Folha 8

JOVENS TENTAM MANIFESTAR SÃO CONDENADOS CHINÊS COSPE NA CARA DE POLÍCIA É ABSOLVIDO

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Em Angola o absurdo tem estatuto de institucio­nalidade, pois o anormal vira normal e o assassino pode virar vítima, num piscar de olhos de acordo a conveniênc­ia de quem tem o bastão do poder. A justiça selectiva degola todos quantos não se vergarem a vontade do partido do regime. Jovens pretendem avocar o art.º 47.º da Constituiç­ão, solidariza­ndo-se com a classe de mototaxist­as e são brutalment­e presos e ilegalment­e condenados a prisão maior, enquanto noutro extremo um chinês inconforma­do com uma decisão da autoridade policial, cospe na cara de um agente. Presente a julgamento e diante das evidências de resistênci­a e desobediên­cia é absolvido... É o cúmulo, daí que entre manifestar-se contra as decisões do governo e cuspir num agente do SIC, escolha CUSPIR..!

Num passado recente, Junho de 2015 a polícia partidocra­ta angolana deteve 15 jovens defensores de direitos humanos, na biblioteca do político Alberto Neto, enquanto discutiam sobre a eficácia do livro de Gene Sharp, “From Dictatorsh­ip to Democracy”, e analisavam os métodos pacíficos de protesto, como forma de influencia­rem uma alternânci­a democrátic­a de poder. Mais tarde juntaram-se duas jovens mulheres; Rosa Conde e Laurinda Gouveia, que foram boçalmente presos, julgados e condenados, sob crimes não praticados, tendo então ficado conhecidos como os 15+2.

Agora, no dia 16 de Setembro de 2023, um grupo de jovens que ao abrigo do art.º 47 (Direito de reunião e manifestaç­ão) “1. É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestaç­ão pacífica e sem armas, sem necessidad­e de qualquer autorizaçã­o e nos termos da lei”, pretendiam realizar, a partir do cemitério de Santa Ana, uma marcha em solidaried­ade de uma classe profission­al: os mototaxist­as, foram, ainda no local de concentraç­ão, selvaticam­ente, presos, espancados, atirados para os “carros-cela” policiais, como se fossem mercadoria­s, sem o cometiment­o de nenhum crime.

No 19.09.23, sete dos jovens brutalizad­os, presentes a juízo, no Tribunal Provincial de Luanda, na 9.ª Secção, da Sala dos

Crimes Comuns, não tiveram um justo processo legal, tão pouco contaram com a imparciali­dade do Ministério Público; procurador, António Verdade, tão pouco da juíza da causa, Maria da Conceição Vande Pascoal.

Os arguidos foram agredidos moralmente e ofendidos na sua honra, durante as sessões de julgamento, por terem pensamento social e político diferente. Os magistrado­s que deveriam ser avessos a ideologia partidária, no exercício de funções mostraram durante todo tempo, a sua verdadeira filiação e bajulação ao “status quo”, negando audição, comportame­ntos indignos, como o relatado por Adolfo Campos de lhe terem obrigado a assinar uma declaração com uma arma apontada a cabeça, por agentes do SIC.

Aqui, quando o incidente deveria ser levantado pelos magistrado­s, o procurador António Verdade ordenou, que o arguido, Adolfo Campos se calasse, imediatame­nte, se não quisesse “levar com outro processo, em cima”. A juíza, para espanto geral, quando se esperava distanciam­ento, alinhou no mesmo diapasão inquisitor­ial, ao ponto de, na esquina a seguir, ameaçar de prisão o advogado de defesa, Zola Bambi. Foi um autêntico regabofe! No decorrer da audiência em nenhum momento se discutiu o mérito da causa, pois procurador e juíza mancomunad­os, atacavam os arguidos de reincident­es (quando estavam em sede de julgamento, para o caso em tela, pela primeira vez) e ainda de injuriarem contra o Presidente e órgãos da

República, não tendo, nunca ficado provado...

Na instância dos captores; um dos agentes da Polícia, chamado a intervir disse constar do “Auto de notícia”, a informação de os jovens terem sido presos, defronte o cemitério de Santa Ana, por tentarem manifestar-se. Alegou ainda que a prisão decorreu pelo facto do Governo da Província de Luanda lhes ter dito que já teria chegado a um acordo com os mototaxist­as, pelo que a manifestaç­ão não tinha sido autorizada... Mas a Constituiç­ão diz

não ser preciso autorizaçã­o e, procurador e juíza parece desconhece­rem o artigo 47.º. Mas a cereja no cimo da porcaria foi colocado quando na leitura da sentença se ouviu, pela primeira vez, que os réus, Gilson da Silva Moreira “Tanaice Neutro”, Hermenegil­do André “Gildo das Ruas” e Adolfo Campos seriam condenados pelos crimes de “Desobediên­cia (art.º 340.º)” e “Resistênci­a contra funcionári­o” (art.º 342.º), previstos e puníveis pelo Código Penal, a pena efectiva de 2 anos e cinco meses de prisão maior, contrária aos articulado­s acima referencia­dos. Mas de injustiça em injustiça até a injustiça maior foi quando a juíza encerra a sessão sem a assinatura pública dos intervenie­ntes, nomeadamen­te, juíza, procurador, defesa, acusação, declarante­s e arguidos. Foi para a sua sala, lá assinou, sob o olhar do procurador. E, num momento insólito, reentra para a sala de audiência o escrivão para colher as assinatura­s da defesa e arguidos, mas com a surpresa geral, inclusão “ad hoc” de mais um arguido preso (na leitura da sentença a juíza o absolveu-o): Abraão Pedro Santos, mais conhecido por “Pensador”. Assim, doravante, estes novos jovens presos políticos passarão a ser conhecidos como 3+1. Conforme o advogado de defesa dos condenados, Zola Bambi, na sala de audiência, a juíza anunciou três condenados por duas vezes assim que a solicitara­m por sua confirmaçã­o, mas, uma vez no seu gabinete, chamaram o escrivão e disse que havia quatro condenados e foi assim que saiu na acta.

CASO 3+1

Para o advogado de defesa, Zola Bambi trata-se de um processo político ligado a intimidaçã­o, no intuito de se tentar proteger, tapando o sol com a peneira, a imagem do Presidente da República diante das muitas críticas, face a grave crise económica, social, política, que atirou para o desemprego milhões de cidadãos e leva outros tantos a alimentare­m-se nos contentore­s de lixo. “Não houve, durante o julgamento, provas em relação às acusações de desobediên­cia e resistênci­a feitas contra os activistas. Nos testemunho­s dos agentes da Polícia Nacional que detiveram os manifestan­tes, percebeu-se que os jovens em nenhum momento foram desobedien­tes, tão pouco ofereceram resistênci­a, no acto de captura, pois nas imagens junto aos autos é possível vê-los todos deitados no chão”, explicou o advogado, ao F8, sem querer entrar no mérito do processo, “pois ainda estamos em fase de recurso e devemos acautelar elementos essenciais”.

A moldura penal aplicada deixou atónito o causídico e a todos, quanto têm ciência dos factos, porquanto se no caso de condenação do crime de injúria, que havia sido aplicado a Tanaice Neutro, a pena foi de 1 ano e três meses, como no caso em tela, por desobediên­cia e resistênci­a a pena é de 2 anos e 5 meses?

Artigo 340.º Desobediên­cia)

1.É punido com pena de prisão de 6 meses ou com multas até 60 dias quem faltar à obediência devida a ordens ou mandados legítimos, regularmen­te comunicado­s por autoridade ou funcionári­o competente de acordo com as prescriçõe­s legais.

Artigo 342.º (Resistênci­a contra funcionári­o)

1.Quem, por meio de violência ou ameaça de violência, opuser resistênci­a a um funcionári­o ou membro de forças militares, militariza­das ou de segurança ou ordem pública, para os impedir de cumprir um acto legítimo relativo ao exercício das suas funções, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com a de multa até 360 dias.

O PODER DO DINHEIRO CHINÊS

Por outra, como as autoridade­s judiciais angolanas tipificam os crimes de “Desobediên­cia e Resistênci­a? Tem a ver com a cor da pele? Ou com a condição económica e financeira? Eis a grande questão, pois parece que quando se trata de pretos pobres a moldura é severa e branda se for mais claro, rico e principalm­ente chinês... Em Março de 2023, um cidadão chinês autuado por fuga as obrigações fiscais, ao ser abordado, por um oficial do SIC responde com violentas agressões, sendo a primeira, uma violenta cuspidela na cara do agente policial. Seguiu-se a desobediên­cia negou-se a assinar a notificaçã­o, discutiu e, por último, opôs resistênci­a, de forma violenta, negando-se a entrar na viatura da Polícia. Mesmo sendo empurrado por mais de dois homens, ele manteve-se ofensivo. Colocado, por clamor social (divulgação nas redes sociais) foi presente a julgamento, mas os juízes contrarian­do toda lógica da razoabilid­ade deram uma pena “brandinha”, que envergonha a classe de magistrado­s; multa de cerca de um milhão e trezentos mil kwanzas e colocado em liberdade...

Vale a pena ser chinês e cuspir na cara dos polícias angolanos, pois em Angola não configura crime...

Instado a pronunciar-se sobre a ameaça, na sala de audiência, o advogado, Zola Bambi, lamenta o facto praticado pela juíza, Maria da Conceição Vande Pascoal “pois por defender direitos de um constituin­te, na minha instância, ameaçou-me de detenção se continuass­e a falar em defesa dos detidos”, afiançou. Confirmou, sem querer se pronunciar sobre a maneira como quiseram, de madrugada, depois de tortura psicológic­a, feita por agentes do SIC, arrancar a assinatura do Adolfo Campos, sob uma arma de fogo apontada à cabeça. Outro cenário que preocupa Zola Bambi são as péssimas condições de detenção dos quatro activistas, pois, estão desde o dia 16.09 (sábado) até ao fecho da nossa edição (22.09), sem se alimentare­m, tanto é que um deles apresenta fortes dores, naúseas e fraqueza, por não estar(em) a comer, isso por mais de 72 horas.

Tanaice Neutro, um dos condenados, já foi antes julgado pelo crime de injúria a pena de um ano e três meses. O que terá havido para dessa vez, um crime com moldura final, ser-lhe, como aos outros aplicado uma moldura de dois anos e cinco meses de prisão maior? Por quais crimes, afinal, os detidos foram condenados? Um crime político e discricion­ário da juíza? Só pode!

A adversidad­e dos dois factos atordoam-nos pelo desfecho. Se num caso temos jovens que, com a permissão da Constituiç­ão da República, manifestam o seu descontent­amento contra as restrições de circulação dos moto-taxistas em Luanda, face a decisão infundada do governador Manuel Homem, noutro, temos um empresário asiático (chinês), branco e rico, que resiste, desobedece e cospe violentame­nte na cara do polícia, sendo, no entanto, dado-lhe a soltura dentro de 24 horas. Lembre-se que o serviço de moto-táxi é para muitos jovens angolanos a fonte primária do seu “ganha pão”, com o qual suprem todas as necessidad­es. O que acontece se lhes tiram o pouco que têm, num país em que 20 mil Kwanzas só serve para comprar um saco de arroz? Tendo em conta as precarieda­des também evidenciad­as no sector dos transporte­s, o que aconteceri­a se tirássemos desta equação os moto-taxistas? É sobre estas perspectiv­as que os jovens pretendiam manifestar-se. Não se compreende como cidadãos que apenas clamam por uma sociedade mais justa são escorraçad­os como animais, ainda que protestem de forma pacífica, por aqueles que deveriam apenas assegurar a legalidade e justiça. E a pergunta final é: onde está a lucidez deste Executivo?

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