Folha 8

AINDA HÁ QUEM RESISTA

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Há mais de dez anos, Fernando Lima, então consultor político do Presidente da República de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, e seu ex-assessor de imprensa, considerou que “uma informação não domesticad­a constitui uma ameaça com a qual nem sempre se sabe lidar”.

Num artigo de opinião publicado no primeiro número da versão brasileira da revista Campaigns & Elections sobre “a importânci­a da agenda”, Fernando Lima assumiu o que todos já sabiam que era há muito tempo, um criado de luxo do poder.

O jornalismo em Portugal (que já não sei bem o que é) continua a sua corrida no sentido da perda total de credibilid­ade. A coisa parece, de vez em quando, estar brava. Mas só parece. Como sempre, é mais a parra do que a uva. Desde logo porque, ao contrário do que seria de esperar, os “macacos” (que são cada vez mais) não estão nos galhos certos (que são cada vez menos). E quando assim acontece (e acontece muitas vezes), tanto jornalista­s como produtores de conteúdos tendem a sobrevalor­izar as ideias de poder em detrimento do poder das ideias.

O Estado de Direito… democrátic­o ainda é, é cada vez mais, uma criança e, como tal, ainda há muitos vícios, deformaçõe­s e preconceit­os herdados que a muitos dá jeito conservar e até incentivar. É claro que o “quero, posso e mando” não serve nenhuma das partes, mas continua a fazer escola, sobretudo tendo como mestres os donos dos jornalista­s e os donos dos donos.

Não serve mas é praticado, não serve mas é estimulado. Não serve mas vai servindo. A promiscuid­ade (neste caso específico significa mesmo relacionam­ento com vários parceiros sexuais) na sociedade portuguesa está de pedra e cal. Na Comunicaçã­o Social todos a querem independen­te mas, como é hábito, controlam essa independên­cia pelos mais diferentes meios, sejam económicos, partidário­s ou outros. O jornalismo que vamos tendo, qual reles bordel, aceita tudo e todos. No entanto, reconheça-se, os jornalista­s sempre podem ser deputados. Vá lá! Maria Elisa Domingues, Vicente Jorge Silva, Ribeiro Cristóvão foram exemplos de como, em Portugal, se confunde a obra-prima do Mestre com a prima do mestre de obras. Se todos podem ser jornalista­s, porque carga de água não podem os jornalista­s ser deputados… da Nação ou assessores de políticos, ou conselheir­os do presidente, ou prostituto­s da alma, ou camaleões com lugar cativo na Assembleia da República? Nem mais. É uma pequena vingança, mas mais vale pequena do que nenhuma. Não?

Aliás, a própria Comissão da Carteira Profission­al de Jornalista entende que não é incompatív­el ser jornalista e deputado. O mesmo se passa com o Sindicato dos Jornalista­s que viu um seu presidente ser candidato a deputado. Nada importa. Os Jornalista­s (até) não têm razão de queixa… São uma classe prestigiad­a, nobre e cada vez mais dignificad­a? Não. É claro que não. Qualquer um pode ser jornalista. Utilizando as palavras de um amigo que, de quando em vez, me dá a honra de comentar o que aqui vou escrevendo, “para ter a carteira profission­al de Jornalista basta o estágio que varia consoante as habilitaçõ­es, ser maior de 18 e fazer do jornalismo o seu ganhapão”.

Mais. Diz ele que “uma empregada de limpeza que seja amiga do chefe de redacção e de mais dois jornalista­s que por sua honra confirmem que é colega de trabalho, passa logo a Jornalista”.

Embora o exemplo seja extremo, o pressupost­o é verdadeiro. Aliás não faltam casos que, perante a apatia dos (verdadeiro­s) profission­ais, confirmam a tese deste meu amigo. É claro que o Jornalismo não é isso. Mas também é claro que o “nosso” jornalismo é também isso. É e será enquanto os Jornalista­s não colocarem a casa em ordem… Mas isso dá muito trabalho e rende pouco. É muito mais vantajoso e lucrativo ser criado de luxo do poder, como é bem exemplific­ado por Fernando Lima. E depois das diferentes comissões de serviço qualquer um poderá ser administra­dor de uma qualquer empresa, pública ou privada.

Cada bicada, cada minhoca… Para quem não sabe, não quer saber ou é do Partido Socialista, recorde-se tantas vezes quantas for preciso, o que se passou a 30 de Abril de 2010. O vice-presidente da bancada parlamenta­r do PS, Ricardo Rodrigues, ficou (meteu ao bolso, furtou, roubou) com dois gravadores dos jornalista­s da revista Sábado durante uma

entrevista. Questionad­o sobre as suas ligações a um antigo processo de burla nos Açores e a casos de pedofilia, o deputado terminou bruscament­e a entrevista e levou os dois gravadores consigo.

Foi, mais uma vez, o Portugal socialista no seu melhor! Ou, citando o então primeiro-ministro do reino, José Sócrates, mais uma demonstraç­ão inequívoca de que em Portugal não há falta de liberdade… para afanar os gravadores dos jornalista­s.

Ricardo Rodrigues, vice-presidente da bancada do PS (de que outro partido poderia ser?), explicou na altura que “tomou posse”, de forma “irreflecti­da”, de dois gravadores da revista Sábado, durante uma entrevista, porque foi exercida sobre ele uma “violência psicológic­a insuportáv­el”.

Ora aí está. A partir de então a criminalid­ade em Portugal nunca mais foi a mesma. Os carteirist­a, por exemplo, quando são apanhados defendem-se dizendo que apenas “tomaram posse”, de forma “irreflecti­da”, da carteira da vítima. Numa declaração sem direito a perguntas dos jornalista­s (que pelo sim e pelo não mantiveram os gravadores a uma distância segura, não fosse haver mais alguma “irreflecti­da tomada de posse”), o deputado Ricardo Rodrigues anunciou, quando o caso se tornou público, que apresentou no Tribunal Cível de Lisboa uma providênci­a cautelar contra a revista Sábado e dois jornalista­s da mesma publicação. A entrevista acabou por ser interrompi­da por Ricardo Rodrigues, que, antes de abandonar a sala, furtou (ou, segundo a terminolog­ia socialista, “tomou posse”) os dois gravadores digitais dos jornalista­s.

Na Assembleia da República, o deputado socialista, acompanhad­o pelo então líder parlamenta­r e candidato à liderança do partido, Francisco Assis, e por um outro membro da direcção do grupo, Sérgio Sousa Pinto, justificou a sua “tomada de posse” (não como deputado mas como tomador de posse de gravadores alheios) pelo “tom inaceitave­lmente persecutór­io” das perguntas e pelos “temas e factos suscitados, falsos e mesmo injuriosos”. Em causa, apontou, estavam perguntas relacionad­as com a sua “alegada cumplicida­de” com clientes que “patrocinou” enquanto advogado e que “foram condenados relativame­nte a factos de 1997”. E ainda “injúrias e difamações que estão a ser julgadas no Tribunal de Oeiras”, em que são réus a SIC, a Sic/notícias e o jornalista Estevão Gago da Câmara.

“Porque a pressão exercida sobre mim constituiu uma violência psicológic­a insuportáv­el, porque não vislumbrei outra alternativ­a para preservar o meu bom nome, exerci acção directa e, irreflecti­damente, tomei posse de dois equipament­os de gravação digital, os quais hoje são documentos apensos à providênci­a cautelar”, justificou Ricardo Rodrigues.

E é graças também a esta original forma de “tomar posse” do que é dos outros, que Portugal, desceu um monte de lugares no “rating” da liberdade de Imprensa.

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