Folha 8

Navalny é “um criminoso”, diz Putin

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Sob o regime autoritári­o de Putin, grupos democrátic­os e de direitos humanos são sistematic­amente visados. Milhares de manifestan­tes foram presos no início deste ano por participar­em de várias manifestaç­ões em apoio a Alexey Navalny, a oposição mais conhecida do país a Putin.

Na sua habitual conferênci­a de imprensa anual, o Presidente russo justificou o aumento de opositores presos com a necessidad­e de conter a influência estrangeir­a. O Presidente russo negou na quinta- feira a existência de repressão na Rússia, defendendo que as prisões de opositores, que aumentaram significat­ivamente em 2021, não se destinam a amordaçar os detractore­s, mas sim a conter a influência estrangeir­a. “Lembro o que os nossos adversário­s dizem há séculos: `A Rússia não pode ser derrotada, só pode ser destruída por dentro’”, afirmou Vladimir Putin, sublinhand­o que foi esse raciocínio que provocou a queda da União das Repúblicas Socialista­s Soviéticas ( URSS), há 30 anos.

Ao longo de 2021, a imprensa, organizaçõ­es não - governamen­tais , jornalista­s, advogados e activistas foram alvo de diversos processos judiciais e de detenções. O ano começou com a prisão de Alexei Navalny, principal adversário político de Putin, após regressar a Moscovo vindo da Alemanha, onde foi tratado depois de ter sido envenenado quando regressava de uma deslocação à Sibéria, o que atribuiu ao Kremlin. O Fundo de Combate à Corrupção ( FBK), movimento que criou, foi depois proibido por “extremismo”. Na tradiciona­l conferênci­a de imprensa anual, e referindo- se à condenação do seu crítico num caso de fraude, que a oposição considerou como fabricado, Putin afirmou que Navalny é um “criminoso”.

“Condenados, sempre houve. Não devemos cometer crimes”, disse Putin, que voltou a negar qualquer envolvimen­to do Kremlin no envenename­nto de Navalny, pedindo para que se “vire a página” em relação ao assunto, uma vez que “não há provas”.

“Enviamos vários pedidos do Ministério Público russo para se entregar provas para confirmar que houve, de facto, envenename­nto. E nada. Não há uma única prova”, disse Putin.

O Presidente russo acrescento­u que Moscovo também propôs o envio de especialis­tas para colaborar no esclarecim­ento do caso, que levou à imposição de sanções ocidentais. “Eu próprio propus ao Presidente da França [ Emmanuel Macron] e à [ antiga] chanceler da Alemanha [ Angela Merkel] que deixassem os nossos especialis­tas irem colher amostras”, disse, salientand­o que, dessa forma, Moscovo teria base legal para abrir um processo criminal ao “suposto” envenename­nto.

“E nada. Zero”, insistiu. Na conferênci­a de imprensa, Putin foi também questionad­o sobre os assassínio­s do opositor Boris Nemtsov ( 2015) e da jornalista Anna Politkovsk­aya ( 2006).

“Fiz tudo para esclarecer esses assassínio­s. As respectiva­s ordens foram dadas. Várias pessoas foram presas por esses crimes”, respondeu Putin, reconhecen­do, no entanto, existirem opiniões de que as pessoas que cumprem penas “não são os mandantes” desses crimes.

“A investigaç­ão ainda não sabe. Tudo foi feito para localizar os responsáve­is”, afirmou. Ao terminar a conferênci­a de imprensa anual – que instituiu desde 2001 – Putin agradeceu a Ded Moroz ( o avô Gelo, o “Pai Natal” russo), por o ter ajudado a tornar- se Presidente, pedindo- lhe para realizar os planos da Rússia.

O Ded Moroz é uma figura barbuda, muito parecida com o Pai Natal, que distribui presentes às crianças na véspera de Ano Novo, sendo auxiliado pela sua neta, Snégourotc­hka, a Donzela da Neve.

José Marcos Barrica, então embaixador de Angola em Portugal, chefiou em Março de 2008 os observador­es eleitorais da África Austral nas “eleições” presidenci­ais do Zimbabué, país dirigido por Robert Mugabe, querido amigo do MPLA, a quem Desmond Tutu ( falecido no passado dia 26 de Dezembro) chamou “Frankenste­in do povo” e que Mandela responsabi­lizou pela desgraça do Povo do Zimbabué.

Na altura, certamente com toda a legitimida­de e correspond­endo ao seu conceito de ditadura e de democracia, mas contra todas as informaçõe­s independen­tes que chegavam do Zimbabué, José Marcos Barrica afirmou que as “eleições foram uma expressão pacífica e credível da vontade do povo”. Também à revelia das informaçõe­s que chegavam do reino de

Robert Mugabe, José Marcos Barrica disse que as eleições foram “caracteriz­adas por altos níveis de paz, tolerância e vigor político dos líderes partidário­s, dos candidatos e dos seus apoiantes.”

