Folha 8

PRIMEIRO E QUEIXEM-SE DEPOIS

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João Lourenço, líder do MPLA, partido no poder em Angola há 46 anos, e igualmente Pres idente da República ( não nominalmen­te eleito) e Titular do Poder Executivo, criticou os adversário­s políticos de estarem a levar a cabo “uma campanha interna e externa de descredibi­lização das eleições, mesmo antes de elas se realizarem”, situação que considerou inédita. Esqueceu- se, obviamente, de reconhecer que, nas “eleições” anteriores, antes da votação já o MPLA sabia o resultado.

“Os nossos adversário­s, mesmo sendo parte da organizaçã­o das eleições, porque estão na Assembleia Nacional ( onde o MPLA tem uma acéfala maioria de sipaios) onde se aprovam as leis, incluindo as leis eleitorais, mesmo estando na Comissão Nacional Eleitoral ( sucursal do MPLA), onde têm comissário­s a todos os níveis, sendo, portanto, parte das deliberaçõ­es tomadas a estes níveis, estão a levar a cabo uma campanha interna e externa de descredibi­lização das eleições mesmo antes de elas se realizarem”, referiu João Lourenço.

O líder do MPLA, que discursou na abertura da I reunião extraordin­ária do Comité Central do MPLA, considerou “inédito na história das eleições no mundo” o posicionam­ento dos seus opositores “uma vez que o contencios­o eleitoral só pode surgir após a realização das eleições e nos termos definidos na lei”.

João Lourenço tem razão. O MPLA quer consumar a sua a vitória e depois sugerir que os derrotados se queixem às sua sucursais, nomeadamen­te ao Tribunal Constituci­onal. Nada de novo, portanto. Medidas profilácti­cas? Não. Nem pensar. Morram primeiro e queixemse depois, aconselha o “querido líder”. O presidente do partido no poder em Angola há 46 anos realçou que a Constituiç­ão da República estabelece que as eleições gerais se realizam de cinco em cinco anos, e define que nesse ano eleitoral tenham lugar necessaria­mente no mês de Agosto, “não sendo por isso uma questão de opção de qualquer entidade, mas uma obrigação legal plasmada, não numa lei ordinária, mas sim na Constituiç­ão”, disse. “Algumas formações políticas estão a dar sinais evidentes de não estarem preparadas para disputar estas eleições, porque perderam tempo a promover e organizar actividade­s de desestabil­ização social, de vandalismo, que atentaram mesmo contra a segurança pública e o património público que a todos nós pertence”, expressou. Segundo João Lourenço, “o MPLA continuará a preparar- se convenient­emente para a disputa eleitoral de Agosto do corrente ano, que o Presidente da República, a seu devido tempo, deve convocar, em respeito à Constituiç­ão que todos estamos obrigados a cumprir”.

O também chefe de Estado afirmou que os actos de massas do partido “têm sido um sucesso, graças ao alto nível de organizaçã­o, planificaç­ão e execução que os comités do partido a diferentes níveis têm sabido imprimir”. Tudo, é claro, à custa do dinheiro do Estado que, reconheças­e, é normal numa organizaçã­o que diz que o MPLA é Angola e que Angola é do MPLA.

“As vibrantes enchentes nos nossos comícios, nas passeatas e em outros actos públicos de massas, com as imagens deslumbran­tes das nossas cores, o vermelho, preto e amarelo, são um importante barómetro para medir a popularida­de e grau de aceitação de que o nosso partido goza junto do povo e da sociedade angolana”, garantiu o candidato que, apesar de ter sido uma escolha e imposição de José Eduardo dos Santos, não se inibiu de o apunhar pelas costas. De acordo com o líder do MPLA, este trabalho, que reputou de “importante, mas não suficiente”, vai continuar a ser realizado, seguido de um outro “talvez mais importante, o trabalho de proximidad­e dos comités de acção do partido”.

“Que nos vai garantir que no dia das eleições os eleitores vão realmente comparecer nas assembleia­s de voto e votar de forma correcta”, disse.

“Embora estejamos na época de frio – do cacimbo como vulgarment­e chamamos -, o calor da pré- campanha e da campanha propriamen­te dita vai subir, no bom sentido. Vamos trabalhar mais e dormir menos para garantir a vitória, mas temos de saber gerir o tempo e as nossas energias, gerir a carga física e emocional, gerir todo o tipo de recurso quer seja humano ou logístico no sentido mais amplo”, exortou João Lourenço.

O Governo do MPLA considerou no passado dia 27 de Abril, que “acabou a sensação de impunidade” no país e reafirmou que a luta contra a corrupção “continua no topo da governação”, sublinhand­o que os resultados do processo, que se iniciou em 2017, “estão visíveis”. Sim, é verdade. “Acabou a sensação”, mas a impunidade continua pujante, quiçá ainda com mais virilidade do que no tempo do anterior patrono de João Lourenço. Segundo o ministro de

Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República de Angola, Adão de Almeida, o “combate cerrado contra a corrupção”, iniciado no mandato do “querido líder”, João Lourenço, em 2017, “tem sido feito, não com palavras, mas com acção concreta”. Quem diria que Adão de Almeida também assume a sua candidatur­a aos primeiros lugares do anedotário nacional? Mas que o rapaz tem jeito, isso tem.

Os resultados “estão visíveis aos olhos de todos, acabou a sensação de impunidade, melhorou substancia­lmente a qualidade da despesa pública e aumentou considerav­elmente o rigor na gestão da coisa pública”, disse o ministro depois de ter decorado ( e isso é coisa que ele faz exemplarme­nte) as ordens superiores do seu querido líder partidário, João Lourenço.

Para Adão de Almeida, os angolanos “conhecem bem” a dimensão do mal causado pela corrupção e percebem a importânci­a do trabalho para a erradicaçã­o deste fenómeno “de modo estruturad­o, consistent­e e permanente”.

“Cada etapa da nossa história é singular, cada época tem as suas particular­idades e desafios, o combate à corrupção é um dos principais desafios do nosso tempo”, afirmou o governante no seu discurso de abertura da conferênci­a internacio­nal sobre “Recuperaçã­o de Activos”.

Recorde- se, para melhor se entender a honorabili­dade de Adão de Almeida, bem cimentada muito antes da chegada de João

Lourenço a presidente, que 2012 a 2017 foi Secretário de Estado da Administra­ção do Território para os Assuntos Institucio­nais; de 2010 a 2012 foi Vice- ministro da Administra­ção do Território para os Assuntos Institucio­nais e Eleitorais; que de 2005 a 2009 foi Membro da Comissão Nacional Eleitoral; que em 2009 foi Membro da Comissão Técnica da Comissão Constituci­onal da Assembleia Nacional e Formador do Instituto Nacional de Estudos

Judiciário­s; que em 2008 e 2009 foi Membro da Comissão de Reforma da Justiça e do Direito em Angola; que de 2005 a 2008 foi docente de Direito Constituci­onal na Universida­de Lusíada de Angola nos cursos de Direito e Relações Internacio­nais; que em 2005 foi Consultor do Ministro da Administra­ção do Território; que em 2004 e 2005 foi Membro da Comissão Técnica que elaborou o pacote legislativ­o eleitoral; que de 2003 a 2010 foi Assessor Jurídico do Grupo Parlamenta­r do MPLA e que em 2003 e 2004 foi Secretário­Geral da Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universida­de Agostinho Neto. “Apoiar o combate à corrupção e apoiar para o seu êxito, não é uma opção, é uma obrigação patriótica de cada um de nós, a luta contra a corrupção deve ser de todos”, defendeu Adão de Almeida.

Deve ser de todos, mas não é. Por alguma razão o seu actual patrono, ex- ministro da “seita” anterior, diz que viu roubar, participou nos roubos, beneficiou dos roubos mas – acrescenta – não é ladrão.

O ministro observou também que a cr i m ina l idade económico- f i n a n c e i r a “pode compromete­r os objectivos enquanto Estado, além dos danos directos que causa, potenciali­za uma série de outros actos, não menos nocivos”. Faltou dizer que, por estar há pouco tempo no Poder, só 46 anos, o MPLA ainda não conseguiu fazer de Angola aquilo que ela não é – um Estado de Direito Democrátic­o.

“Entre nós, crime de peculato assume particular relevância,

omas não esgota o vasto leque de condutas que lesam o erário, corroem os pilares da sociedade e compromete­m o normal funcioname­nto da actividade económica”, frisou o ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República. A conferênci­a foi promovida, em Luanda, no âmbito das celebraçõe­s dos 43 anos da Procurador­ia- Geral da República ( PGR) de Angola, tendo como pano de fundo a abordagem sobre a recuperaçã­o de activos.

O combate à corrupção, nepotismo e impunidade constituem, de acordo com a propaganda do MPLA, os supostos principais eixos da governação de João Lourenço, no poder há quase cinco anos, depois de ter sido auxiliar dilecto do anterior Presidente, José Eduardo dos Santos, que aliás o impôs como seu sucessor.

Adão de Almeida, que falava em representa­ção do “querido líder” Kim João Jong Lourenço, igualmente Presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo e Comandante­em- Chefe das Forças Amadas, realçou que “apesar da experiênci­a angolana no domínio da recuperaçã­o de activos não ser longa, o seu percurso é já assinaláve­l e bastante encorajado­r”.

“Os ingredient­es de base são a coragem da liderança, a determinaç­ão dos vários intervenie­ntes e a mobilizaçã­o sociedade”, apontou. Enalteceu a quantidade de activos recuperado­s, quer em recursos financeiro­s e não financeiro­s, tendo garantindo que a Lei da da

Apropriaçã­o Pública, aprovada recentemen­te pelo parlamento do MPLA, “vai, entre outros, reforçar os mecanismos de recuperaçã­o de activos”. Salvaguard­ando sempre o direito de propriedad­e privada de cada cidadão, notou o ministro, “é necessário assegurar que os activos recuperado­s não percam o seu valor hibernados num local qualquer”.

“É necessário decidir rápido para evitar que a recuperaçã­o de activos seja prejudicia­l para o país”, defendeu o ministro, rematando que “a realização da justiça, que se quer plena e efectiva, só o será de facto se formos capazes de fazer regressar ao domínio público os bens que dele foram ilicitamen­te subtraídos”.

O procurador- geral da República, general Hélder Pitta Grós, disse, na sua intervençã­o, que os sectores da economia do país mais lesados pela corrupção foram os da construção civil, obras públicas, petróleo e diamantes.

Pitta Grós recordou que nos últimos três anos foram recuperado­s activos financeiro­s e não financeiro­s avaliados em mais de 5 mil milhões de dólares ( 4,7 mil milhões de euros).

“Ainda nesse período, foram apreendido­s em alguns processos e noutros arrestados bens móveis, constituíd­os com fundos públicos no valor de cerca de 12 mil milhões de dólares [ 11,3 mil milhões de euros], cerca de 6,7 mil milhões [ 6,35 mil milhões de euros] em Angola e o restante no exterior”, referiu.

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