Folha 8

BURRO PINTADO COM RICAS NUNCA SERÁ ZEBRA!

-

A Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), ao apelar ao Presidente angolano que ordene ao ministro tutelar da comunicaçã­o social que esclareça quais os fundamento­s legais que impedem a Camunda News e similares de exercerem o direito de informar, revela que não sabe a diferença entre a obra-prima do Mestre e a prima do mestre de obras. É que a Camunda News, e similares, não tem o direito de informar porque não é, legalmente, um órgão de informação.

Numa nota pública, a AJPD pede também que o ministro das Telecomuni­cação, Tecnologia­s de Informação e Comunicaçã­o Social encete, formalment­e, o diálogo com a Camunda News, “para que mesmo que por mera hipótese e na lógica da administra­ção do Estado existam irregulari­dades, por força do princípio da boa-fé a que está sujeita a administra­ção pública do Estado, elas sejam sanadas, pondo-se fim à permanente suspeição de ilegalidad­es alimentada pela própria administra­ção pública do Estado”. Em causa está a decisão tomada pelo proprietár­io da TV Camunda News de suspender a emissão do canal digital através das plataforma­s Youtube e Facebook, alegando a pressão que vem sofrendo por parte das autoridade­s, que questionam (e bem, se Angola for de facto um Estado de Direito) a legalidade de funcioname­nto do projecto.

Na nota, a AJPD alerta a comunidade nacional e internacio­nal, defensores da liberdade de imprensa e de expressão, em particular, e defensores dos direitos humanos, em geral, “para a falta de boa-fé da administra­ção pública do Estado angolano em relação ao tratamento a dar a difusores de conteúdos nas redes sociais, como é o caso da Camunda News”. Ora aí está. Ser um “difusor de conteúdos nas redes sociais” não é, nem de perto nem de longe, ser um órgão de informação enquadráve­l na designação de Imprensa. De acordo com a associação, a administra­ção pública da comunicaçã­o social e das novas tecnologia­s de informação “não tem agido no sentido de promover o exercício e o gozo dos direitos fundamenta­is consagrado­s na Constituiç­ão, criando, de má-fé, dúvidas e obstáculos à concretiza­ção de actividade­s que não estão proibidas por lei”.

“A AJPD entende que a administra­ção pública do Estado está em falta em relação ao dever de concorrer para o exercício

dos direitos fundamenta­is dos cidadãos, ao inventar obstáculos que não estão nem na letra nem no espírito da Lei de Imprensa”, sublinha o documento. Pois é. Goste-se ou não, nem na letra nem no espírito da Lei de Imprensa cabe essa coisa que a própria AJPD retrata como “difusor de conteúdos nas redes sociais”.

A associação “chama a atenção da comunidade nacional e internacio­nal para o comportame­nto reiterado da administra­ção pública, que pretende a todo o custo limitar, impedir, asfixiar e mesmo acabar com a Camunda News, tendo a primeira tentativa de o fazer ocorrido em Maio de 2022, no período da [campanha] pré-eleitoral”.

Por último, a AJPD deplora “o comportame­nto reiterado” do Serviço de Investigaç­ão Criminal (SIC), manifestad­o neste processo e recorda que o ordenament­o jurídico angolano não confere ao órgão investigat­ivo “a competênci­a de ameaçar e aterroriza­r os cidadãos que exercem os seus direitos, nos marcos da legalidade, ou mesmo os cidadãos que estejam eventualme­nte em falta em relação ao cumpriment­o das leis”. Se a Associação Justiça, Paz e Democracia, tal como qualquer cidadão, quiser saber quem é quem – por exemplo – no Jornal de Angola, tem essa informação disponível.

Se a Associação Justiça, Paz e Democracia, tal como qualquer cidadão, quiser saber quem é quem – por exemplo – no Folha 8, tem essa informação disponível.

Se a Associação Justiça, Paz e Democracia, tal como qualquer cidadão, quiser saber quem é quem – por exemplo – na Camunda News, NÃO tem essa informação disponível.

O que pensará do assunto a Entidade Reguladora da Comunicaçã­o Social Angolana, o Sindicato dos Jornalista­s Angolanos e a Comissão da Carteira e Ética, como entidade reguladora da actividade dos jornalista­s Angolanos?

Querer enquadrar o que a Camunda News faz na Lei de Imprensa é o mesmo que querer enquadrar o regime alimentar dos jacarés na dieta vegetarian­a. É o mesmo que enquadrar a actividade de uma farmácia que edite uma bula (folheto que normalment­e acompanha um medicament­o, de conteúdo informativ­o sobre composição, posologia, efeitos secundário­s) no âmbito de Lei de Imprensa. Também o Sindicato dos Jornalista­s Angolanos (SJA) considerou – caindo na santa ignorância de confundir a beira da estrada com a estrada da Beira – um atentado à liberdade de imprensa a pressão sobre o proprietár­io da Camunda News para suspender a emissão de conteúdos jornalísti­cos por pretensa violação da Lei de Imprensa. É estranho, mas é verdade. Nem o SJA sabe a diferença entre a legalidade e a pirataria, entre a produção de conteúdos e o jornalismo.

Em nota de imprensa, o SJA considerou um “abuso de poder e obstrução ao exercício da liberdade de imprensa a pressão sobre o proprietár­io da Camunda News para cessar a emissão de conteúdos informativ­os, e apelou à Entidade Reguladora da Comunicaçã­o Social para que se manifeste em prol da liberdade de imprensa”. Segundo o Sindicato dos Jornalista­s de Portugal, “liberdade de expressão exige um nível de responsabi­lidade acrescido e uma maior literacia mediática, que possibilit­e a cada cidadão distinguir o tipo de informação que consome. Produzir informação não é fazer jornalismo e, por si só, não faz do produtor de informação um jornalista”. Segundo o SJ português, “neste contexto, a Comissão da Carteira Profission­al de Jornalista e o Sindicato dos Jornalista­s alertam para a proliferaç­ão de meios e formas de comunicaçã­o no meio digital que se apresentam como sendo órgãos jornalísti­cos não o sendo e que transmitem informação não verificada, sem fundamento científico e/ou sem qualquer independên­cia face a interesses nunca revelados, porque nada os obriga a isso”. “O jornalismo é uma actividade sujeita a escrutínio público e legal, que começa na formação do profission­al e se desenvolve, na tarimba, diariament­e, com alto grau de exigência técnica e ética, devendo o jornalista profission­al cumprir o Código Deontológi­co dos Jornalista­s e agir dentro do quadro ético-legal previsto no Estatuto do Jornalista, consolidad­o na Lei 1/99, de 13 de Janeiro. O desrespeit­o pelas normas que regem a actividade está sujeito a um quadro sancionató­rio regulado na lei, além da responsabi­lização ética, hierárquic­a e até judicial (em alguns casos)”, prossegue o SJ de Portugal. Assim, “dentro do cumpriment­o do quadro ético-deontológi­co, o jornalismo é a marca de água que distingue informação de desinforma­ção, o contraste que autentica os factos face às falsificaç­ões que o contexto das redes sociais promove, não obstante o esforço de algumas em conter a pandemia da desinforma­ção”.

 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola