A coragem de se ser verdadeiro
Numa altura em que até um relatório do Ministério da Saúde indicava que nos primeiros seis meses de 2020 duas crianças morriam por hora devido à fome, aumentando paralelamente o número de pobres que, antes da pandemia de Covid- 19, eram 20 milhões, o Governo do MPLA mantinha- se firma e continua impávido perante o sério o risco de Angola se transformar num não- país.
Na mesma altura ( fim de 2020), uma noticia a VOA dava conta que organizações da sociedade civil angolana consideravam que o aumento de mortes de crianças por desnutrição ( fome em bom português) no país devia- se à falta de políticas sociais sustentáveis e ao desprezo a que estão votadas as associações que trabalham com as comunidades mais empobrecidas. Um relatório da Direcção Nacional de Saúde Pública ( DNSP) sobre a desnutrição no país revelou que, nos últimos seis meses de 2020, em média, duas crianças com menos de cinco anos morreram em Angola a cada hora devido à fome. Certamente, como parece ser o desígnio nacional do MPLA ( o único partido que governa o país há 46 anos), essas crianças faziam parte do colossal conjunto de angolanos que estariam a tentar aprender a viver sem… comer.
O relatório estimava que, no total, 8.413 crianças morreram de um universo de 76.480 que deram entrada nos hospitais públicos do país.
Para o líder da organização “Construindo
Comunidades”, padre Jacinto Pinto Wacussanga, o quadro descrito pela DNSP “pode ser muito mais grave do que se pode pensar”. E não é por falta de alertas que o Presidente da República, igualmente presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, olha para o lado e assobia. É, isso sim, pelas criminosas políticas económicas e sociais que o seu governo leva a cabo. O conhecido padre dos Gambos, na Huíla, diz que por falta de comida, “as crianças da região são alimentadas com frutos silvestres e com raízes”. Será que João Lourenço sabe o que são crianças angolanas? Será que sabe que lidera um país rico e que nem nos piores tempos da colonização acontecia tal coisa? O activista social Fernando Pinto, responsável de uma associação de apoio às crianças pobres do distrito urbano do Zango, em Luanda, dizia que o relatório é “um retrato fiel do que se passa em
Angola, até mesmo na sua capital”.
Segundo o documento da DNSP, do total dos menores que procuraram hospitais, 11 por cento faleceram, 11 por cento abandonaram o tratamento, seis por cento não tiveram resposta ao tratamento e 72 por cento tiveram alta.
Além da falta de alimentos em vários lugares, aquele órgão do Ministério da Saúde de Angola reconhece a ocorrência de rupturas constantes de stock de produtos terapêuticos nos centros de saúde, atraso na planificação e o número insuficiente de pessoal capacitado para tratar a desnutrição aguda. É claro que os filhos dos dirigentes, e de outros ilustres acólitos do MPLA, vivem noutro mundo, eventualmente por pertencerem a uma casta superior e não terem o estatuto de escravos como acontece com estas crianças.
Em Abril de secretário- geral 2020, o das
Nações Unidos, António Guterres, alertou no Relatório Global de Crises Alimentares que o mundo arriscava- se a derrapar este ano para uma tragédia de fome “de proporções bíblicas” devido à pandemia de Covid- 19.
“Se nada for feito, o número de pessoas em risco de insegurança alimentar aguda no mundo pode mesmo quase duplicar este ano e chegar aos 265 milhões de vítimas, face aos 135 milhões de 2019”, lia- se no documento que, numa lista de 35 países, alertava para a situação de Angola. “A insegurança alimentar aumentou devido à seca nas províncias do sul e o afluxo de refugiados da República Democrática do Congo”, concluiu o relatório, que indicou que essa situação estava a afectar mais de 562 mil pessoas.
A ONU concluiu que “mais de 8 por cento das crianças com menos de cinco anos sofriam de desnutrição grave e perto de 30 por cento tinham problemas de crescimento”. Recorde- se que o Presidente João Lourenço mentiu ( continua a mentir) quando, na célebre entrevista à RTP, disse que não havia fome em Angola, retratando que o que havia, apenas aqui ou ali, era uma ligeiríssima má- nutrição. E com ele mentiram também o Presidente do MPLA, João Lourenço, e o Titular do Poder Executivo, João Lourenço. Provavelmente João Lourenço deve ter feito estas declarações à RTP depois de um frugal e singelo almoço, do tipo trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, e várias garrafas de Château- Grillet 2005. Compreende- se ( isto é como quem diz!), que tenha arrotado esta (e outras) mentira em solidariedade com os nossos 20 milhões de pobres que, por sua vez, arrotam à fome e morrem a sonhar com uma refeição. Em 2018, os próprios dados governamentais davam conta que Angola tinha uma taxa de desnutrição crónica na ordem dos 38 por cento, com metade das províncias do país em situação de “extrema gravidade de desnutrição”, onde se destacava o Bié, com 51%.
As províncias do Bié com 51%, Cuanza Sul com 49%, Cuanza Norte com 45% e o Huambo com 44% foram apontadas, na altura, pela chefe do Programa Nacional de Nutrição, Maria Futi Tati, como as que apresentavam maiores indicadores de desnutrição.
“São cerca de nove províncias que estão em situação de extrema gravidade de desnutrição, sete províncias em situação de prevalência elevada e duas províncias em situação de prevalência média”, apontou Maria Futi Tati, em Junho de 2018.
Um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura ( FAO) indicava que, em Angola, 23,9% da população passa fome.
Em Angola, segundo a FAO, “23,9% da população passa fome”, o que equivale a que “6,9 milhões de angolanos não tenham acesso mínimo a alimentos”.
Ainconsistente hipocrisia e o difícil posicionamento dos Cabindas na cena política angolana e internacional são os males que nos impedem de sair do atoleiro político que herdámos dos pais fundadores de movimentos de luta pela libertação do nosso território, males que temos sustentado e que corremos o risco de, se já não é o caso, passar para a geração mais jovem. Não consigo entender que num momento em que estamos a aproximarnos inexoravelmente das eleições de todas as apostas, eleições cujos perigos já estão a ter um impacto muito forte no clima político nacional, nós os Cabindas estamos a dormir de pé enquanto os angolanos estão a remodelar e recompor alianças políticas para os desafios de amanhã. Depois do tumulto que todos temos observado entre o cancelamento do congresso da UNITA e a reeleição do seu presidente por um novo congresso, o que aprendemos como lição política, já que estes dois ( MPLA e UNITA) gigantes da política angolana têm uma influência considerável na nossa vida política, como cabindas que aspiram à liberdade e ao desenvolvimento? NADA!
Queridos irmãos, neste momento em que todos os olhares da comunidade internacional estão virados para Angola em relação ao futuro antidemocrático do MPLA, o nosso posicionamento na cena política angolana e internacional deve ser bem visível para que estes olhares da comunidade possam realmente olhar para nós como um povo genuinamente oprimido, com um desejo sincero de liberdade.
Não podemos ao mesmo tempo aplaudir quando alguns dos nossos irmãos se juntam à UNITA e ao mesmo tempo amaldiçoar os que se juntam ao MPLA. Temos de sair desta imprecisão política que consiste em nos posicionarmos como associações ou movimentos políticos da oposição angolana sem ser da oposição. Devemos em todas as circunstâncias manter a própria essência da nossa luta inicial e defender a nossa identidade vitalícia, ou seja, permanecermos para sempre uma corrente ou um movimento de luta pela libertação do território de Cabinda nas mãos de Angola.
A nossa crónica indefinição continua a dividirnos entre aqueles que pensam que o caminho é a independência, lutando de armas nas mãos ( que sempre foi a favor do MPLA desde 1975 e que destróinos como povo), enquanto outros acreditam no posicionamento nos partidos políticos angolanos, ( sem grandes efeitos produtivos) e outros que optaram como lazer, a política de dividir e difamar todos aqueles que pensam diferente.
É nesta infame indefinição que nos caracteriza encontramos aqueles que pensam que os verdadeiros Cabindas são aqueles que vivem e sofrem em Cabinda, que os da diáspora são estrangeiros oportunistas, e na maioria das vezes aplaudem aqueles que se juntam à UNITA xingando aqueles que optam por aderir no MPLA, por motivos não menos distintos entre si.
Nesta jogada geopolítica pela sobrevivência, o MPLA, embora fraco e dividido pela ganância de João Lourenço, entendeu o jogo e rapidamente renovou o contrato Chevron em Cabinda por mais vinte anos. Quanto ao nosso actual estado de integração forçada em Angola, continuamos a brilhar através de brigas internas desnecessárias em vez de nos apoderarmos do quadro jurídico que traz a assinatura de Angola, nomeadamente a redefinição do Memorando de Entendimento do Namibe por um diálogo inclusivo, a reestruturação do FCD e sua recuperação das mãos de uma liderança mafiosa e politicamente improdutiva há 15 anos. A situação é séria queridos irmãos, se não tomarmos as boas decisões colectivas, se os nossos lideres não se comprometerem seriamente a quebrar este ciclo de imobilidade, o que então nos serviu para ter criado a união dos movimentos independentistas de Cabinda para a criação da FLEC em 1963, para reduzi- lo hoje nesta mediocridade política? Devemos acabar definitivamente com este triste espectáculo de nos atacarmos quando nosso único objectivo é lutar pela recuperação de nossa soberania e pelo bemestar de nossa população. As infelizes intrigas nas redes sociais e essa reconciliação enganosa entre indivíduos mafiosos e de baixo moral dentro da FCD são uma vergonha. Essas pessoas sem moral política, roubaram sem a menor preocupação colectiva, todos os bens que o governo havia disponibilizado para o bom funcionamento da FCD. Os seus esforços são apenas para sequestrar a organização e torná- la uma fonte de estabilidade social para seu próprio bem- estar.
Estes indivíduos sem moral política mostraram os seus limites e, como humanos, já deram o que tinham para dar, mas sem resultados tangíveis 15 anos após a assinatura do memorando do Namibe. Se ainda tivessem um pouco de humanidade, já teriam entendido que é hora de virar a página e deixar que aqueles que ainda podem contribuir com algo para este dossier o façam.
Como é que pessoas que deveriam encontrar soluções por consenso e fazer melhorias no FCD, podem continuar a liderar quando pensam apenas em seus próprios estômagos?
Osecretário de Estado para a Saúde Pública de Angola, Franco Mufinda, disse no dia 12.12, que a pandemia da Covid- 19 inviabilizou a construção de novas infraestruturas hospitalares, um dos desafios para a universalidade dos serviços de saúde no país.
Estando o MPLA no Poder há 46 anos, estando o país em paz total desde 2002, o que é andaram a fazer até aparecer o Covid? Franco Mufinda falava em declarações à imprensa à margem de um acto de celebração do Dia Mundial da Cobertura Universal da Saúde, que reuniu em Luanda representantes do Ministério da Saúde angolano e da Organização Mundial da Saúde ( OMS). O governante angolano sublinhou que há uma necessidade cada vez maior de infraestruturas em resposta ao crescimento demográfico populacional, para o qual o Governo gizou o Plano Integrado de Intervenção nos Municípios ( PIIM) com vista, supostamente, ao surgimento de postos de saúde, centros de saúde e hospitais municiais em alguns pontos de Angola, que vão surgindo.
“Contra esse facto, infelizmente, surgiu a Covid- 19 nos finais de 2019 que acabou por abalar todo um projecto, de per si, que era desafiante, que devemos reconhecer que ainda é desafiante a nossa saúde”, referiu. Segundo Franco Mufinda, os recursos que deviam ser dedicados exclusivamente à construção de novas infraestruturas, para a redução do impacto da malária, da tuberculose, VIH/ SIDA e outras endemias da comunidade angolana, “em alguns casos, foram desviados para apoiar esta pandemia”.
Provavelmente também terá sido a pandemia da Covid- 19 a responsável por Angola ter 20 milhões de pobres, por morrerem crianças à fome, por muitos dos nossos concidadãos recorrem às lixeiras para encontrar alguma coisa com que enganar a barriga… vazia. “Estamos a conseguir controlar [ a pandemia] com o surgimento das vacinas, mas também apelando diariamente a que se observe o uso das medidas de protecção individual e colectiva, vamos colmatando esse facto, reduzir o impacto e repor os recursos a esses cuidados determinados, para se ter cada vez mais a tal universalidade propalada”, salientou.
A par das infra- estruturas, Franco Mufinda realçou igualmente o desafio dos recursos humanos, para as tornar mais funcionais, bem como o da tecnologia, nomeadamente o apoio ao diagnóstico e a acomodação das pessoas. “É nisso justamente que devemos trabalhar e pensar muito”, sublinhou o secretário de Estado para a Saúde Pública, realçando que a promoção da saúde é um desafio que deve envolver cada vez mais a população. “Quando se fala em saúde é no sentido mais lato, não apenas a ausência de doenças, saúde é a economia, é o bem- estar espiritual, bemestar social, ambiente, habitação, acesso à água, saneamento básico. Se a gente tiver esses elementos todos assentes (…) acreditamos que podemos evitar mais doenças, aí sim poderse- á falar de saúde. Repito, saúde não é ausência de doença”, disse, citando – brilhantemente, reconheça- se – tudo o que o MPLA não fez desde 1975.
Franco Mufinda defendeu também que é preciso igualmente olhar para o crescimento demográfico e discutir o modelo de financiamento.
“Temos uma saúde tendencialmente gratuita, modelo nosso, social, depois em 1992 surge o sector privado, dá essa escolha livre à nossa população, também se traz os elementos do que é gratuito, nem sempre há uma disciplina no consumo, pensamos que é outro debate, outra discussão, acaba por ser um desafio”, frisou. O acesso aos insumos, os medicamentos “ali ao pé do utente” foram também, situações apontadas pelo governante angolano nos desafios para a universalidade da saúde em Angola.
“Há todo um trabalho para o surgimento da fábrica de medicamentos que devemos ter aqui, é um apelo que o Presidente da República deixou, devemos ter aqui, fabricar medicamentos essenciais e a especialização dos recursos humanos, esse é também outro desafio, que devemos ter pessoas especializadas para cabalmente abrir as portas e universalizar a saúde”, referiu.