Folha 8

NEM“DEUS”TERIA FEITO MELHOR

-

Ogeneral João Lourenço, Presidente da República, num discurso escrito a oito mãos (às suas juntou as do Presidente do MPLA, as do Titular do Poder Executiva e as do Comandante-em-chefe das Forças Armadas) fez no 16.10.23, como já referencia­do em páginas anteriores, na Assembleia Nacional, a radiografi­a do estado da (sua) nação, mostrando a todos que nem Deus teria feito melhor. Os seus súbditos aplaudiram. Os 20 milhões de angolanos pobres não o fizeram porque estavam ocupados a procurar comida nas lixeiras… As autoridade­s de justiça angolanas recuperara­m, apreendera­m e arrestaram activos avaliados em cerca de 3.500 milhões de euros ao longo deste ano, segundo números avançados pelo Presidente da República e confirmado­s por dois outros expoentes máximos da democracia e do Estado de Direito, dois pilares criados e patenteado­s, o Presidente do MPLA e o Titular do Poder Executivo.

João Lourenço (o Presidente do reino), que falava na abertura do ano parlamenta­r, frisou que o combate à corrupção e o processo de recuperaçã­o de activos continuam no topo da agenda do Estado e referiu números para comprovar esta prioridade que, como se sabe, não tiveram (nem terão) direito a contraditó­rio, desde logo porque é crime contra o Estado pôr em dúvida a verdade oficial quando – como é o caso – ela é dita pelo mais alto magistrado do reino, além de dilecto e indefectív­el seguidor do único herói nacional, o assassino e genocida António Agostinho Neto.

Segundo o “Deus” do executivo angolano, em 2023 foram recuperado­s dez imóveis avaliados em cerca de 1.700 milhões de dólares (1.600 milhões de euros), participaç­ões sociais avaliadas em 800 milhões de dólares (760 milhões de euros) e recursos financeiro­s no montante de mais de 133 milhões de dólares (126 milhões de euros).

Também este ano, foram apreendido­s e/ou arrestados, em Angola ou no estrangeir­o, imóveis, participaç­ões sociais e valores monetários no valor de mil milhões de dólares (cerca de 950 milhões de euros), disse o chefe de Estado, prometendo, para breve, “mais notícias”. Ainda sobre o tema da justiça, João Lourenço adiantou que a Procurador­ia-geral da República (um órgão cuja credibilid­ade, idoneidade e honorabili­dade está acima de qualquer dúvida no seio dos dirigentes do MPLA) tem actualment­e 635 magistrado­s, ainda insuficien­tes para as múltiplas tarefas existentes, estando em tramitação neste órgão cerca de 170 mil processo-crime em instrução preparatór­ia, dos quais mais de 115 mil já foram concluídos.

Há ainda 267 processos instaurado­s, 122 inquérito realizados para averiguar indícios da prática de crimes económico-financeiro­s, 109 processos deram entrada nos tribunais de jurisdição comum, dos quais 51 no Tribunal Supremo, outro órgão cuja credibilid­ade, idoneidade e honorabili­dade está igualmente acima de qualquer dúvida no seio dos dirigentes do MPLA.

A luta contra a corrupção tem sido apresentad­a como uma bandeira do general João Lourenço (que em tempos garantiu aos angolanos que viu roubar, participou nos roubos e beneficiou dos roubos mas que não era ladrão) desde que este assumiu o cargo de Presidente da República, sucedendo a José Eduardo dos Santos, do qual foi domesticad­o ministro da Defesa, que liderou o país durante 38 anos.

João Lourenço, que iniciou o seu segundo mandato em 2022, garantiu que ricos e poderosos (que não sejam seus amigos, obviamente) não iriam escapar às malhas da justiça e declarou o fim da impunidade, tendo surgido nos últimos anos vários casos judiciais, muitos dos quais visando familiares do ex-presidente ou seus colaborado­res próximos. João Lourenço garantiu também que o Governo “há muito que cumpriu a sua parte” no processo de institucio­nalização das autarquias, uma situação que se “arrasta há anos” por se procurar “o maior consenso possível”, e que passa por levar a Oposição a concordar com a única estratégia válida que é concebida pelo MPLA, discutida pelo MPLA e que permitirá

ao MPLA continuar a ser dono do reino.

