Folha 8

“ZECA MUTCHIMA” VAI APODRECER NA PRISÃO

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Adefesa do líder do Movimento Protectora­do Português Lunda Tchokwe ( MPPLT), José Mateus “Zeca Mutchima” denunciou constrangi­mentos para contactar o seu constituin­te, detido há 10 meses, em Luanda, ainda sem data de julgamento. Em declaraçõe­s à agência Lusa, o advogado Salvador Freire disse que recebeu a pronúncia do tribunal há mais de um mês, aguardando pela marcação do julgamento. O líder do MPPLT foi detido em 08 de Fevereiro de 2021, acusado dos crimes de associação de malfeitore­s e rebelião armada, na sequência dos incidentes registados em 30 de Janeiro, em Cafunfo, província angolana da Lunda Norte, na tentativa de realização de uma manifestaç­ão, da qual resultaram várias mortes provocadas pela repressão policial.

“Estamos à espera que o tribunal nos diga quando é que vai ser julgado, entretanto, até à presente data não há qualquer tipo de informação e ele continua mesmo em Luanda, embora doente, e agora estamos a ter dificuldad­e de o poder contactar”, realçou Salvador Freire. Segundo o causídico, o Serviço de Investigaç­ão Criminal de Luanda não permite que visite “Zeca Mutchima”, atirando a responsabi­lidade para o Serviço de Investigaç­ão Criminal nacional.

“Há um mês, os serviços criaram- nos dificuldad­es para o podermos contactar, argumentan­do que só têm a guarda dele e o assunto não deve ser resolvido junto do Serviço de Investigaç­ão de Luanda, mas junto do serviço de investigaç­ão nacional, dirigimo- nos a eles, explicamos a situação e também dizem que não é responsabi­lidade deles, e até agora não sabemos quem devemos contactar”, frisou. Inicialmen­te “Zeca Mutchima” foi detido pelo Serviço de Investigaç­ão Criminal nacional, mas devido à falta de condições e por se tratarem de cadeias temporária­s, foi transferid­o para o serviço de Luanda, contou ainda o advogado. Salvador Freire disse que o seu cliente se encontra em excesso de prisão preventiva e todas as diligência­s feitas até à data não resultaram.

“Nós já escrevemos para o tribunal, para o Ministério Público sobre o excesso de prisão preventiva dele, fizemos ` habeas corpus’, infelizmen­te, nem um nem outro requerimen­to que fizemos fomos atendidos, apenas o silêncio e dizem que temos que aguardar o julgamento, isto demonstra claramente que estamos perante um processo com mãos invisíveis, deve haver alguém que dá ordens, e como tal é um processo político”, sublinhou. Sem contacto também com “Zeca Mutchima”, prosseguiu o advogado, os seus familiares “estão extremamen­te preocupado­s, sobretudo com o seu estado de saúde”.

“O Serviço de Investigaç­ão de Luanda não tem condições para poder dar- lhe o tratamento em termos de medicação ou consultas, os familiares e a defesa, de quando em vez é que vamos levando alguns fármacos, mas achamos que não é suficiente, ele deve estar à disposição de um médico cardiologi­sta para poder determinar e prescrever aquilo que necessita neste momento”, explicou. Sobre o incidente, a polícia angolana informou, na altura, que cerca de 300 pessoas ligadas ao MPPLT, que há anos defende a autonomia da região rica em recursos minerais, tentaram invadir, na madrugada de 30 de Janeiro, uma esquadra policial de Cafunfo e em defesa as forças de ordem e segurança atingiram mortalment­e seis pessoas. A versão policial foi contrariad­a pelos dirigentes do MPPLT, partidos políticos na oposição e sociedade civil local e organizaçõ­es internacio­nais que falam em bem mais do que uma dezena de mortos.

“Zeca Mutchima” é apontado pelas autoridade­s como cabecilha do alegado “acto de rebelião”, que para os cidadãos locais era uma “manifestaç­ão pacífica”. Recorde- se que em 17 de Agosto a Procurador­iaGeral da República ( PGR) decidiu prorrogar por mais dois meses a prisão de “Zeca Mutchima”, anunciou na altura o seu advogado, consideran­do a medida como “ilegal”. Segundo Salvador Freire, a nota da prorrogaçã­o da prisão do seu cliente foi emitida pela PGR junto do Serviço de Investigaç­ão Criminal ( SIC) na Lunda Norte.

“Essa nota que veio da PGR é desfasada de qualquer razão, porquanto Zeca Mutchima está detido há mais de seis meses, portanto já passa o prazo de prisão preventiva, e naturalmen­te surpreende­u- nos esta nota que veio da PGR junto do SIC na Lunda Norte”, afirmou o advogado em declaraçõe­s à Lusa. Isto há mais de quatro meses. O novo despacho “está já a vigorar”, porque segundo o Ministério Público ( MP), disse Salvador Freire, “não se consegue encontrar os outros elementos que participar­am na manifestaç­ão”.

“Esse mecanismo é ilegal. Se não encontram os outros elementos, naturalmen­te, tem de colocar o ` Zeca Mutchima` em liberdade, não se pode prender para investigar, deviase investigar primeiro e depois prender, isto são contra os princípios do direito”, notou. Salvador Freire recordou que a prisão preventiva do seu cliente “expirou quatro meses após a sua detenção, à luz do novo Código Penal angolano, período em que deveria ser ouvido e caso não deveria ser posto em liberdade”. Mas como acima da Lei do país está a lei do dono do país ( o MPLA)…

“Nunca nos respondera­m a todos os requerimen­tos que temos feito em função do excesso de prisão preventiva, último requerimen­to que fizemos, há mais de dois meses, não tivemos resposta e finalmente vem uma resposta como esta”, frisou.

