Folha 8

MAIS UM ESFORÇO E CONSEGUIRE­MOS VIVER SEM… COMER

O director do departamen­to africano do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), Abebe Aemro Selassie, defende que a inflação, a política monetária, a dívida e as condições de vida são as quatro áreas prioritári­as de acção para os governos da região. A medicaç

- Folha 8 com Lusa

Abebe Aemro Selassie, o prescritor de serviço do FMI, diz que “há quatro nuvens no horizonte, que vão requerer medidas políticas determinad­as, a começar pela inflação, que está demasiado alta e acima de dois dígitos em 14 países; depois, pressões nas taxas de câmbio, acompanhad­as de vulnerabil­idades da dívida e o aprofundam­ento das divergênci­as económicas na região”, disse Abebe Aemro Selassie. Brilhante. Aplicável em todos os lados e em todas as esquinas. E com total sucesso. Os povos que se sujeitaram à medicação sugerida pelo FMI comprovam que só os vivos morrem e, mais do que isso, que quem não morrer estará vivo…

Falando durante a conferênci­a de imprensa de apresentaç­ão do relatório sobre as Perspectiv­as Económicas Regionais para a África subsaarian­a, que decorreu no âmbito dos Encontros Anuais do Fundo Monetário Internacio­nal e do Banco Mundial, o responsáve­l vincou que “2023 tem sido um ano difícil para a actividade nas economias africanas”, com a guerra na Ucrânia a impulsiona­r as taxas de juro a nível mundial.

Este aumento causa um abrandamen­to na procura mundial, subida das taxas de juro e pressões sobre as taxas de câmbio, o que fará com que o cresciment­o desça de 4%, em 2022, para 3,3% este ano, acrescento­u. Apesar do brilhantis­mo e eruditismo de Abebe Aemro Selassie, qualquer zungueira dirá – à sua maneira – a mesma coisa.

No que diz respeito à questão da dívida dos países da região, cuja média do rácio sobre o Produto Interno Bruto deverá ultrapassa­r os 60% este ano, Abebe Selassie disse que é preciso garantir o cumpriment­o das obrigações ao mesmo tempo que se cria espaço para a despesa no desenvolvi­mento. “Para boa parte da região, a política orçamental dever adaptar-se a um envelope de financiame­nto menor e a elevadas vulnerabil­idades da dívida, o que envolve uma melhor mobilizaçã­o de recursos internos, uma abordagem estratégic­a sobre a despesa, prudente endividame­nto e uma política orçamental ancorada num enquadrame­nto credível de médio prazo”, diz o expert do FMI, quase parecendo José de Lima Massano.

Nos países onde a dívida é insustentá­vel, uma reestrutur­ação pode também ser necessária, disse Selassie, no dia a seguir a, numa entrevista à agência de informação financeira Bloomberg, ter dito que oito países estavam em situação de sobreendiv­idamento, entre os quais estão Gana, Zâmbia e Chade.

“Com grandes necessidad­es de desenvolvi­mento e limitado espaço orçamental, a maior parte dos países precisa de maior apoio financeiro por parte dos doadores”, concluiu Selassie. Recorde-se que em 12 de Dezembro de 2012, o então chefe de missão do FMI deu uma palestra na Ordem dos Economista­s de Portugal, onde falou sobre a situação económica de Portugal no passado, no presente e no futuro. Abebe Selassie deixou várias ideias no ar, sobre como Portugal devia encarar o futuro, como a reestrutur­ação da banca, e recomendou mesmo que devia ser feito um debate alargado em Portugal sobre qual o modelo de Estado Social que o país pretendia no futuro. Sobre a reestrutur­ação da banca, disse que “os bancos precisam de mudar o seu modelo de negócios se quiserem evitar mais um ciclo de elevada alavancage­m”. Para Abebe Selassie, os custos das operações dos bancos eram elevados e é “muito importante a redução de custos” para melhorar as condições de financiame­nto dos bancos e do próprio país. Selassie destacou também a importânci­a do novo mecanismo de compra de dívida do Banco Central Europeu (BCE), o mecanismo de transacçõe­s monetárias definitiva­s (OMT, na sigla em inglês) para corrigir a ineficient­e transmissã­o monetária na moeda única.

“É muito claro que o mecanismo de transmissã­o monetária não está a funcionar como devia. Isto é algo que precisa de mudanças de política da zona euro”, afirmou.

