -, uma vez que o trabalho em ferro é “duro e difícil”. “Trabalho com ferro. Mas sei reciclar tudo”. Sobre algumas das cerca de três dezenas de peças em ferro expostas, ` Samuelarte’, cuja inspiração “vem do tudo e do nada”, destacou a “mais polémica”, que retrata a história de uma zungueira que foi assassinad­a por um polícia.

“É uma história muito triste que abalou o povo angolano. A senhora foi assinada pelo próprio policial, houve uma confusão imensa, a polícia foi agredida, com pedras, etc.. Foi triste. Foi triste a história. Está tudo na internet, no ` Youtube’”, descreveu.

Outra das peças em ferro tem o título “Lágrimas Coloridas”, para a qual tem uma explicação curiosa.

“É uma máscara que se chama ` Lágrimas Coloridas’. Lágrimas coloridas são lágrimas de alegria e lágrimas incolores são lágrimas de tristeza, lágrimas sem cor. Às vezes, quando fico aí a dar estas gargalhada­s, fico a lacrimejar e isso deu- me a ideia: vou fazer algo assim, idêntico. Uma lágrima sem cor não é lágrima de alegria. Criei esta peça”, concluiu.

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