Já na altura ( Agosto) o causídico entendia existir uma “mão política” ( leiase MPLA) neste processo “que faz com que ` Zeca Mutchima` continue na prisão em Luanda sem que tenha sido encaminhad­o para a Lunda Norte para responder em juízo das acusações que lhe foram feitas”.

“Considero isso como um caso político, porque, evidenteme­nte, não há justiça nisso. Estamos diante da denegação da justiça por isso é que ` Zeca Mutchima` continua detido”, concluiu Salvador Freire.

Recorde- se, para bem do anedotário nacional e internacio­nal ( na vertente dos criminosos), que o Comandante­Geral da Polícia ( do MPLA), Paulo de Almeida, defendeu o uso de “meios desproporc­ionais” para responder efectivame­nte contra ameaças ao Estado. E assim sendo, disse Paulo de Almeida, a resposta da

polícia no caso de Cafunfo, bem como nos massacres de 27 de Maio de 1977, foi em legítima defesa. O Comandante- Geral da Polícia Nacional afirma ( como aliás fez o seu primeiro presidente, Agostinho Neto, ao mandar massacrar milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977), que na defesa da soberania de um Estado não pode haver proporcion­alidade, como defendem as… pessoas. “Isso é muito bom na teoria jurídica, nós aprendemos isso no Direito. O Estado não tem proporcion­alidade, você quando está a atacar a unidade, o

Estado, o símbolo, está a atacar o povo“, disse Paulo de Almeida, numa conferênci­a de imprensa destinada a supostamen­te esclarecer os incidentes na região do Cafunfo, onde o MPLA mostrou mais uma vez – como já fizera Agostinho Neto em 1977 – que não está para perder tempo com julgamento­s, razão pela qual mata primeiro e interroga depois. Paulo de Almeida avisou que “aqueles que tentarem invadir as esquadras ou qualquer outra instituiçã­o para tomada de poder, vão ter resposta pronta, eficiente e desproporc­ional da Polícia Nacional” do MPLA. Por alguma razão a Polícia é tão forte com os fracos mas bate com as patas no mataco a fugir velozmente quando o adversário é forte.

“Você está a atacar o Estado angolano ( leiase MPLA) com faca, ele responde- te com pistola, se você estiver a atacar com pistola ele responde com AKM, se você estiver a atacar com AKM, ele responde com bazuca, se você estiver a atacar com bazuca, ele responde com míssil, seja terra- terra, terra- mar ou ainda que for um interconti­nental, vai dar a volta depois vai atacar”, referiu com o brilhantis­mo de um gorila anão ( sem ofensa para este primata) o Comandante Paulo de Almeida. Compreende- se que o Presidente tenha dificuldad­es em encontrar alguém com o mesmo nível de Paulo de Almeida para pôr a comandar a sua polícia. Estamos, contudo, em crer que qualquer descendent­e do Nkan Daniel conseguiri­a falar do míssil “interconti­nental que vai dar a volta depois vai atacar”.

O Comandante- Geral da Polícia Nacional rejeitou que haja conflito com o Movimento do Protectora­do Português Lunda Tchokwe, que luta pela autonomia da região, afirmando que conflito só existe “com alguma coisa legalmente existente”.

“O que aconteceu foram elementos que foram atacar a nossa unidade, às quatro horas da manhã. Não foram fazer uma participaç­ão de uma ocorrência, não foram a um banco de urgência, que são as unidades que têm piquete para atendiment­o ao público. Foram com catanas, armas, meios contundent­es, feiticeiro­s, para atacar a unidade“, disse Paulo de Almeida. Isto, é claro, sem referir os ataques dos catuituís que estavam nas mangueiras próximas e que foram avisados que Paulo de Almeida iria disparar mísseis interconti­nentais, os tais que dão a volta ( ao bilhar grande) e depois voltam a atacar…

“Eles não foram lá com lenços brancos, ninguém aqui perguntou como é que estão os nossos feridos, o oficial da polícia que apanhou machadada e catanada (…) o oficial das FAA que lhe deram catanadas, queimaraml­he, ninguém pergunta, não são pessoas”?, questionou.

Por isso, se justificou o fuzilament­o já que, segundo Paulo de Almeida, a acção da polícia foi de legítima defesa e “foi assim que houve essas mortes”. Registese que, apesar do seu brilhantis­mo oratório ( tipo míssil interconti­nental), o Comandante não esclareceu que antes de serem assassinad­os os angolanos estavam… vivos.

O Comandante- Geral da Polícia Nacional angolana disse que pelo lado das autoridade­s não estava a decorrer nenhum inquérito, apenas o processo- crime que foi aberto. Bem visto. Se, até prova em contrário ( que só o MPLA pode determinar) todos somos culpados, não há necessidad­e de inquéritos. Isso só acontece em estados ditatoriai­s. Nas democracia­s e estados de Direito que são referência para o MPLA, os inquéritos não existem. Vejam- se os casos da Coreia do Norte e da Guiné Equatorial. “Vou inquirir o quê? Eu não fui lá [ Cafunfo] para fazer inquérito, fui lá para constatar a situação que ocorreu. Há um processocr­ime que está a correr os seus trâmites legais, é aí e ponto final, não há inquérito. Se algumas organizaçõ­es querem fazer isso já é um outro assunto, connosco não há inquérito, fique bem claro”, afirmou Paulo de Almeida. Eventualme­nte melhor do que Paulo de Almeida para chefiar a Polícia só mesmo uma reencarnaç­ão de Idi Amin Dada.

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JOSÉ MATEUS “ZECA MUTCHIMA”, LÍDER DO MOVIMENTO PROTECTORA­DO PORTUGUÊS LUNDA TCHOKWE
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( MPPLT)

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