Navalny é “um criminoso”, diz Putin
Sob o regime autoritário de Putin, grupos democráticos e de direitos humanos são sistematicamente visados. Milhares de manifestantes foram presos no início deste ano por participarem de várias manifestações em apoio a Alexey Navalny, a oposição mais conhecida do país a Putin.
Na sua habitual conferência de imprensa anual, o Presidente russo justificou o aumento de opositores presos com a necessidade de conter a influência estrangeira. O Presidente russo negou na quinta- feira a existência de repressão na Rússia, defendendo que as prisões de opositores, que aumentaram significativamente em 2021, não se destinam a amordaçar os detractores, mas sim a conter a influência estrangeira. “Lembro o que os nossos adversários dizem há séculos: `A Rússia não pode ser derrotada, só pode ser destruída por dentro’”, afirmou Vladimir Putin, sublinhando que foi esse raciocínio que provocou a queda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas ( URSS), há 30 anos.
Ao longo de 2021, a imprensa, organizações não - governamentais , jornalistas, advogados e activistas foram alvo de diversos processos judiciais e de detenções. O ano começou com a prisão de Alexei Navalny, principal adversário político de Putin, após regressar a Moscovo vindo da Alemanha, onde foi tratado depois de ter sido envenenado quando regressava de uma deslocação à Sibéria, o que atribuiu ao Kremlin. O Fundo de Combate à Corrupção ( FBK), movimento que criou, foi depois proibido por “extremismo”. Na tradicional conferência de imprensa anual, e referindo- se à condenação do seu crítico num caso de fraude, que a oposição considerou como fabricado, Putin afirmou que Navalny é um “criminoso”.
“Condenados, sempre houve. Não devemos cometer crimes”, disse Putin, que voltou a negar qualquer envolvimento do Kremlin no envenenamento de Navalny, pedindo para que se “vire a página” em relação ao assunto, uma vez que “não há provas”.
“Enviamos vários pedidos do Ministério Público russo para se entregar provas para confirmar que houve, de facto, envenenamento. E nada. Não há uma única prova”, disse Putin.
O Presidente russo acrescentou que Moscovo também propôs o envio de especialistas para colaborar no esclarecimento do caso, que levou à imposição de sanções ocidentais. “Eu próprio propus ao Presidente da França [ Emmanuel Macron] e à [ antiga] chanceler da Alemanha [ Angela Merkel] que deixassem os nossos especialistas irem colher amostras”, disse, salientando que, dessa forma, Moscovo teria base legal para abrir um processo criminal ao “suposto” envenenamento.
“E nada. Zero”, insistiu. Na conferência de imprensa, Putin foi também questionado sobre os assassínios do opositor Boris Nemtsov ( 2015) e da jornalista Anna Politkovskaya ( 2006).
“Fiz tudo para esclarecer esses assassínios. As respectivas ordens foram dadas. Várias pessoas foram presas por esses crimes”, respondeu Putin, reconhecendo, no entanto, existirem opiniões de que as pessoas que cumprem penas “não são os mandantes” desses crimes.
“A investigação ainda não sabe. Tudo foi feito para localizar os responsáveis”, afirmou. Ao terminar a conferência de imprensa anual – que instituiu desde 2001 – Putin agradeceu a Ded Moroz ( o avô Gelo, o “Pai Natal” russo), por o ter ajudado a tornar- se Presidente, pedindo- lhe para realizar os planos da Rússia.
O Ded Moroz é uma figura barbuda, muito parecida com o Pai Natal, que distribui presentes às crianças na véspera de Ano Novo, sendo auxiliado pela sua neta, Snégourotchka, a Donzela da Neve.
José Marcos Barrica, então embaixador de Angola em Portugal, chefiou em Março de 2008 os observadores eleitorais da África Austral nas “eleições” presidenciais do Zimbabué, país dirigido por Robert Mugabe, querido amigo do MPLA, a quem Desmond Tutu ( falecido no passado dia 26 de Dezembro) chamou “Frankenstein do povo” e que Mandela responsabilizou pela desgraça do Povo do Zimbabué.
Na altura, certamente com toda a legitimidade e correspondendo ao seu conceito de ditadura e de democracia, mas contra todas as informações independentes que chegavam do Zimbabué, José Marcos Barrica afirmou que as “eleições foram uma expressão pacífica e credível da vontade do povo”. Também à revelia das informações que chegavam do reino de
Robert Mugabe, José Marcos Barrica disse que as eleições foram “caracterizadas por altos níveis de paz, tolerância e vigor político dos líderes partidários, dos candidatos e dos seus apoiantes.”
Marcos Barrica não perdeu, aliás, a oportunidade para salientar que “as eleições foram realizadas contra um pano de fundo caracterizado por um clima internacional muito tenso e bipolarizado onde alguns sectores da comunidade internacional permanecem negativos e pessimistas quanto ao Zimbabué e às possibilidades de as eleições serem credíveis”. Como se viu, vê e verá, José Marcos Barrica tinha razão quanto à democraticidade, legalidade e pacificação do regime de Mugabe. Tal como se viu, vê e verá em relação à democraticidade de Angola, cujo presidente que o escolheu esteve no poder 38 anos sem ter sido nominalmente eleito. Recorde- se igualmente que José Marcos Barrica considerou que “as eleições foram conduzidas numa forma aberta e transparente”, congratulando- se com o facto de a Comissão Eleitoral do Zimbabué “satisfazer os desafios administrativos de levar a cabo as eleições harmonizadas e demonstrar altos níveis de profissionalismo”.
“O grande vencedor é o povo do Zimbabué”, concluiu na altura o chefe dos observadores eleitorais da África austral nas presidenciais do Zimbabué.
E, já agora, recordese que sobre o mesmo tema, o então primeiroministro de Cabo Verde afirmou que “é preciso que as eleições em todos os países africanos sejam livres e transparentes”, acrescentando que “não considero que estas eleições no Zimbabué tenham sido livres e transparentes. Espero que haja bom senso e que a democracia possa vingar no Zimbabué”.
“É preciso liberdade de expressão e de criação de partidos políticos. É isso que tem que acontecer e portanto as eleições não podem ser nenhuma farsa, têm que ser livres e transparentes”, afirmou também José Maria Neves. Questionado sobre a posição de Cabo Verde face ao novo governo do Zimbabué, o chefe do governo declarou- se “solidário com a oposição zimbabueana”, afirmando que apesar do executivo “não precisar do reconhecimento de Cabo Verde”, a comunidade internacional “não pode pactuar com atitudes desta natureza”. Pelos vistos, José Marcos Barrica conseguiu ver em Angola, tal como no Zimbabué, tudo o que os outros não encontram. No caso de Robert Mugabe, grande amigo do MPLA, também a UNITA acusou a União Africana e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral de pactuarem com a “ilegitimidade e o desrespeito das normas internacionais” ao aceitarem Robert Mugabe no seu seio como Presidente do Zimbabué. Por outro lado, o então presidente da RENAMO, maior partido da oposição em Moçambique, Afonso Dhlakama ( já falecido), disse que o Governo moçambicano deveria encerrar a embaixada do Zimbabué em Maputo, em “sinal de reprovação pela postura ditatorial de Robert Mugabe”.
Mas nem estas críticas de altos dignitários mundiais e vizinhos alteraram a estratégia de Robert Mugabe que, aliás, as comentou dizendo que “nem Mandela nem Tutu sabem o que dizem quando falam do Zimbabué”, acrescentando ainda “que o povo deu uma lição de democracia.” Do país, apesar das fortes medidas contra todos os que não eram adeptos de Mugabe (onde é que os angolanos já viram isto?), chegavam alarmantes notícias sobre a intimidação levada a cabo pelas forças do Governo para que o povo fosse votar. “A democracia funcionou e a esmagadora maioria do povo votou em mim”, disse Robert Mugabe. “O que se passou não foi uma eleição. Foi um exercício de intimidação em massa”, disse na altura Margan Tsvangirai (principal opositor de Mugaba), afirmando “compreender que as pessoas queiram viver e que por isso tenham ido votar”.
Margan Tsvangirai esperava “que perante tamanha fraude a comunidade internacional passe das palavras aos actos”, pedindo mesmo “que uma missão da ONU se desloque rapidamente ao país para tentar evitar uma catástrofe”. Como habitualmente, quando a União Africana, nem como a ONU, pensou em sair dos luxuosos gabinetes já o Zimbabué, um dos países mais ricos e promissores de África, estava em coma. Entretanto, o Presidente João Lourenço manifestou pesar pela triste notícia do falecimento do arcebispo Desmond Tutu, figura histórica do movimento anti-apartheid e Prémio Nobel da Paz. Em mensagem endereçada a Cyril Ramaphosa, Presidente da República da África do Sul, o Chefe de Estado angolano considerou que a “África do Sul e o continente africano, no geral, perderam um dos seus maiores ícones da luta pela reconquista da dignidade dos seus filhos, um homem da fé que consagrou a sua vida a combater sem tréguas o hediondo sistema de separação dos homens com base na cor da pele”. João Lourenço sublinhou, na nota, que o arcebispo Desmond Tutu será lembrado pelo legado de patriota intrépido, iluminando as gerações futuras chamadas a preservar a África livre do Apartheid e todas as restantes conquistas. “Transmito a Vossa Excelência as sentidas condolências em meu nome e no do Executivo angolano, sentimento que estendo à família do inditoso arcebispo Desmond Tutu”, escreveu o Presidente da República de Angola. Dez anos depois de vencer o Nobel da Paz pela luta contra o Apartheid, testemunhou o fim do regime e presidiu a Comissão da Verdade e Reconciliação, criada para tornar públicas as atrocidades cometidas durante o período de segregação.