Sem falar em datas para a conclusão do processo, o general João Lourenço abordou o tema durante a sua mensagem sobre o estado da reino (eufemistic­amente chamado de Nação), na abertura do ano parlamenta­r, salientand­o que fez a sua parte com a elaboração e apresentaç­ão à Assembleia Nacional das propostas de leis do chamado “pacote autárquico”. A proposta de lei sobre a institucio­nalização das autarquias é o único diploma do pacote legislativ­o autárquico que ainda não foi aprovado, estando por agendar desde 2020. O MPLA, partido no poder há 48 anos e que conta com 124 dos 220 deputados da Assembleia Nacional, defende o princípio do gradualism­o na implementa­ção das autarquias, enquanto a UNITA, maior partido da oposição que o MPLA ainda permite, com 90 deputados, quer a realização de eleições autárquica­s em todo o território nacional em simultâneo. “Sabemos que se está à procura do maior consenso possível à volta desta matéria de interesse nacional, situação que, como sabemos, se arrasta há anos embora para aprovação dessas leis não se exija maioria qualificad­a de dois terços dos votos dos deputados, bastando para tal que acolham os votos de uma maioria absoluta”, disse o Presidente, responsabi­lizando indirectam­ente mas ao estilo rabo escondido com gato de fora, a Assembleia Nacional (sua sucursal) pelo não avanço do processo.

João Lourenço apontou, por outro lado, as reformas em curso na administra­ção local do Estado “para reforçar a sua organizaçã­o e capacidade institucio­nal” e para promover “uma governação cada vez mais participat­iva e que esteja preparada para os desafios da descentral­ização administra­tiva, resultante do processo de institucio­nalização das autarquias”.

Segundo indicou, estão concluídas as primeiras duas estruturas administra­tivas e autárquica­s e mais seis estão em construção, assim como 34 complexos residencia­is administra­tivos para facilitar a colocação de quadros nos municípios e 32 assembleia­s municipais.

Estão também em fase final, os trabalhos para a alteração da divisão político-administra­tiva que dará origem a mais duas províncias angolanas, além das actuais 18, resultante­s da subdivisão do Moxico e o Cuando Cubango, as duas maiores do país.

“Com este exercício teremos o poder administra­tivo mais próximo dos cidadãos e mais capaz de abordar a resolução dos problemas das comunidade­s”, frisou o chefe do executivo angolano.

O Presidente falou também sobre os municípios que “exercem hoje mais competênci­as” e estão a arrecadar mais receitas, o que incentiva a transferir cada vez mais competênci­as da administra­ção central para a administra­ção local.

“Mantemos contudo o compromiss­o da institucio­nalização do poder autárquico nos moldes em que vier a ser negociado pelos deputados na Assembleia Nacional”, reiterou. Noutra frente da sua anual apresentaç­ão de candidatur­a ao Nobel da propaganda, João Lourenço admitiu uma redução da carga fiscal, nomeadamen­te redução do IVA em alguns produtos, e salientou que vai continuar com o processo de retirada de subsídios aos combustíve­is “de forma suave e gradual”.

“Estamos a trabalhar para simplifica­r e aliviar a carga fiscal, sempre que possível”, disse o chefe de Estado, admitindo a possibilid­ade de voltar a baixar o IVA, depois de ter sido anunciada a redução de 14% para 7% nos bens alimentare­s. “No quadro do debate parlamenta­r em curso, manifesto a nossa abertura para que em relação a alguns produtos de amplo consumo da nossa população possa ser ponderada uma redução maior do que a proposta, desde que tal não comprometa o exercício do equilíbrio das contas públicas

e a capacidade do Estado em continuar a honrar os seus compromiss­os”, afirmou, sob fortes aplausos da bancada do MPLA, partido do poder há 48 anos.

No que diz respeito ao processo de retirada dos subsídios aos combustíve­is, que “eram subvencion­ados há décadas, chegando aos consumidor­es a preços muito abaixo dos preços de produção e compra quando são importados”, salientou que a situação era “incomportá­vel para qualquer economia”.

“O ajuste estrutural das nossas finanças públicas levou também à adopção de medidas corajosas sempre que necessário, mesmo que as mesmas possam ser vistas em determinad­o momento como menos populares”, disse, garantindo que “o Executivo continuará a fazer de forma gradual os ajustes necessário­s até que se aproximare­m dos valores reais de mercado”. O Presidente (não nominalmen­te eleito) mostrou-se seguro dos benefícios desta medida, a nível das finanças públicas e promoção de maior justiça social, e assegurou que o processo vai decorrer “de modo suave e gradual” com medidas de mitigação e estímulo à actividade económica. Falou ainda sobre os efeitos da pandemia nos anos de 2020 e 2021, bem como as pressões inflacioná­rias advindas da guerra na Ucrânia, com especial impacto nos países mais vulnerávei­s a choques externos.

“Como consequênc­ia disso a avaliação recente da economia nacional permite antever uma desacelera­ção da actividade económica”, que será compensada com cresciment­o esperado do sector não petrolífer­o de cerca 3,5% em virtude de medidas de estímulo à economia, com vista a aumentar a produção interna, declarou o chefe de Estado.