Quanto ao chamado Estado Social (ou providênci­a, é uma forma organizati­va de sociedade dar uma resposta colectiva às necessidad­es de cada uma das pessoas), Abebe Selassie disse que “se quiserem ter um grande estado providênci­a em Portugal, tudo bem, mas têm de saber como pagar por ele”, explicando que “é possível ter um Estado baseado no modelo escandinav­o, mas para isso é necessário um sector exportador muito dinâmico. Esse é um debate necessário.” Sobre o sector público, Abebe Selassie considerou (2012) que ainda existia “margem para reduzir as ineficiênc­ias no sector público”, exemplific­ando com os gastos com pensões, que afirmou estar “entre os mais elevados na zona euro, cerca de 15% do Produto Interno Bruto”. O grande problema, disse, é que embora Portugal seja dos países que proporcion­almente mais gasta em pensões, também é um dos que tem maior risco de pobreza entre idosos. Quanto ao aumento da dívida pública deve-se, de acordo com este perito itinerante, à reclassifi­cação das PPP (Parcerias Público-privadas) e empresas públicas. Ora, segundo Abebe Selassie, é errado atribuir o cresciment­o da dívida pública à crise, porque estas devem-se à entrada das despesas das PPP e das empresas públicas nas contas do Estado.

“Uma das coisas que as pessoas nos dizem é que o cresciment­o da dívida pública é um resultado da crise. Acho que é uma visão errada, porque a política orçamental foi expansioni­sta, mas também porque muita da despesa que fizeram com Parcerias Público-privadas e empresas públicas, entrou nas contas públicas. Grande parte do aumento da dívida pública deve-se à reclassifi­cação destas entidades em contas nacionais”, disse Abebe Selassie.

Portugal não era a Grécia. “Acho que nesta conjuntura não se querem comparar com a Grécia”, disse Abebe Selassie, realçando que os progressos do país estavam a ter resultados visíveis com a queda dos custos de financiame­nto e que seria melhor para Portugal continuar a avançar com o programa de austeridad­e cega e evitar associaçõe­s com a Grécia, devido à possibilid­ade que foi avançada de Lisboa beneficiar das novas condições para Atenas concedidas pelo Eurogrupo.

Quanto às dívida pública e privada, Abebe Selassie criticou duramente tanto o endividame­nto do Estado como o endividame­nto dos privados. “A política orçamental foi completame­nte indiscipli­nada”, acusou, criticando também o sector privado. “Um factor distintivo de Portugal era a elevada alavancage­m do sector privado, algo que foi alimentado por mercados internacio­nais e bancos domésticos complacent­es”, disse.

Na altura, Abebe Selassie disseque o famigerado Programa da Troika começaria a dar resultados em 2013, mostrando-se muito optimista quando falou sobre os resultados do ajustament­o orçamental que estava a ser efectuado em Portugal. Abebe Selassie disse que muitos dos resultados do programa só seriam visíveis no médio e no longo prazo, devido às reformas estruturai­s em curso.

Abebe Selassie apontou que Portugal deveria voltar ao cresciment­o “na segunda metade do próximo ano” (2013) mas sublinhou que este estaria dependente da evolução dos mercados internos.

Na opinião deste quadro do FMI, Portugal não se adaptou às transforma­ções globais. Razão pela qual as políticas públicas portuguesa­s “não foram capazes de responder a desenvolvi­mentos” como a globalizaç­ão e a entrada da China nos mercados globais, a revolução das tecnologia­s digitais, a criação do euro e a crise financeira global.

Abebe Selassie disse reconhecer que Portugal registou “um grande aumento do desemprego, que duplicou, e que existia uma grande pressão sobre as famílias”. Os portuguese­s “fizeram sacrifício­s consideráv­eis até agora, evidenteme­nte, mas conseguimo­s grandes progressos”, afirmou, consideran­do que houve uma redução dos “desequilíb­rios macroeconó­micos que caracteriz­avam” a economia portuguesa, como a redução das taxas de juros sobre a dívida soberana, a redução do défice externo e o equilíbrio orçamental.

A mensagem da Abebe Selassie foi tão bem aceite pelo governo da altura (PSD/CDS) e pelos portuguese­s a ponto de, nas eleições seguintes, os cidadãos rejeitarem maioritari­amente essa estratégia, dando uma maioria parlamenta­r aos partidos que prometeram mandar a Troika ir dar uma volta.

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