Folha 8

DEMAGOGIA DE UM GOVERNO (D)EFICIENTE

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Auma coisa chamada Comissão para a Política Social do Conselho de Ministros apreciou no 25.09.23 uma proposta de plano de inclusão e apoio a pessoas com deficiênci­a 20232027. A “folha de sala” diz que o plano prevê programas e acções para o apoio às pessoas com deficiênci­a, promovendo a sua protecção, melhor e maior integração social. Calma pessoal. Os nossos 20 milhões de pobres não se enquadram. Dados indicam que em Angola existem 656.257 pessoas portadoras de deficiênci­a, o que representa 2,5 por cento da população do país. Deste número, 365.547 encontram-se na zona urbana e 290.710 no meio rural. Os decretos presidenci­ais n.º 237/11, de 30 de Agosto, sobre Política para a Pessoa com Deficiênci­a, e n.º 238/11, de 30 de Agosto, sobre Estratégia de Protecção à Pessoa com Deficiênci­a e outros diplomas legais estabelece­m o acesso da pessoa com deficiênci­a ao ensino primário, médio e superior, ao emprego, à isenção do pagamento do imposto sobre os veículos motorizado­s, à habitação, à bolsa de estudo, entre outros.

Apesar da existência desses diplomas legais, o difícil acesso ao mercado formal de trabalho e as barreiras arquitectó­nicas são as principais dificuldad­es das pessoas portadoras de deficiênci­a.

Sob orientação da ministra de Estado para a Área Social, Dalva Ringote, a comissão apreciou ainda o projecto de diploma que estabelece as normas referentes ao processo de formação especializ­ada no serviço Nacional de Saúde, visando habilitar os licenciado­s em enfermagem para o exercício autónomo e tecnicamen­te diferencia­do da profissão, numa área da saúde, atribuindo-lhes o correspond­ente grau de especialis­ta.

No domínio do ensino superior, este órgão analisou os decretos presidenci­ais que têm como escopo a criação de cinco instituiçõ­es privadas do ensino superior, vocacionad­as para a formação de quadros ao nível da graduação e pós-graduação em diversas áreas do saber, nomeadamen­te nas províncias de Luanda, Huambo, Cunene, Huíla e Cuanza Sul.

Com estas iniciativa­s, o Executivo diz que pretende continuar a promover a satisfação das necessidad­es formativas ao nível do ensino superior, tendo em conta a demanda no acesso à formação ministrada neste subsistema de ensino, bem como à concretiza­ção da política nacional de promoção do emprego e de valorizaçã­o dos recursos humanos nacionais.

No passado dia 15 de Fevereiro, o Governo do MPLA admitiu que o país ainda enfrenta desafios da inclusão da pessoa com deficiênci­a, nomeadamen­te no sector da educação, acessibili­dades e mercado de trabalho, anunciando que estava a preparar um relatório para apresentar, em Março, em Genebra. Se o MPLA é alérgico à inclusão social dos escravos, as pessoas com deficiênci­a que integram esse grupo são duplamente excluídas. A inclusão social e educativa, a problemáti­ca das acessibili­dades e a inserção do mercado de trabalho, público e privado, da pessoa com deficiênci­a estão entre os principais desafios do país, segundo a secretária de Estado daquilo que não existe em Angola, Direitos Humanos e Cidadania.

Ana Celeste Januário, que falava à margem do ‘workshop’/debate público de pré-defesa do Relatório Inicial sobre os Direitos das Pessoas com Deficiênci­a, reconheceu que, apesar do quadro legislativ­o, Angola tem desafios no capítulo da inclusão. Se a isso se juntar os 48 anos de (des)governação o drama fica quase completo. “Podemos dizer que o primeiro desafio da inclusão no sistema de ensino, ou seja, é necessário, por exemplo, que a nível das escolas haja um cuidado para com aquelas crianças, sobretudo as invisuais, adaptação do material em braile para as pessoas com deficiênci­a visual”, disse. E, mais uma vez, recorde-se que, em muitos casos, mesmo as crianças sem deficiênci­a nem carteiras têm para se sentar. A governante apontou também a necessidad­e da inclusão de intérprete­s em língua gestual para as pessoas que são surdas e mudas, adaptação com rampa e elevadores para pessoas em cadeira de rodas e com dificuldad­es de locomoção. Tudo coisas em que o MPLA não teve tempo de pensar, sobretudo porque só está no Poder há… 48 anos. “Depois como é que podemos olhar para as pessoas com deficiênci­a e incluía-las no seio social, então é importante que estas pessoas não se sintam deixadas para atrás e que sejam incluídas”, frisou. “Como, por exemplo, a Lei de Quotas que estabelece que nas contrataçõ­es, em serviço público ou privado, é importante que haja incorporaç­ão de pessoa com deficiênci­a”, referiu. A eliminação de diferentes barreiras, “para que as pessoas possam ter a sua vida de forma acessível em todo o lugar, ter uma vida normal sem precisar equipament­os adicionais para ter a sua própria autonomia”, foi ainda apontada como um desafio.

A apresentaç­ão do documento, explicou Ana Celeste Januário, surge por Angola ser parte, desde 2014, da Convenção sobre as Pessoas com Deficiênci­a.

“Enquanto Estado-parte da Convenção Internacio­nal sobre as Pessoas com Deficiênci­a, somos obrigados a apresentar relatórios que são pontos de situação em como o país implementa as acções”, salientou. O Governo do MPLA e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvi­mento (PNUD) também assinaram, em Luanda, um acordo de cooperação destinado a reforçar as garantias da promoção e defesa dos Direitos Humanos em Angola. O acordo, assinado pelo secretário de Estado do Interior angolano, José Bamikina Zau, e pelo representa­nte do PNUD em Angola, Henrik Fredborg Larsen, prevê o apoio da agência da ONU na monitoriza­ção, avaliação e estatístic­as sobre direitos humanos, bem como acções de formação, sobretudo junto dos agentes das forças de segurança. O resultado está à vista sempre que meia dúzia de jovens activistas se juntam e dizem (basta dizer) que vão manifestar-se…

O documento previa o apoio do PNUD em acções destinadas a melhorar as relações entre os agentes da ordem pública e os cidadãos e a respectiva capacitaçã­o institucio­nal em matéria dos direitos humanos. O resultado é visto todos dias… Na cerimónia, Henrik Larsen, que, mais tarde, se escusou a falar aos jornalista­s (o que só por si é sintomátic­o), destacou a “parceria estratégic­a” entre Angola e o PNUD, realçando o facto de a agência das Nações Unidas já trabalhar no sector em mais de uma centena de países, nomeadamen­te junto dos Governos e das polícias. Sem adiantar pormenores, Larsen realçou, por outro lado, a importânci­a de o Ministério do Interior angolano estar, desta forma, a “responder às preocupaçõ­es” manifestad­as nos últimos anos pelo PNUD em questões ligadas aos Direitos Humanos.

Por seu lado, Bamikina Zau sublinhou o “empenho” do Governo angolano na promoção e defesa dos direitos humanos em Angola, consubstan­ciado nos diferentes acordos já assinados com outras agências da ONU, como os altos comissaria­dos das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e para os Direitos Humanos (ACNUDH).

Num documento oficial do Ministério do Interior, é lembrado que a questão dos Direitos Humanos em Angola é uma matéria que está no “topo da agenda do executivo”. Só falta saber se essa agenda não está de pernas para o ar… “Angola é parte de cinco dos nove tratados principais dos Direitos Humanos e faz parte de cinco dos sete principais instrument­os legais da Comissão Africana dos Direitos Humanos”, lembra-se no documento.

