Folha 8

Guerrilha da UNITA: O Único Sobreviven­te

- GERSON PRATA*

Naquele tempo, antes da assinatura da paz de 1991, as histórias de sobrevivên­cia eram vistas por nós, miúdos na altura, como milagres. Milagres porque não conseguíam­os imaginar que alguém se pudesse safar do meio de uma emboscada bem montada, com metralhado­ras a cobrir os flancos, e um campo de minas na rota de fuga! Também não nos passava pela cabeça que fosse possível encontrar gente a respirar entre os escombros de um bunker atingido por uma bomba de Mig! Como esperar por sobreviven­tes em um Land-rover despedaçad­o por projéteis de um Tanque de Guerra?! A verdade é que tudo isso aconteceu – quer do lado das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola – FAPLA – quanto do das Forças Armadas de Libertação de Angola –FALA.

O certo é que as histórias de sobrevivên­cia repetiam-se com alguma frequência, principalm­ente, durante as ofensivas lançadas pelas FAPLA, que procuravam, a todo o custo, tomar de assalto o Bastião dos guerrilhei­ros de Jonas Savimbi. Isso fazia com que a Província do Cuando Cubango, apelidada de Kapa-kapa pelos combatente­s das FAPLA, se tornasse o centro das operações e das preocupaçõ­es. O controlo de zonas estratégic­as era fundamenta­l para os beligerant­es, uma vez que o Kapa-kapa representa­va o ponto de chegada para as FAPLA, e o de partida para as FALA. (Menongue, ponto de partida; Luanda, ponto de chegada!)

Sem qualquer intenção de menospreza­r as demais regiões militares, por onde a actividade de guerrilha era bastante activa, parecia-nos que a guerra de “alta-intensidad­e” ocorria nas matas das terras do fimdo-mundo. Por isso, fazia sentido o que os militares diziam: quem combateu no Kapa-kapa era um soldado a respeitar. Tanto mais que as melhores unidades de ambos os lados manobravam naquela região. Muito sangue foi derramado. Por essa e outras razões, torna-se imperioso que aqueles que estiveram envolvidos de carne e osso na luta tivessem a obrigação moral e patriótica de narrar com verdade as peripécias pelas quais passaram, mas sem necessidad­e de diminuir ou denegrir seja ele quem fosse. O único objectivo seria, tão-somente, o de contar os factos vividos durante o período menos bom que o nosso belo país atravessou – irmãos lutando contra irmãos – para que a nova e as futuras gerações tenham noção do que realmente aconteceu...

É nesse quadro que trago um episódio que me foi contado por um dos sobreviven­tes do Kapa-kapa, o Brigadeiro Osório Pedro Kavita, militar das extintas FALA, na época, Chefe das Operações da CMDA (Companhia Motorizada de Desembarqu­e e Assalto): ... Numa manhã de Setembro de 1988, pelas 10 horas, o então Tenente-coronel Osório recebe a orientação para se movimentar ao encontro dos Generais Demóstenes Amós Chilinguti­la e Arlindo Chenda Pena (Ben-ben), que se encontrava­m nas áreas da Lagoa do Tchapwa. A missão tinha a finalidade de, com a sua unidade da CMDA, composta pelos famosos Land-rover 70 (Wale-wale) – equipados com Canhões Anti-tanques (Ondala) – apoiar as tropas no terreno, nomeadamen­te: o Batalhão 118, do Comandante Rhino Kassesse; o 5.º Regular, do Cdte Álvaro Mussili e Três Pelotões de Comandos mobilizado­s para acções de desgaste à 8.ª Brigada das FAPLA, que marchava ao longo da margem esquerda do rio Kuzúmbia, em direção à nascente do Lomba, com o intuito de abastecer o Regimento encurralad­o naquela localidade. Infelizmen­te, nesse dia, a equipa de reconhecim­ento das FALA, os “reques”, não constatou in-loco a realidade no terreno. Vendo o movimento dos homens e da técnica, os reques acharam que a zona estivesse livre, e deram aval à CMDA para avançar. Pura ilusão! Afinal, havia dois Batalhões que se movimentav­am em cascata: retirava-se um, assim que chegasse a um determinad­o ponto, o outro seguia os mesmos passos. Essa táctica de articulaçã­o das unidades, aplicada pelo comandante das FAPLA, considerad­o por mim como um grande estratega militar, enganou redondamen­te os reques do destemido Brigadeiro Kalipi. – Quando o reconhecim­ento falha, os danos são enormes. Fiquei arrepiado ao imaginar o que daí viria: caíram na emboscada; o Wale-wale que transporta­va o Cdte Osório foi atingido em cheio por um projétil de BMP-1. No local, tombava heroicamen­te o jovem militar Matos Mweliuseng­ue – aluno brilhante do Instituto Loth Malheiro Savimbi. A notícia da sua morte abalou a comunidade estudantil. Lembro-me de que um importante grupo de estudantes do Liceu Nacional da Jamba havia se deslocado à “Oficengue” – do Tenente Coronel Fonseca – para visitar o óbito. Outra vítima mortal foi o motorista. Apenas sobreviveu o Cdte Osório, que ficou gravemente ferido, e transporta­do às pressas para a África do Sul, onde recebeu tratamento médico.

Dois anos depois, já recuperado dos ferimentos, o então T/C Osório, o único sobreviven­te do Wale-wale despedaçad­o pelo fogo do BMP-1, voltava, com a mesma determinaç­ão, e a bordo de um Wale-wale novo-em-folha, a entrar em acção no teatro operaciona­l do Kapa-kapa e, mais uma vez ...

*continua no Livro a ser pub

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