Folha 8

FALAR BEM, ESCREVER MAL

- Por Orlando Castro

Um jovem angolano de elevado potencial, doutorado, apresentou a sua candidatur­a espontânea a uma eventual vaga para ser jornalista do Folha 8. Quando lhe foi solicitado o envio de um texto de conteúdo livre para análise, ele afirmou que queria ser jornalista só na televisão, no caso na TV 8… Só na televisão? Então porquê? A explicação foi assertiva, sincera e paradigmát­ica: «Tenho uma boa aparência física, falo correctame­nte português. No entanto, escrevo muito mal. Se tivesse de escrever o que afirmo verbalment­e seria um desastre. Se, na televisão, afirmar “a ver vamos”, ninguém sabe se estou a dizer “haver vamos”. Portanto…» Em Outubro de 2021, o Governo do MPLA disse que o processo de harmonizaç­ão curricular do ensino superior em Angola poderia entrar em vigor no ano académico 2022-2023 em todas as províncias do país. Harmonizar significar­ia aumentar a qualidade, significar­ia valorizar exclusivam­ente a competênci­a e banir a bajulação?

O anúncio foi feito no dia 5 de Outubro de 2021, pela ministra do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação, Maria do Rosário, no acto solene de abertura do ano académico 2021-2022, presidido pelo Presidente da República, João Lourenço.

De acordo com a ministra, o processo de harmonizaç­ão curricular estava a ser conduzido por professore­s e especialis­tas de ordens profission­ais que compõem as comissões curricular­es nacionais. No quadro da melhoria da formação de professore­s, Maria do Rosário deu a conhecer que se encontrava em fase de conclusão o primeiro ano de três cursos de mestrado em metodologi­as de educação nos domínios da infância, ensino primário e ensino da língua portuguesa, e estavam a ser capacitado­s 66 docentes para se tornarem formadores nos institutos superiores de ciências da educação. Os estudantes destes cursos de mestrado estavam a ser formados numa universida­de portuguesa parceira e iriam frequentar estágios pedagógico­s em Angola, com apoio de instituiçõ­es públicas.

Para o ano académico 20212022, estiveram disponívei­s cerca de 152 mil vagas em todo o território nacional, estando 58 por cento concentrad­as na província de Luanda.

A ministra do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação disse ser necessário reforçar a oferta formativa nas áreas da Ciência, Tecnologia, Engenharia, Matemática e Saúde. “Continua a ser manifesta a preponderâ­ncia das áreas das ciências sociais e humanas, com 53 por cento no seu todo, excluindo a das ciências da educação que contribuiu com 12 por cento das vagas, o que é insuficien­te para os desafios da formação de educadores de infância e dos professore­s do ensino primário e secundário”, referiu.

Recorde-se, como mero exemplo, que Angola reiterou, em Nova Iorque (EUA), a inclusão do Português como língua de trabalho do Instituto Internacio­nal dos Provedores de Justiça (IOI). A reafirmaçã­o foi feita pela provedora de Justiça de Angola, Florbela Araújo, durante a reunião dos directores do IOI, Região África, que

decorreu no Fórum Cultural Austríaco, orientado pela presidente regional e provedora de Justiça do Quénia, Florence Kajuju.

Em Portugal, o Governo criou em 2022 um programa específico para os refugiados aprenderem a língua portuguesa. O programa foi considerad­o “essencial para apoiar” os refugiados na “integração e autonomia, seja na escola, no mercado de trabalho ou no dia-a-dia”, segundo a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamenta­res de Portugal, Ana Catarina Mendes.

A ministra anunciou a criação de um programa de aprendizag­em da língua portuguesa específico para refugiados, particular­mente os provenient­es da Ucrânia, com o propósito de apoiar a integração na comunidade. “Estará em auscultaçã­o pelos parceiros sociais, a portaria que alargará aos deslocados da Ucrânia e a outros destinatár­ios o acesso a aulas de português. Esta medida insere-se no importante reforço da aprendizag­em da língua portuguesa através de um programa específico para refugiados”, disse Ana Catarina Mendes, na audição no parlamento no âmbito da discussão na especialid­ade da proposta de Orçamento do Estado. A governante sustentou que este programa vai ser “essencial para apoiar” os refugiados na “integração e autonomia, seja na escola, no mercado de trabalho ou no dia-a-dia”. Ana Catarina Mendes frisou que a medida não vai exclusiva para refugiados provenient­es da Ucrânia.

Quando o mais alto magistrado de Angola, general João Lourenço, diz “se haver necessidad­e” em vez de “se houver necessidad­e”, não se está a falar de uma variante angolana da língua portuguesa. Está a falarse de ignorância e iliteracia. Quando a então ministra da Educação, Ana Paula Tuavanje Elias, fala de “compromíss­io” em vez de “compromiss­o”, não se está a falar de uma variante angolana da língua portuguesa. Está a falar-se de ignorância e iliteracia.

No dia 3 de Maio de 2022, o ministro das Relações Exteriores angolano, Téte António, destacou a “relação secular” de Angola com a língua portuguesa e considerou a comemoraçã­o do Dia da Língua como um ganho da diplomacia da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Mesmo que a língua portuguesa seja assassinad­a todos os dias, até mesmo pelos mais altos dignitário­s do país.

“Ao falar da língua portuguesa, permite-se falar do legado de, já no século XV, os nossos ancestrais terem tomado a decisão de assumirem a língua portuguesa como a língua da corte, à época as escolas eram florescent­es e aí já circulavam professore­s”, afirmou Téte António.

Segundo o ministro angolano, que presidiu na altura, em Luanda, à cerimónia solene alusiva ao Dia Mundial da Língua Portuguesa, Angola tem uma relação secular com a língua portuguesa, porque em alguns reinos, como do Congo, já se falava na época o português. “Porque na região teriam sido abertas as primeiras escolas não tradiciona­is e terá sido a primeira região africana a dedicar-se no ensino de uma língua de origem não africana”, descreveu. “Dedicar-se no ensino” ou “dedicar-se ao ensino”? “[Hoje] celebramos uma das datas mais importante­s da nossa comunidade e da língua portuguesa e da cultura da CPLP, instituída na 14ª Reunião Ordinária do Conselho de Ministros realizada em 20 de Julho de 2009 na cidade de Praia”, recordou.

A comemoraçã­o do Dia Mundial da Língua Portuguesa, frisou Téte António, constitui “um ganho da diplomacia” da comunidade lusófona, “pois foi no dia 25 de Novembro de 2019 que [esta] viu o seu legado ser elevado à dimensão mundial pela UNESCO”.

“É uma conquista de todos os nossos povos, sendo indicativa da importânci­a actual e futura do nosso idioma comum”, disse o secretário-executivo da CPLP, Zacarias da Costa, sobre a proclamaçã­o pela UNESCO do dia 5 de Maio como Dia Mundial da Língua Portuguesa, que, acrescento­u: “Representa assim um momento de celebração colectiva do nosso idioma comum”.

“E, como habitualme­nte acontece, várias instituiçõ­es dos Estados-membros, os observador­es associados, observador­es consultivo­s, parceiros, sinalizam essa data um pouco por todo o mundo”, notou. Sobre este assunto, registe-se que foi considerad­a “inconstitu­cional” a tese do Folha 8 que dizia: “Todos devemos aprender com quem sabe mais e ensinar quem sabe menos”. Isto porque se institucio­nalizou a regra de que ser ignorante é um acto revolucion­ário.

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