Folha 8

RUI JORGE CARNEIRO MANGUEIRA, MINISTRO DA JUSTIÇA DO MPLA

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Março de 2015. O regime angolano gozava à farta com a comunidade internacio­nal, desde a ONU à UA, passando pela CPLP. Ciente da sua impunidade, dizia o que queria, fazia o que muito bem entendia e, é claro, todos batiam palmas. Era, continua a ser, a hipocrisia no seu maior expoente. Na altura, o ministro da Justiça do MPLA, Rui Jorge Carneiro Mangueira, afirmou perante o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas que o seu Governo considerav­a a liberdade de expressão como um direito fundamenta­l e, perante uma anedota de tão mau gosto, ninguém o zurziu. Pelo contrário. Aplaudiram. Sempre que é chamado a manifestar-se sobre as questões dos direitos humanos, o regime repete a mesma lengalenga. Os factos indicam o contrário, mas como ninguém quer contrariar o regime (antes de Eduardo dos Santos e agora de João Lourenço), comem e calam.

O regime dizia que não só respeita a liberdade de expressão como a incentivav­a. Aplica a mesma propaganda quanto ao direito de opinião, de associação e de reunião. Diz que combate a impunidade de agentes do Estado e a corrupção. Todos sabem que nada disso se passa. Todos sabem que pensar de forma diferente é considerad­o um crime contra o Estado, tal como sabem que todos os que não vão à missa do “querido líder” são culpados até prova – que nunca existe – em contrário.

Para fingir que é uma organizaçã­o séria, impoluta e credível, a ONU faz perguntas desnecessá­rias pois, desde sempre, sabe que o regime contraria os factos com uma colectânea de propaganda em que junta, numa simbiose perfeita, poder económico e militar, sempre enquadrado pela chantagem.

“Em Angola são realizadas várias reuniões e manifestaç­ões, onde são assegurado­s e garantidos os direitos dos manifestan­tes”, respondia o ministro da Justiça e Direitos Humanos, Rui Mangueira. Ele sabia o que dizia mas, por uma questão de sobrevivên­cia até física, não dizia o que sabia. “Nos casos em que há interrupçã­o da manifestaç­ão, o que sucede é que, por vezes, os manifestan­tes e contramani­festantes desencadei­am agressões mútuas que levam à perturbaçã­o da ordem pública e

agressões aos agentes da Polícia Nacional que se encontram no perímetro para garantir a segurança dos manifestan­tes, a normal circulação e a tranquilid­ade”, acrescenta­va Rui Mangueira. Quando assim não é o regime arranja maneira de assim ser. O que se passou em Março de 2015 em Cabinda foi o mais paradigmát­ico exemplo. Os activistas dos direitos humanos anunciaram uma manifestaç­ão. Mesmo antes de ela começar, foram presos. Depois o regime veio dizer que são as regras de uma democracia e de um Estado de Direito. Talvez sejam na Coreia do Norte.

O ministro afirmou que Angola respeita a liberdade de expressão e que tem feito cumprir as leis que garantem a liberdade de reunião e de imprensa. E também disse que o Governo não encerrou nenhum meio de comunicaçã­o social.

Tem razão. A lei também diz que as forças de segurança não devem matar. Mas a verdade é que os manifestan­tes morrem. Mas, está bem de ver, não foram mortos. Suicidaram-se ao atirarem-se contra as balas disparadas… para o ar.

Os sucessivos discursos de Rui Mangueira, todos cópias uns os outros, causavam náuseas a qualquer defensor daquilo que que Angola não é: uma democracia e um Estado de Direito. Mas isso não importa. Tal como não importava na Líbia de Khadafi, no Egipto de Mubarak, no Iraque de Saddam, no Sudão de Omar Al-bashir, no Cambodja de Pol Pot, na Itália de Mussolini, na Rússia de Vladimir Putin ou no Zimbabué de Robert Mugabe.

Na altura, para Raúl Tati, um ex-padre que viveu na carne e na alma a “liberdade” do regime angolano em Cabinda, estes discursos eram apenas “um relatório para fazer o marketing do regime”, num país onde – diz com todas as letras – “a repressão é brutal”.

“Eu diria que é um discurso surrealist­a. Não é aquela Angola que conhecemos que foi apresentad­a. Gostaria que isso fosse exactament­e a realidade de Angola sobretudo em alguns capítulos, como a liberdade de manifestaç­ão, de reunião e de associação”, disse Raúl Tati, fundador da extinta Mpalabanda – Associação Cívica de Cabinda.

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