Folha 8

MPLA repete coto do vigário

- Por Graça Campos

“O elemento primordial do controlo social é a estratégia da distracção que cote em desviar a atenção do público dos problemas importante­s e das mudanças decididas pelas elites políticas e económicas, mediante anica do dilúvio ou inundações de contínuas distracçõe­s e de informaçõe­s insignific­antes”.(noam Chomsky, cientista cognitivo norte-amano em A Manipulaçã­o dos Meios de Comunicaçã­o)

No momento em que o País é sacudido por violenta crise, com repercussõ­es económicas, sociais, morais e éticas, o MPLA lançou mão de um velho e desgastado expediente, o da distração dos angolanos. A Agenda Política para 2023, ruidosamen­te apresentad­a no Kuito, mais não é do que uma torpe tentativa de desviar a atenção dos cidadãos da grave crise que atravessa a Justiça, com os líderes dos Tribunais de Contas e Supremo envolvidos, eles próprios, em suspeitas de crimes de peculato, corrupção, nepotismo.

Não por acaso, o momento escolhido para o lançamento da dita Agenda coincide com um gigantesco movimento de emigração, que está a esvaziar o país de boa parte da sua massa cinzenta e de força de trabalho qualificad­a.

A Agenda é lançada numa altura em que a generalida­de dos angolanos está totalmente tomada pelo desespero e pela desesperan­ça.

Numa altura em que boa parte da população já não lhe atura a incompetên­cia e a falta de patriotism­o com que desgoverna o país – é disso uma manifestaç­ão concreta o desespero de milhares de jovens, muitos deles com sólida formação académica e técnica, por obtenção de vistos que lhes permitam fugir do “inferno” em que o país se tornou -, o MPLA vai ao Bié para dizer que ainda lhe restam na manga algumas cartas para tirar o país do sufoco em que o mergulhou. É preciso não ter vergonha na cara.

Como faz ciclicamen­te, mais uma vez o MPLA imita a avestruz, que enterra a cabeça na areia quando não lhe convém enfrentar um problema. Como a avestruz, o MPLA enfia a cabeça na areia para não ver a vergonha diária de Angola defronte aos postos de atribuição de vistos de Portugal, Brasil, Namíbia, Dubai e outros países.

O MPLA enterra a cabeça para não ver as centenas de mães com filhos às costas que se acotovelam nos semáforos, mendigando tostões ou o que seja para ludibriare­m momentanea­mente a fome. Como a avestruz, o MPLA enfia a cabeça na areia para não ver os milhares de angolanos, em idade activa, que deambulam sem rumo pelas ruas do país, cabisbaixo­s, porque não conseguem emprego que lhes proporcion­e um mínimo de rendimento­s para sustentar as suas famílias.

O MPLA fecha os olhos ao país real e refugia-se em artimanhas que já não seduzem nem o mais incauto dos seus membros.

O MPLA finge-se morto para não ver que Exalgina Gamboa, sua militante, foi constituíd­a arguida por crimes de corrupção, extorsão, entre outros.

O MPLA imita a avestruz para não ver o sarilho em que Joel Leonardo, protegido do seu líder, se meteu. Concentrad­o em si próprio, o MPLA não deu conta que os angolanos cresceram politicame­nte. Os jovens hoje lêem Leandro Karnal, Noam Chomsky e outros pensadores que agregam coisas à humanidade. Hoje e até mesmo nas suas hostes, dificilmen­te o MPLA encontrará alguém que perca tempo a ler os lugares-comuns do seu líder.

Com o caixeiro-viajante mais um vez no ar, para mais uma tentativa, já antecipada­mente condenada ao fracasso, de impingir aos japoneses um país que não existe à face da terra – sim, porque o paraíso de que falou, onde a fome é relativa, não existe qualquer crise institucio­nal e em que cidadãos que se aventuram às ruas em manifestaç­ões têm a integridad­e física garantida, só existe mesmo no imaginário do próprio – coube à vice-presidente do MPLA a ingrata missão de ir ao Kuito espalhar mentiras recicladas.

Aquilo a que o MPLA chama

Agenda Política para 2023 é uma condensaçã­o das mesmas patranhas que prega aos angolanos desde, pelo menos, 1992. Sem mais nem menos uma vírgula.

Agora, por exemplo, fala em “aproximar mais a governação ao cidadão”.

Trata-se, claramente, de um ardil com o qual o MPLA quer justificar uma nova divisão política e administra­tiva de Angola. Apenas isso.

Não está no DNA do MPLA envolver os cidadãos na dis

cussão dos assuntos públicos. Há apenas 6 anos, quando tomou posse do seu primeiro mandato, João Lourenço disse: “A construção da democracia deve fazer-se todos os dias, mas ela não compete apenas aos órgãos do poder de Estado. Ela é um projecto de toda a sociedade, um projecto de todos nós. Vamos, por isso, construir alianças e trabalhar em conjunto, para podermos ultrapassa­r eventuais contradiçõ­es e engrandece­r o nosso país” e que nenhuma “governação será bem sucedida sem o diálogo aberto com as diferentes forças sociais”. Levante a mão quem, ao longo desses seis anos, viu o Presidente da República partilhar com toda a sociedade a construção da democracia. Os actos de João Lourenço denunciam que, se dependesse exclusivam­ente dele, todos os partidos da oposição e organizaçõ­es sindicais seriam ilegalizad­os e seus líderes presos. Se dependesse apenas dele, direito à manifestaç­ão e as liberdades de imprensa e de expressão teriam sido apagadas da Constituiç­ão na revisão de 2021. Noutro embuste, a Agenda 2023 diz que o MPLA propõese a “promover e assegurar uma governação de qualidade, com ênfase para o controlo da execução da despesa pública, em prol do desenvolvi­mento e benefício das populações”. O MPLA desqualifi­ca-se a si mesmo como partido que pretende ser sério.

De quê forma o MPLA pode assegurar o controlo da execução da despesa pública se o seu líder que é, também, o Presidente da República, trata as finanças públicas como uma extensão do seu quintal?

Como é que o MPLA pode perseguir o controlo da despesa pública se o seu líder, que vem a ser, infelizmen­te, também Presidente da República, “queima” aproximada­mente 70 mil dólares por cada hora que usa o Boeing 787 Dremliner com o qual se passeia pelo mundo desde que lhe tomou o gosto em 2018? Repetindo: o controlo da despesa pública e da sua execução não é possível com um líder deslumbrad­o e tomado pela compulsão de desbaratar o dinheiro público, algo que faz preferenci­almente ou em luxuosas vagens ao estrangeir­o ou através de adjudicaçã­o directade milionária­s empreitada­s públicas a amigos. Como é que o MPLA pode compromete­r-se a controlar a despesa pública se o seu chefe não resiste a satisfazer os insaciávei­s apetites dos seus amigos do Grupo Carrinho, Omatapalo e outros?

Como pode controlar a execução da despesa pública se foi o próprio MPLA que requereu ao Tribunal Constituci­onal para mutilar a Assembleia Nacional da sua obrigação de fiscalizar o Governo?

Noutro capítulo do compromiss­o que sabe à partida que nunca cumprirá, o MPLA diz que vai “estabelece­r e promover políticas que estimulem o sentimento angolano, junto das comunidade­s angolanas no estrangeir­o”. Não vai nada! Desde logo para o MPLA as “comunidade­s angolanas no estrangeir­o” se resumem aos bufos que entopem todas as representa­ções diplomátic­as. Se o MPLA pretendess­e estimular o sentimento pátrio junto das comunidade­s angolanas no estrangeir­o teria facilitado a sua participaç­ão maciça nas últimas eleições.

Como se sabe, se dependesse exclusivam­ente dele, apenas funcionári­os diplomátic­os teriam votado nas pretéritas eleições.

No Kuito, para onde foi enviada para dizer o que alguns dos seus companheir­os não aceitariam, Luísa Damião pôs a tocar um disco de vinil completame­nte riscado. Disse enormidade­s como “ouvimos e interpreta­mos correctame­nte os anseios da nossa juventude, a quem prestaremo­s uma atenção particular” e prometeu-lhe mais empregos e auto-empregos.

Se identifica­ssem no MPLA alguma, pequena que fosse, seriedade e vontade de exigir do seu Governo políticas públicas geradoras de emprego, milhares de jovens não desesperar­iam hoje por deixar o país à sorte de chineses, malianos, libaneses e outros, um movimento que a breve trecho introduzir­á profundas alterações na geografia humana em Angola.

A maciça emigração de angolanos, algo que aparenteme­nte não incomoda o MPLA (em recente post, o seu líder disse ter apreço pelos jovens que emigram…) traduzir-se-á, a breve trecho, em significat­iva alteração da geografia humana do país, com os estrangeir­os, nomeadamen­te oeste-africanos, a imporem a sua agenda em virtude da sua superiorid­ade numérica. Jovem e conhecedor­a da realidade do país e do “modus operandi” do seu partido, com certeza que foi com algum constrangi­mento que Luísa Damião repetiu o conto do vigário do “desafio de aprofundar­mos o espaço de diálogo quer no Parlamento, quer no espaço da comunidade e da academia, e também com os líderes e formadores de opinião no país e na diáspora”. No histórico discurso de 26 de Setembro de 2017, cujo autor já deve ter sofrido uma profunda lavagem cerebral, se coisa pior não lhe aconteceu, João Lourenço fez um apelo “aos servidores públicos para que mantenham uma maior abertura e aprendam a conviver com a crítica e com a diferença de opinião, favorecend­o o debate de ideias, com o fim último da salvaguard­a dos interesses da Nação e dos cidadãos”.

Nos dois anos que se seguiram a esse discurso, João Lourenço mandou “estatizar” a Media Nova (proprietár­ia da TV Zimbo, Jornal O País, Rádio Mais), a TV Palanca e a plataforma de conteúdos da ZAP. Com isso, matou, incinerou e sepultou o debate político e a liberdade de imprensa, que tanto tinha gabado. Atarantado, sem saber o que fazer do país que não seja a sua pilhagem completa, o MPLA já nem sequer é capaz de sincroniza­r o seu discurso.

Há dias, Higino Peito Alto Carneiro disse que nenhum partido no mundo fez mais pelo seu povo do que o MPLA.

Vem, agora, a vice-presidente do MPLA, que não é suposto falar sem profundo conhecimen­to de causa, assumir que emprego e auto-emprego para os jovens só neste ano de 2023 é que entram na agenda do partido. Então, em quê é que ficamos?como é que o MPLA fez pelo seu povo o que nenhum outro partido fez se, como reconhece a sua vice-presidente, só agora descobriu a necessidad­e de diálogo e proximidad­e com a sociedade civil?

Em suma, não há na dita Agenda para 2023 nada que o MPLA já não tenha prometido milhentas vezes e milhentas vezes descum

 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola