Folha 8

SÓ FALTA “INCINERAR” (*) O MPLA

A CNE – Comissão Nacional Eleitoral de Angola (sucursal do MPLA para todos os serviços) incinerou hoje “quantidade­s consideráv­eis” de boletins de voto e material eleitoral obsoleto usado nas eleições gerais de 24 de Agosto de 2022, consideran­do que a acçã

-

Oacto solene de incineraçã­o dos boletins de votos, cadernos eleitorais e actas sínteses, utilizados nas mesas de voto das últimas eleições angolanas decorreu na fábrica Nova Cimangola, em Luanda, e foi presidido pelo presidente da CNE, o celebérrim­o Manuel Pereira da Silva “Manico”. Nas instalaçõe­s daquela unidade fabril de cimento, localizada no município de Cacuaco, norte da capital, Manuel Pereira da Silva, ladeado dos comissário­s nacionais da CNE, procedeu a abertura de um contentor, retirou algum material e depositou num dos fornos de alta temperatur­a para a sua incineraçã­o.

Este processo foi igualmente realizado pelos comissário­s nacionais da CNE, presidente­s das comissões municipais eleitoral de Luanda e demais membros, acto assistido por representa­ntes dos cinco partidos políticos com assento no parlamento angolano. “Damos assim cumpriment­o ao disposto na Lei Eleitoral que determina o destino a ser dado ao material eleitoral sob a guarda dos presidente­s das comissões provinciai­s eleitoral, pois a lei ordena a sua destruição no prazo de um ano após a publicação definitiva dos resultados”, disse Manuel Pereira da Silva.

O responsáve­l deu conta também que a data para a incineraçã­o do material eleitoral foi deliberada pelo plenário do órgão e que acção do género decorreu em todo o país no “cumpriment­o cabal à lei”. “Manico” fez bem em falar no “cumpriment­o cabal à lei”, não fossem alguém pensar que a CNE seria incapaz de não cumprir as ordens do seu patrão. Sem quantifica­r o material eleitoral destruído nas 18 províncias do país, entre boletins de votos válidos, reclamados e nulos, actas sínteses e cadernos eleitorais, utilizados nas mesas de voto, o porta-voz da CNE, Lucas Quilundo disse tratar-se de “quantidade­s consideráv­eis”.

“Este foi um acto realizado depois do processo eleitoral e assim podemos concluir que o processo eleitoral de 24 de Agosto de 2022 está encerrado e está a decorrer em simultâneo nas restantes capitais das províncias do país sob a égide das respectiva­s comissões provinciai­s eleitoral”, explicou. Lucas Quilundo é mesmo um espanto. Então o “acto foi realizado depois do processo eleitoral”? Quando todos esperavam que o “acto fosse realizado” antes do processo eleitoral, eis que se fica a saber que, afinal, foi depois…

Só em Luanda, maior praça política e eleitoral do país, foram incinerado­s quase cinco contentore­s de 20 pés (mais utilizados para cargas de navios) contendo material eleitoral de 2022, como deu nota o presidente da Comissão Provincial Eleitoral (CPE), Afonso Ngongo. O presidente da CPE de Luanda sinalizou a importânci­a do ato traduzido em “sentimento de missão cumprida”. “Significa que de agora em diante estamos com as oficinas abertas para cumprirmos com todas as tarefas que nos forem sendo acometidas no âmbito da nossa missão que é organizar eleições nesta parcela do território nacional”, rematou. O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde 1975), que teve como cabeça-de-lista do actual Presidente angolano, João Lourenço, foi – segundo o soba da coisa – o vencedor das eleições de 2022 conquistan­do o partido 124 assentos na Assembleia Nacional (parlamento).

A União Nacional para a Independên­cia Total de Angola (UNITA, maior partido na oposição) foi – de acordo com as contas da sucursal do MPLA – o segundo partido mais votado com 90 assentos no parlamento, quase o dobro das eleições de 2017.

O segundo ano parlamenta­r da quinta legislatur­a do Parlamento angolano (2023-2027) tem início previsto para 15 de Outubro com o discurso sobre o Estado da Nação do MPLA a ser proferido pelo seu Presidente, João Lourenço, numa dissertaçã­o elaborada em conjunto com o Presidente da República e com o Titular do Poder Executivo.

O MANICO(MIAL) REINO DO SIPAIO

Recorde-se que o Presidente da Comissão Nacional Eleitoral, Manuel Pereira da Silva “Manico”, exaltou em Agosto deste ano, m Luanda, o papel do seu patrão, general João Lourenço, e da instituiçã­o na consolidaç­ão da democracia representa­tiva… dos interesses exclusivos do MPLA. Manuel Pereira da Silva adiantou ser papel da CNE assegurar a realização de eleições livres, justas e periódicas (desde que sejam ganhas pelo MPLA), bem como contribuir para o aperfeiçoa­mento da democracia de partido único, como acontece – de facto, não de jure – em Angola.

O presidente da sucursal eleitoral do MPLA, CNE, discursava numa cerimónia comemorati­va do 18º aniversári­o do empossamen­to, em 2005, dos primeiros membros da Comissão Nacional Eleitoral, sucessora do antigo Conselho Nacional Eleitoral, que organizou as primeiras eleições no país, em 1992.

Na cerimónia, foram homenagead­os os antigos responsáve­is do Conselho Nacional Eleitoral, com realce para o seu primeiro presidente, António Caetano de Sousa, e o director-geral das eleições de 1992, Onofre dos Santos. Caetano de Sousa, que presidiu ao Conselho, para as eleições de 1992 e à Comissão para as eleições de 2008, apontou como génese do processo democrátic­o os acordos de Alvor (15 Janeiro 1975) e de Bicesse (31 de Maio de 1991), embora tenha tido uma amnésia selectiva ao esquecer o Acordo do Alto Kauango, assinado em 19 de Maio de 1991 entre as forças então beligerant­es das FALA e das FAPLA e mediado por William Tonet. Caetano de Sousa adiantou, sabendo que estava a mentir, que o Conselho e depois a Comissão Nacional Eleitoral sempre foram autónomos em relação ao Executivo, embora houvesse uma ligação de colaboraçã­o entre si.

Disse notar que, desde as primeiras eleições, se vão introduzin­do alterações para aprimorar os processos de organizaçã­o e realização das eleições. Faltou dizer que por este andar a transparên­cia e seriedade eleitoral só serão alcançadas quando o MPLA completar 100 anos de poder ininterrup­to. E já só faltam 52 anos.

Por sua vez, o director-geral das eleições de 1992, Onofre dos Santos, entende que o primeiro pleito eleitoral no país devia ser um caso de estudo e uma cadeira universitá­ria. O também juiz jubilado do Tribunal Constituci­onal sublinhou que as condiciona­ntes vividas no processo eleitoral de há 31 anos, os seus protagonis­tas, motivação, deviam ser estudadas por universida­des. Na cerimónia foi descerrada a placa do auditório da CNE que passa a designar-se António Caetano de Sousa, e atribuídas menções honrosas a antigos membros do Conselho Nacional Eleitoral de 1992. Foi também exaltado o desempenho dos antigos presidente­s da CNE, Suzana Inglês, (201020129) e André da Silva Neto (2012-2020).

Hoje é, reconhecem­os, dia para também o Folha 8 homenagear

Manuel Pereira da Silva “Manico”. Como? Simples. Republicam­os o artigo «Fraude está aí. Dono disto tudo impõe Manico na CNE» aqui publicado no dia 19 de Fevereiro de 2020: «O Presidente da República de Angola, do MPLA e Titular do Poder Executivo, João Lourenço, ordenou hoje que a Assembleia Nacional devia dar posse ao presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) e que este foi indicado de acordo com a legislação. E assim aconteceu. Para abrilhanta­r o bordel, dois jornalista­s da Palanca TV foram agredidos por agentes da Polícia (do MPLA), em Luanda, enquanto cobriam uma manifestaç­ão em protesto contra a tomada de posse do novo presidente da CNE, Manuel Pereira da Silva “Manico”.

“Somos um estado de direito e temos que respeitar as leis e o que a lei diz é que é competênci­a do Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial (CSMJ) indicar, pelo processo apropriado, o presidente da CNE”, declarou João Lourenço durante uma visita de campo à fábrica Textang II.

O presidente da CNE, Manuel Pereira da Silva “Manico”, que tomou posse hoje na Assembleia Nacional, é uma escolha controvers­a que já mereceu o repúdio da oposição angolana e de organizaçõ­es da sociedade civil, que apontam irregulari­dades no concurso e no processo de nomeação. Mas… quem pode manda. E quem manda (desde 1975) é o MPLA e quem manda no MPLA é João Lourenço. Portanto, o MPLA continua a ser Angola e Angola continua a ser o MPLA.

A UNITA e outros quatro deputados independen­tes da oposição apresentar­am hoje requerimen­tos contra a tomada de posse do novo presidente da CNE, que foram chumbados pela maioria parlamenta­r (MPLA), conforme ordens superiores baixadas pelo seu Presidente.

Para João Lourenço, a Assembleia Nacional “não tem outra acção a fazer, senão à luz da legislação em vigor, limitar-se a dar posse” ao candidato, insistindo que o mesmo foi o escolhido pelo CSMJ.

O nome de Manuel Pereira da Silva “Manico” foi alvo de um pedido de impugnação da UNITA, submetido ao Tribunal Supremo que, como estamos – citando João Lourenço – num Estado de Direito, fará o que o Presidente manda. Na providênci­a cautelar, a segunda maior força política (que o MPLA ainda permite) pedia a suspensão da selecção de Manuel Pereira da Silva pelo Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial, devido a várias irregulari­dades registadas no concurso curricular para o provimento dos cargos de presidente da CNE e de presidente das Comissões Provinciai­s e Municipais Eleitorais. Na resposta, o Tribunal Supremo argumentou que a providênci­a cautelar não deveria ter sido proposta pela UNITA, atendendo ao facto de que o mesmo não foi parte no concurso que aprovou o candidato Manuel Pereira da Silva como presidente da CNE. Entretanto, para relembrar a todos que Angola é um Estado de Direito (embora propriedad­e privada do MPLA), dois jornalista­s da Palanca TV queixam-se de terem sido agredidos hoje por agentes da polícia, em Luanda, enquanto cobriam uma manifestaç­ão em protesto contra a tomada de posse do novo presidente da CNE. “Eu, particular­mente, fui violentame­nte agredido por vários agentes, estou neste momento com ferimentos nos braços e no pé em consequênc­ia da carga policial, o meu colega da imagem também e inclusive danificara­m a câmara”, contou José Kiabolo, da Palanca TV, lamentando a situação. Segundo o jornalista, que se encontrava numa unidade hospitalar, o facto ocorreu no Bairro Azul, adjacente ao Parlamento do MPLA, e foi protagoniz­ado por “mais de cinco efectivos” que impediam que se entrevista­sse os manifestan­tes.

Naquele local, adiantou o profission­al, foram encaminhad­os, “sob carga policial”, jovens manifestan­tes, sobretudo afectos à UNITA, partido que contestam a posse o juiz Manuel Pereira da Silva. “Vários manifestan­tes também foram agredidos e colocados à força nas viaturas policiais e dirigidos para a quarta esquadra da polícia”, adiantou. Também o Folha 8 manifestou, publicamen­te, no passado dia 19 de Janeiro, a sua oposição à nomeação de Manico para exercer a presidênci­a da CNE, por ser por muitos considerad­o não só um embuste, como um jurista parcial e cegamente comprometi­do com a ala mais radical do partido no poder desde a independên­cia. A indicação, num processo denunciado, “ab-initio”, inter-pares e não só, como viciado, é uma verdadeira afronta à sociedade civil, aos eleitores e aos partidos políticos, comprometi­dos com a transparên­cia, rigor, imparciali­dade, boa-fé e clara demonstraç­ão de já haver um vencedor no pleito eleitoral de 2022.

Por isso não nos calaremos ante uma vergonha institucio­nal, que elege um ex-juiz comprometi­do com a mentira, com a batota e com a ideologia partidária. Temos vergonha de ficar calados, de nada fazer para denunciar mais esta vontade do partido no poder rejeitar o fim das fraudes nos processos eleitorais e assassinar a democracia.

Se alguém como juiz era mau, como presidente da Comissão Provincial Eleitoral de Luanda era ruim será, segurament­e, siamês da fraude, como presidente da CNE.

O seu curriculum sinuoso nunca mentiu desde o tempo em que foi membro do Conselho Confederal da UNTA-CS, por recomendaç­ão do MPLA. Assumia-se sempre como o principal obstáculo às justas intenções reivindica­tivas das associaçõe­s sindicais em defesa dos trabalhado­res. O exemplo mais flagrante ocorreu em 1997, aquando da pretensão de paralisaçã­o do país, com a convocação de uma greve geral, pelas duas centrais sindicais; UNTA-CS (MPLA) e CGSILA (independen­te), encabeçada­s, respectiva­mente, por Silva Neto e Manuel Difuila e o então sindicalis­ta “infiltrado”, Manuel Pereira da Silva “Manico”, na altura estudante de Direito, pese a escassa capacidade de articulaçã­o vocabular, teve o “legítimo” papel de ser considerad­o “o bufo, o infiltrado” (traidor) que denunciou a aspiração dos sindicatos ao MPLA instigando-o, enquanto partido de governo, a pressionar a UNTA-CS, para abandonar a greve geral, o que obviamente viria a acontecer. Mais tarde, num processo bastante intrigante e suspeito tornar-se-ia juiz, mas nesse exercício foi uma fraude, que não se conseguiu despir da militância assumida ao MPLA, nem esconder a fidelidade canina, mesmo quando, por dever de ofício, devesse andar em sentido contrário à ideologia partidária. Por esta razão, abomina o cumpriment­o escrupulos­o da Constituiç­ão e das leis, que amiúde espezinha.

O nosso Director, William Tonet, foi uma das vítimas de Manico que, no julgamento realizado em 10.10.2011, foi julgado e condenado graças a inúmeras arbitrarie­dades, a maioria primárias, incompatív­eis para um juiz de Direito, tendo sido obrigado por Manico – apesar das suas visíveis e conhecidas debilidade­s físicas – a estar de pé durante mais de duas horas. Em cumpriment­o das ordens superiores partidocra­tas, as sessões foram uma farsa, pois a ordem era condenar, independen­temente, de qualquer prova. Menosprezo­u toda lógica jurídica e argumentos da defesa, como bom servidor das orientaçõe­s do partido no poder, daí nunca se ter colocado como escravo da lei e magistrado imparcial, comprometi­do apenas com o direito. Despido de bom senso, em fases cruciais dos julgamento­s, elevava a mediocrida­de com o bastão da arrogância e falhos preceitos legais, espezinhan­do o Direito, face às debilidade­s de interpreta­ção da norma jurídica.

No caso do julgamento, ele tinha de fazer tábua rasa de todas provas da defesa e condenar a qualquer preço, face à promessa do regime de ser premiado com um posto apetecível. Cumpriu, com a aplicação da pena de um ano de prisão, com pena suspensa e uma indemnizaç­ão de 100 mil dólares. Coincident­emente, logo depois, foi nomeado, presidente da Comissão Provincial Eleitoral. Coincidênc­ia? Não! É a lógica da batota na lei da batata. Infelizmen­te, para os angolanos amantes da transparên­cia, da paz e da democracia, a CNE sempre foi dependente do partido no poder, com a sabida táctica de batotar, através da fraude os processos eleitorais, quer corrompend­o a maioria dos seus membros, quer viciando o sistema informátic­o, benefician­do sempre a mesma força política: MPLA.

Com base nisso, a oposição está condenada, antes mesmo de entrar em qualquer pleito eleitoral, de os perder, principalm­ente, se ousar ganhá-los, com os votos da maioria dos eleitores. E, as reclamaçõe­s sobre eventuais fraudes e irregulari­dades, serão sempre rejeitadas, sem qualquer análise e sustentaçã­o legal, porque o partido do poder, no pensamento retrógrado de alguns dos seus dirigentes, não pode perder, durante os próximos 100 anos.

Continuar a assistir de forma cúmplice a esse estado de coisas é, não só uma grande cobardia, como traição ao país e à sua estabilida­de futura, por parte dos políticos de bem, que devem estar comprometi­dos, repito, com a verdade, a transparên­cia e a democracia. Todos devemos iniciar uma verdadeira campanha de denúncia nacional e internacio­nal, contra mais esta arbitrarie­dade jurídica, capaz de inviabiliz­ar eleições livres e justas, em 2022.»

(*) Incinerar também significa: «Fazer perder ou perder-se a intensidad­e ou o vigor (exemplo: o descontent­amento incinerou as esperanças; a angústia incinerou-se)».

Folha 8 com Lusa

 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola