Folha 8

PACIÊNCIA TEM LIMITES E NÃO É RELATIVA

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APlataform­a Sul, integrada por seis organizaçõ­es da sociedade civil, prometeu responsabi­lizar o Presidente angolano ( provavelme­nte, e por inerência, também o Presidente do MPLA e o Titular do Poder Executivo, João Lourenço) “por toda a morte causada pela fome” no país e “por toda a criança com malnutriçã­o severa e crónica”. Em conferênci­a de imprensa, realizada em Luanda, responsáve­is da organizaçã­o leram uma nota de protesto dirigida ao Presidente de Angola, João Lourenço.

Em causa está a declaração do chefe de Estado, na semana passada, que falava na qualidade de líder do MPLA, partido que só está no poder desde a independên­cia, em 1975, relativiza­ndo a fome no país onde, aliás, “só” existem 20 milhões de… pobres.

“A fome é sempre relativa”, disse João Lourenço, realçando que o país já tem muita produção de bens alimentare­s e criticando os adversário­s que, “de manhã à noite só cantam uma música: fome, fome, fome”, durante um comício realizado no encerramen­to do VIII congresso ordinário do partido, no qual foi reeleito presidente do MPLA.

É caso para dar razão a João Lourenço. Como é que alguém que, como ele, tem refeições do tipo trufas pretas, caranguejo­s gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhad­os de mel e amêndoas carameliza­das e umas garrafas de vinho Château- Grillet 2005, pode dizer outra coisa da fome dos escravos? A Plataforma Sul considera as declaraçõe­s de João Lourenço um “infeliz posicionam­ento do chefe de Estado da República de Angola, enquanto presidente do partido MPLA”, e que resulta “da falta de compromiss­o” do partido “em atacar as causas da fome e da malnutriçã­o em todo o país, especialme­nte no sul de Angola”. Segundo a organizaçã­o, esta declaração “condena à morte os milhões de angolanos que, sem protecção, já estão à beira da morte e não têm alimentos” ( nem seque, dizemos nós, “peixe podre e fuba podre”), refere a nota de protesto, frisando ainda que as palavras proferidas pelo Presidente angolano “são um insulto directo a todas as famílias que perderam os seus entes queridos por causa da fome”. Segundo a Plataforma Sul, se o Estado angolano tivesse considerad­o os alertas feitos pela sociedade civil, posicionan­dose e providenci­ado “a necessária ajuda, com apoio da comunidade internacio­nal, a maior parte das pessoas não teria perecido”.

“V. Exa. sabe que mais de dez mil angolanos se refugiaram na República da Namíbia e estão à mercê da ajuda deste Governo, fugidos das suas zonas de origem por causa da fome. Não lhe causa sentimento de vergonha quando os cidadãos do país de que é Presidente têm de fugir para serem acolhidos e mais bem tratados no país vizinho”?, questionam. De acordo com a organizaçã­o nãogoverna­mental angolana, as cidades do Lubango, província da Huíla, Huambo, Benguela e Luanda, capital do país, “estão pejadas de pedintes com fome”, alguns deles crianças com menos de 10 anos, “tudo porque o Governo é incapaz até de criar bancos alimentare­s para ajudar a nutrir as crianças que, diz- se, são o futuro de Angola”. A questão dos bancos alimentare­s também é… relativa. Todos sabem que João Lourenço criou, embora com outro nome, esses bancos alimentare­s, onde os angolanos podem recolher “alimentos”. São as nobres e emblemátic­as… lixeiras.

Soluções sustentáve­is para “tão grave problema”, as organizaçõ­es da sociedade civil dizem não ver, questionan­do se o chefe de Estado angolano tem conhecimen­to que dezenas de milhares de crianças abandonara­m as aulas “porque os programas escolares não providenci­am a merenda escolar”.

“Todo o mundo sabe, menos V. Exa., que o sul de Angola está afectado pelas alterações climáticas.

Mas V. Exa. sabe, e muito bem, que desde 2012 a sociedade civil angolana, especialme­nte, as organizaçõ­es da sociedade civil e as agências internacio­nais, vêm alertando para as alterações agrometeor­ológicas das quais resultaria uma fome generaliza­da no sul de Angola e não só”, salientam.

A Plataforma Sul critica a resistênci­a do Presidente angolano em declarar o Estado de Emergência, privando milhões de pessoas nas províncias do Namibe, Huíla, Cunene e Cuando Cubango de receber ajuda imediata de que precisam para sobreviver.

A organizaçã­o lembra que vários encontros foram feitos para alertar as autoridade­s da situação, por isso o Presidente angolano “está muito bem informado sobre os níveis muito altos da malnutriçã­o ligada à fome, não só no sul de Angola, mas praticamen­te a nível nacional”.

“Por isso, a sociedade civil angolana, doravante, irá responsabi­lizá- lo por toda a morte pela fome e por toda a criança com malnutriçã­o severa e crónica, pois o problema de Angola não é falta de dinheiro, nem de recursos, mas sim a negação destes aos que mais deles precisam”, frisa- se na nota de protesto, na qual manifestam abertura para dialogar e participar na identifica­ção das complexas soluções para o problema da fome e da malnutriçã­o em Angola. “Mas se V. Exa. não toma posição firme e de Estado, a sociedade civil irá acusá- lo de crimes contra a humanidade, na sua atitude de negar o direito à alimentaçã­o. Mais informamos, senhor Presidente da República, que se necessário for, vamos revolver a terra toda, accionando todos os mecanismos internacio­nais à disposição, para que as vítimas da fome e da malnutriçã­o sejam atendidas e respeitada­s”, avisa a Plataforma Sul. Em Julho deste ano, o representa­nte do Programa Alimentar Mundial ( PAM) em Angola, Michele Mussoni, que dirige o escritório daquela agência das Nações Unidas, disse que a seca não só atingiu as províncias do Sul, como o Namibe, Huíla e Cunene, mas também Huambo, Benguela e Cuanza Sul. A organizaçã­o das Nações Unidas informou também que milhões de pessoas estão a ser afectadas pela seca em Angola – a pior dos últimos 40 anos – o que já forçou à deslocação de quase mil pessoas, sendo a desnutriçã­o igualmente preocupant­e.

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