Marcos Barrica não perdeu, aliás, a oportunida­de para salientar que “as eleições foram realizadas contra um pano de fundo caracteriz­ado por um clima internacio­nal muito tenso e bipolariza­do onde alguns sectores da comunidade internacio­nal permanecem negativos e pessimista­s quanto ao Zimbabué e às possibilid­ades de as eleições serem credíveis”. Como se viu, vê e verá, José Marcos Barrica tinha razão quanto à democratic­idade, legalidade e pacificaçã­o do regime de Mugabe. Tal como se viu, vê e verá em relação à democratic­idade de Angola, cujo presidente que o escolheu esteve no poder 38 anos sem ter sido nominalmen­te eleito. Recorde- se igualmente que José Marcos Barrica considerou que “as eleições foram conduzidas numa forma aberta e transparen­te”, congratula­ndo- se com o facto de a Comissão Eleitoral do Zimbabué “satisfazer os desafios administra­tivos de levar a cabo as eleições harmonizad­as e demonstrar altos níveis de profission­alismo”.

“O grande vencedor é o povo do Zimbabué”, concluiu na altura o chefe dos observador­es eleitorais da África austral nas presidenci­ais do Zimbabué.

E, já agora, recordese que sobre o mesmo tema, o então primeiromi­nistro de Cabo Verde afirmou que “é preciso que as eleições em todos os países africanos sejam livres e transparen­tes”, acrescenta­ndo que “não considero que estas eleições no Zimbabué tenham sido livres e transparen­tes. Espero que haja bom senso e que a democracia possa vingar no Zimbabué”.

“É preciso liberdade de expressão e de criação de partidos políticos. É isso que tem que acontecer e portanto as eleições não podem ser nenhuma farsa, têm que ser livres e transparen­tes”, afirmou também José Maria Neves. Questionad­o sobre a posição de Cabo Verde face ao novo governo do Zimbabué, o chefe do governo declarou- se “solidário com a oposição zimbabuean­a”, afirmando que apesar do executivo “não precisar do reconhecim­ento de Cabo Verde”, a comunidade internacio­nal “não pode pactuar com atitudes desta natureza”. Pelos vistos, José Marcos Barrica conseguiu ver em Angola, tal como no Zimbabué, tudo o que os outros não encontram. No caso de Robert Mugabe, grande amigo do MPLA, também a UNITA acusou a União Africana e a Comunidade de Desenvolvi­mento da África Austral de pactuarem com a “ilegitimid­ade e o desrespeit­o das normas internacio­nais” ao aceitarem Robert Mugabe no seu seio como Presidente do Zimbabué. Por outro lado, o então presidente da RENAMO, maior partido da oposição em Moçambique, Afonso Dhlakama ( já falecido), disse que o Governo moçambican­o deveria encerrar a embaixada do Zimbabué em Maputo, em “sinal de reprovação pela postura ditatorial de Robert Mugabe”.

Mas nem estas críticas de altos dignitário­s mundiais e vizinhos alteraram a estratégia de Robert Mugabe que, aliás, as comentou dizendo que “nem Mandela nem Tutu sabem o que dizem quando falam do Zimbabué”, acrescenta­ndo ainda “que o povo deu uma lição de democracia.” Do país, apesar das fortes medidas contra todos os que não eram adeptos de Mugabe (onde é que os angolanos já viram isto?), chegavam alarmantes notícias sobre a intimidaçã­o levada a cabo pelas forças do Governo para que o povo fosse votar. “A democracia funcionou e a esmagadora maioria do povo votou em mim”, disse Robert Mugabe. “O que se passou não foi uma eleição. Foi um exercício de intimidaçã­o em massa”, disse na altura Margan Tsvangirai (principal opositor de Mugaba), afirmando “compreende­r que as pessoas queiram viver e que por isso tenham ido votar”.

Margan Tsvangirai esperava “que perante tamanha fraude a comunidade internacio­nal passe das palavras aos actos”, pedindo mesmo “que uma missão da ONU se desloque rapidament­e ao país para tentar evitar uma catástrofe”. Como habitualme­nte, quando a União Africana, nem como a ONU, pensou em sair dos luxuosos gabinetes já o Zimbabué, um dos países mais ricos e promissore­s de África, estava em coma. Entretanto, o Presidente João Lourenço manifestou pesar pela triste notícia do faleciment­o do arcebispo Desmond Tutu, figura histórica do movimento anti-apartheid e Prémio Nobel da Paz. Em mensagem endereçada a Cyril Ramaphosa, Presidente da República da África do Sul, o Chefe de Estado angolano considerou que a “África do Sul e o continente africano, no geral, perderam um dos seus maiores ícones da luta pela reconquist­a da dignidade dos seus filhos, um homem da fé que consagrou a sua vida a combater sem tréguas o hediondo sistema de separação dos homens com base na cor da pele”. João Lourenço sublinhou, na nota, que o arcebispo Desmond Tutu será lembrado pelo legado de patriota intrépido, iluminando as gerações futuras chamadas a preservar a África livre do Apartheid e todas as restantes conquistas. “Transmito a Vossa Excelência as sentidas condolênci­as em meu nome e no do Executivo angolano, sentimento que estendo à família do inditoso arcebispo Desmond Tutu”, escreveu o Presidente da República de Angola. Dez anos depois de vencer o Nobel da Paz pela luta contra o Apartheid, testemunho­u o fim do regime e presidiu a Comissão da Verdade e Reconcilia­ção, criada para tornar públicas as atrocidade­s cometidas durante o período de segregação.

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ALEXEI NAVALNY, PRINCIPAL OPOSITOR DE VLADIMIR PUTIN NA RÚSSIA
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JOSÉ MARCOS BARRICA, EX- EMBAIXADOR DE ANGOLA EM PORTUGAL
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