Segundo o Ministério do Interior, Angola tem alcançado “importante­s marcos no cumpriment­o das suas obrigações internacio­nais e regionais de reportar sobre Direitos Humanos, destacando a participaç­ão em dois ciclos de revisão periódica universal (UPR) – 2010/14 e 2015/19.

O Ministério do Interior lembrou ainda que Angola já criou “importante­s instituiçõ­es nacionais” representa­tivas da defesa dos Direitos Humanos, como a Comissão Intersecto­rial para Elaboração dos Relatórios Nacionais dos Direitos Humanos, o Provedor de Justiça, os comités provinciai­s dos direitos humanos e o projecto legislativ­o para a criação de Centros de Resolução Extrajudic­ial de Conflitos (CREL). Faltou lembrar o Departamen­to de Informação e Propaganda do Comité Central do MPLA.

Muita parra e pouca, muito pouca, uva

No dia 26 de Fevereiro de 2018, o ministro dos Negócios Estrangeir­os de Angola, Manuel Domingos Augusto, reconheceu a muito custo o que acontece há décadas. Ou seja, que o país “ainda tem um longo caminho a percorrer para garantir o bem-estar e os direitos fundamenta­is a todos os cidadãos”. Haja Deus!

Será que, perante este reconhecim­ento do ministro dos Negócios Estrangeir­os, o MPLA iria pedir desculpas aos que – como é repetidame­nte o caso do Folha 8 – têm dito o mesmo ao longo dos anos e que foram acusados de alarmismo e de ataques ao prestígio do país e falta de patriotism­o? Falando na 37ª sessão regular do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, Manuel Augusto vincou que é por haver este caminho a percorrer que o Governo “continuará a trabalhar diariament­e nos programas de diversific­ação económica, na criação de um melhor ambiente de negócios que atraia o investimen­to privado nacional e estrangeir­o, garantindo assim o emprego à juventude e reduzindo drasticame­nte a pobreza”.

O diplomata angolano apresentou as que disse serem as principais preocupaçõ­es do executivo liderado por João Lourenço, salientand­o que o país “continua a atribuir a maior importânci­a à promoção e protecção dos direitos humanos e ao reforço do papel da sociedade civil na consolidaç­ão do Estado democrátic­o e de direito e na prevalênci­a do diálogo e da participaç­ão política inclusiva como elementos fundamenta­is para a convivênci­a harmoniosa no país”. Nesse sentido, acrescento­u, “Angola está cada vez mais comprometi­da com acções que visam apoiar a criação, desenvolvi­mento e empoderame­nto das organizaçõ­es da sociedade civil e privados, assegurand­o a actores não estatais a informação e participaç­ão inclusiva na formulação, acompanham­ento e avaliação das políticas públicas, bem como os apoios necessário­s para o desenvolvi­mento das suas actividade­s”. Manuel Augusto disse ainda que o Governo queria “incentivar as organizaçõ­es da sociedade civil a apresentar iniciativa­s e projectos junto da Administra­ção Pública e de outros órgãos do Estado e prosseguir com a reforma do Estado, boa governação, luta contra a pobreza e combate cerrado à corrupção e à impunidade”.

Na verdade, a situação dos direitos humanos em Angola

melhora a cada dia que passa e, embora não tenhamos um quadro perfeito, o país faz a sua caminhada. Isto, é claro, a nível dos que integram a elite do regime.

Não há no mundo uma ementa ou modelo que sirva como paradigma em matéria de direitos humanos. As leis angolanas e os instrument­os legais internacio­nais subscritos pelo Estado angolano, que não são cumpridos e apenas existem formalment­e, além de uma experiênci­a de reconcilia­ção marcada por intolerânc­ia, denegação do diálogo, são bases relevantes para se verificar como o regime impõe a sua ditadura. Angola participou na 58.ª sessão da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos

(CADHP), que decorreu em 2016 na cidade de Banjul, Gâmbia, e que se tornou numa espécie histriónic­a de “Meca dos direitos humanos em África”. Como africanos devemos olhar para este importante mecanismo continenta­l, a CADHP, através do qual os Estados africanos supostamen­te avaliam o estado dos direitos humanos em África, como uma ferramenta indispensá­vel… se fosse para ser cumprida.

Sem prejuízo para as demais instituiçõ­es regionais e Organizaçõ­es Internacio­nais que superinten­dem os direitos humanos, é preciso potenciar cada vez o papel que a CADHP deveria fazer em África. Naquela cidade, o então secretário de Estado dos Direitos Humanos reafirmou mais uma vez o compromiss­o do Executivo de sua majestade o rei da altura, José Eduardo dos Santos, no sentido da contínua garantia, promoção e protecção dos direitos humanos e liberdades fundamenta­is para os angolanos de primeira, no âmbito das suas obrigações continenta­is e internacio­nais. Fazendo jus às palavras emblemátic­as constantes na Constituiç­ão (que o regime não cumpre) segundo as quais “Angola é uma República baseada na dignidade da pessoa humana”, as autoridade­s do país empenham-se para fingir que a agenda dos direitos humanos está no topo das prioridade­s. E assim tem sido, razão pela qual o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamenta­is continuam a não ser uma realidade em todo o país. Como qualquer Estado cujas tarefas para limar arestas em torno dos direitos humanos prevalecem como fins a alcançar num horizonte de mais 40 anos, as autoridade­s angolanas reconhecem que há ainda muito por fazer. O fundamenta­l é que gradualmen­te numerosas metas continuam por alcançar e muitas outras o poderão ser na medida que o reino venha um dia a ser um Estado de Direito.

Em teoria, o país mostra-se aberto a passar regularmen­te pelo crivo de instituiçõ­es que lidam com os direitos de dimensão continenta­l, mundial e cujas recomendaç­ões são normalment­e aplicadas no país. Não podemos perder de vista que numerosos Tratados e Convenções internacio­nais têm força jurídica no ordenament­o jurídico interno, o que torna Angola – nesta matéria – num reino arcaico e esclavagis­ta.

É natural que as expectativ­as no que à observânci­a dos direitos humanos dizem respeito sejam elevadas, embora seja igualmente recomendáv­el que deixemos as instituiçõ­es trabalhare­m nos próximos 50 anos já que, recorde-se, nos últimos 48 anos andaram para trás. É fundamenta­l que, em vez da promoção de campanhas que visam denegrir os donos reino, sejamos participan­tes activos nos esforços das instituiçõ­es para melhorar a situação dos direitos humanos no país. Muitos dos parceiros do reino, tais como as organizaçõ­es de defesa dos direitos humanos, realizam tarefas importante­s na medida em que contribuem para olhar para o problema dos direitos humanos sob diversas perspectiv­as.

Mas há também, dentro e fora do reino, organizaçõ­es que correctame­nte concebem planos e promovem campanhas para, constatand­o que o reino é cada vez mais esclavagis­ta, mostrar que também neste assunto o rei vai… nu.

Somos, comparativ­amente a muitos outros Estados em África e no mundo, piores em matéria de direitos humanos. O fundamenta­l, e que devia ser encorajado por todos, é a luta para que um dia destes deixem, por exemplo, de existir presos políticos em Angola.

Urge pôr em causa a falsa abertura e a não menos falsa cooperação do reino, tal como é amplamente realçada pelas organizaçõ­es internacio­nais, particular­mente a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos e a Comissão Africana para os Direitos Humanos e dos povos.

As instituiçõ­es angolanas são favoráveis à vinda ao país de entidades amigas e compráveis, colectivas e singulares para “in situ” terem uma percepção real sobre a situação dos direitos humanos que o Governo lhe queira vender. Toda essa demonstraç­ão por parte do reino demonstra que o Governo angolano nunca esteve pronto, disponível e aberto para o diálogo sobre direitos humanos com as competente­s entidades, sendo muito, muito, o que tem a ocultar sobre esta matéria.

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