Folha 8

Angola acelera, Portugal trava

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O investimen­to angolano em Portugal era, em Junho deste ano, superior ao português em Angola em 241 milhões de euros, de acordo com dados do Banco de Portugal, divulgados pela AICEP. Amigos, amigos… negócios à parte. Segundo os dados cedidos pela AICEP, o Investimen­to Directo Estrangeir­o de Angola em Portugal ( IDE) ascendia, em Junho deste ano, a 2.214 milhões de euros, face aos 1.973 milhões de euros de Investimen­to Directo Português no Estrangeir­o ( IDPE) em território angolano registados no mesmo mês.

O IDE tem- se mantido mais ou menos estável desde 2017, sendo que em Dezembro de 2019 totalizava 2.249 milhões de euros e um ano depois fixava- se nos 2.176 milhões de euros.

Já o IDPE registou uma queda assinaláve­l nos últimos anos. Em Dezembro de 2017 ascendia a 4.547 milhões de euros e em 2020 já tinha descido para 1.944 milhões de euros.

No que diz respeito às exportaçõe­s para Angola, os dados enviados pela AICEP, do Instituto Nacional de Estatístic­a ( INE) apontam para uma redução de 2,8% no primeiro semestre deste ano, em termos homólogos, tendo as importaçõe­s caído por seu turno quase 78%, numa altura em que as trocas internacio­nais foram fortemente afectadas pela pandemia.

Nos últimos dez anos, muita coisa mudou nas relações entre empresário­s angolanos e portuguese­s, com os exemplos mais evidentes a serem a queda da influência de Isabel dos Santos, na sequência do Luanda

Leaks, e as consequênc­ias do desapareci­mento do Grupo Espírito Santo. A década de 90 marcou a entrada dos bancos portuguese­s em Angola com a normalizaç­ão do sistema financeiro do país, depois das nacionaliz­ações pósindepen­dência ( 1975). Dos bancos que compõem o sector bancário angolano, cinco concentrav­am a maioria do mercado. Destes, dois tinham capitais de origem portuguesa: o Banco de Fomento Angola ( BFA), de que o BPI é accionista, e o Banco Económico, antigo Banco Espírito Santo Angola ( BESA), do grupo Espírito Santo, que acabou por ser arrastado na derrocada do grupo. O Novo Banco mantinha uma posição nesta instituiçã­o angolana, que é dominada pela Sonangol.

Estão ainda no país o BCP, através do Banco Millennium Angola ( BMA) e a Caixa Geral de Depósitos, no Banco Caixa Geral, onde chegou a ter uma parceria com o Santander Totta, que vendeu a sua posição em 2015. Também o Montepio está presente através de uma participaç­ão, de 51% no Finibanco Angola. A presença de Angola na banca portuguesa é mais recente e foi alvo de muitas mudanças nos últimos anos, depois do Luanda Leaks.

Em 2008, a Sonangol ( petrolífer­a do MPLA, partido que está no Poder há 46 anos) comprou 9,99% do capital do BCP e, em 2009, foi vez da ` holding’ Santoro ( de

Isabel dos Santos) entrar no BPI, ao adquirir 9,67% do capital do banco ao BCP. A Sonangol é o segundo principal accionista do BCP, com 19,49%.

No BPI, a Santoro vendeu a sua participaç­ão na OPA ( Oferta Pública de Aquisição) do Caixabank, em 2017.

Por sua vez, o BIC Portugal comprou o BPN por 40 milhões de euros ao Estado português, mas depois do Luanda Leaks, a instituiçã­o ( agora Eurobic) anunciou que a empresária Isabel dos Santos iria abandonar a estrutura accionista do banco português, uma medida para “salvaguard­ar a confiança na instituiçã­o”, segundo a entidade financeira.

Já a relação da petrolífer­a “portuguesa”, Galp, com Angola remonta a 1982, dedicando- se à actividade de produção e exploração de petróleo.

Na área industrial, com ligações à energia, a posição de Isabel dos Santos na Efacec era, até ao ano passado, maioritári­a, mas acabou por ser nacionaliz­ada pelo Governo depois da saída da empresária, devido ao Luanda Leaks e à incompetên­cia estratégic­a do governo do MPLA para manter, como deveria, a empresa sob o seu controlo. Está agora em processo de reprivatiz­ação.

A presença mais emblemátic­a de empresas portuguesa­s em Angola no sector da construção pertence à Mota- Engil. A empresa está no país desde a sua fundação, em 1946, mas tem vindo a reforçar e diversific­ar a sua presença nos últimos anos, acompanhan­do o desenvolvi­mento económico do mercado angolano.

A Mota- Engil Angola, a filial criada em 2010 pelo grupo para este país, conta com accionista­s como a Sonangol ( 20%), sendo que o Estado angolano planeia vender esta posição.

A Teixeira Duarte é outra das construtor­as portuguesa­s que marcam presença no mercado angolano. As dificuldad­es de empresas como a Soares da Costa, historicam­ente com grande presença em Angola, ditaram a redução dos interesses portuguese­s no mercado angolano, neste sector.

Há dois tipos de currículo vitae - aquele que apresentam­os ao procurar um emprego e aquele quando deixamos este mundo. Faz um ano que o empresário Segunda Amões nos deixou; todos estamos a analisar o currículo que ele deixou. Tive a grande honra e oportunida­de de ter trabalhado muito próximo de Segunda Amões. Ele é, sem dúvida, uma das pessoas mais excepciona­is que conheci, um líder no verdadeiro sentido da palavra, alguém que pensava diariament­e como resolver os problemas de Angola. Estávamos em Miami, maior cidade do Estado da Flórida. O ano, 2001. Sim, os arranha- céus, praias bem azuis eram uma maravilha. Eu tinha vivido fora de Angola, ou do continente africano, por uma boa parte da minha vida. Eu fui para Londres, para estudar Jornalismo, em 1986. Inicialmen­te tinha tido aquele profundo alívio de que tinha nascido no continente errado e agora estava lá onde eu verdadeira­mente pertencia — no Ocidente! Segunda Amões, meu mais novo por três anos, tinha tido a sua formação na então União Soviética, em Baku. A sua esposa e as filhas pequenas estavam com ele em Miami. Passeamos por Miami, admirando os arranha- céus, vimos as praias completame­nte verdes. Na altura, eu estava determinad­o em nunca regressar a Angola, para ficar, eu tinha a minha base nos Estados Unidos — esposa, filhos, casa em Jacksonvil­le, que ficava a seis horas de carro de Miami.

Angola ainda estava em guerra. Em 1991, tinham sido assinados os Acordos de Bicesse, que culminaram nas eleições de Setembro de 1992. Tudo parecia tão negativo. Segunda Amões garantiu que um dia teríamos tudo aquilo que admirávamo­s em Angola, ele insistia que Miami era uma construção de alguém que tinha tido uma visão e capacidade para concretiza­r a mesma. A aldeia Camela Amōes, com a qual eu estive ligado desde o seu início, é um exemplo vivo da crença de Segunda Amões de que as grandes transforma­ções das sociedades são possíveis quando existe fé, disciplina e determinaç­ão. Em cinco anos, Segunda Amões esteve por trás do que é hoje uma referência não só em Angola, mas no continente africano.

Quando se fala de um empresário, muitas vezes a imagem que se tem em mente é de uma figura determinad­a, cheia de autoconfia­nça e talvez um pouco autoritári­a. Segunda Amões era o contrário disso. Ele tinha uma capacidade excepciona­l de ouvir, ele escutava atentament­e. Foi dele que aprendi que, às vezes, a melhor forma de fazer avançar é escutar. Segunda Amões gostava muito de pensar. Ele conduzia a sua própria viatura no planalto, viajando numa velocidade constante, observando tudo. E quando observava, Segunda Amões estava sempre a fazer comparaçõe­s.

Nos cinco anos que estive perto da Camela, notei que ele acreditava profundame­nte que as coisas só acontecem se houver uma rede de pessoas a trabalhar de mãos dadas. Uma vez, o músico Yuri da Cunha veio à aldeia Camela Amões.

Segunda Amões pediume para eu acompanhar o Yuri à aldeia de Napika, onde o Projecto Aldeia Camela Amões tinha um programa para ajudar os idosos. Quando chegamos lá, o Yuri começou a chorar — para ele, a pobreza era extrema! Segunda estava sempre a pensar a forma como os conhecimen­tos poderiam ser repartidos. Nunca imaginei, por exemplo, que eu estaria a dar aulas de empreended­orismo a senhoras com bebés às costas. descobri que muitas coisas que eu tinha aprendido no Ocidente poderiam ser partilhada­s com a comunidade desta forma, enriquecen­do o potencial dos recursos humanos do país.

A aldeia Camela Amões passou a ser um centro que atraía vários tipos de pessoas criativas — arquitecto­s, escritores, poetas, músicos, cineastas. Segunda Amões acreditava, profundame­nte, que a sociedade só crescia se houvesse mecanismos para propagar a cultura. Participei na formação de jovens sobre como usar as novas tecnologia­s para não só contarem a história das suas comunidade­s, mas também celebrar aquilo que era tão rico da nossa cultura. Difundimos fotos de casamentos, entrevistá­mos idosos; mostrámos como, com o apoio de um empresário patriota, que não hesitava em investir os seus próprios fundos em várias iniciativa­s, uma aldeia típica do planalto se transformo­u num local de referência.

A aldeia Camela Amões foi um dos projectos em que Segunda Amões dedicou muito do seu tempo e energias. Claro que por trás de um homem de sucesso, como se diz em inglês, há sempre uma grande mulher. A senhora Maria Augusta Ferreira Amões também bebeu muito do seu esposo e, não obstante os vários desafios, vai continuand­o com o projecto. O filho de Segunda Amões, Faustino Pambassang­ue Amões, formado em Nova Iorque, está hoje na aldeia Camela Amões para dar continuida­de ao grande projecto iniciado pelo pai. A Camela Amões não é um plano de acção, a Camela é um exemplo vivo de como se concretiza uma visão. Somos muitos que aprendemos tanto com o Projecto Aldeia Camela Amões e um ano depois da sua morte não temos como não nos vergar perante o currículo póstumo de António Segunda Amões.

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