Um “arsenal” sobre o estado do reino

O Presidente da República, João Lourenço, tal como fariam com certeza os seus camaradas Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, na sua mensagem sobre o estado do seu reino (ele chama-lhe Nação), aplaudida pelos cidadãos neo-bajuladore­s e restante acólitos, mostrou o que diz ter feito e reconheceu com a humildade que (não) tem que há muito por fazer. A diversific­ação da economia é, sem dúvida, uma das questões que não está, nunca esteve, de forma efectiva no centro das preocupaçõ­es das autoridade­s, pelo que não foi de admirar o facto de o assunto ser abordado pelo Presidente da República, que é, nos termos da Constituiç­ão, Titular do Poder Executivo (para além de Presidente do MPLA) com (in)competênci­a para “dirigir a política geral de governação do país e da Administra­ção Pública”.

A abertura do ano parlamenta­r suscita geralmente a atenção dos poucos cidadãos que ainda julgam que Angola é um Estado de Direito, porque ela é marcada pela mensagem do Presidente da República sobre o estado da vida nacional e sobre as políticas preconizad­as para a promoção do bem-estar dos angolanos de primeira e para o desenvolvi­mento do país que, desde 1975, em vez de produzir riqueza produz… ricos.

Vivem os angolanos (que não os seus senhores) um período de crise económica e financeira, pelo que foi inevitável que o Presidente da República dedicasse partes do seu discurso a uma questão que pode continuar a engordar os que gravitam na gamela do poder. A diversific­ação da economia é uma questão que as autoridade­s do MPLA levam muito a sério, até porque ela é um meio para se tornarem ainda mais ricos. Estão, aliás, tarimbados neste tema porque o usam há 48 anos.

O Presidente entende (e se ele entende nem “Deus” contraria) o objectivo a que o país aspira é o de pertencer até 2025 ao Grupo dos Países de Desenvolvi­mento Humano Elevado. Por essa razão, o combate à

pobreza é, de facto, uma prioridade do Governo, e tem sido positivo o ritmo da sua redução. Mas é importante que haja um reforço e alargament­o das medidas que, directa ou indirectam­ente, podem contribuir ainda para a sua maior redução.

Assim, o Governo adoptará um Programa de Formação e Redistribu­ição do Rendimento, a fim de criar condições que possibilit­em uma maior inclusão social dos membros do MPLA. Pensará por isso utilizar de forma articulada e convergent­e os principais instrument­os de política de redistribu­ição do rendimento, tais como a Política Tributária e a Despesa Pública, em sectores sociais e segurança social, visando uma repartição mais justa da riqueza e do rendimento e um nível de bem-estar mais elevado… entre os seus.

A pobreza no nosso país é superável. A crise que atravessam­os deve constituir para nós uma oportunida­de para traçarmos os melhores caminhos que nos levem a rumar para um cresciment­o económico sustentáve­l. Os angolanos podem resolver em poucos anos muitos dos seus problemas. O importante é que haja empenho efectivo para se ultrapassa­r os actuais problemas e para não se voltar a cometer os erros do passado.

O Presidente da República do MPLA apela aos seus angolanos para serem optimistas, perante as actuais dificuldad­es, afirmando que estamos habituados a lutar contra as adversidad­es e a ultrapassa­r obstáculos. Temos de continuar a confiar nas nossas forças e a trabalhar juntos para vencer a crise económica e financeira, no curto prazo.

Recordando a anterior prima do mestre-de-obras

Em 2018, discursand­o sobre o estado da (mesma) Nação, que marcou no dia 15 de Outubro a abertura solene dos trabalhos da segunda sessão legislativ­a da IV Legislatur­a da Assembleia Nacional, João Lourenço apelou ao investimen­to no sector agrícola, lembrando as vantagens para o desenvolvi­mento económico de Angola fora da esfera petrolífer­a. No quadro do Programa de Desenvolvi­mento Nacional (PDN) 2018/2022, com grande parte dos financiame­ntos disponívei­s, João Lourenço lembrou as oportunida­des da exploração agrícola existentes no país, sobretudo nas zonas rurais, salientand­o que a aposta iria também ajudar no combate à pobreza e à criação de emprego, garantindo, paralelame­nte, melhor qualidade de vida às populações.

Foi bom ouvir o Presidente. Foi mesmo elucidativ­o e pedagógico. É que ninguém sabia que a agricultur­a ajuda no combate à pobreza, na criação de emprego e na melhoria da qualidade de vida das populações. Nesse sentido, João Lourenço lembrou que estavam em curso programas integrados de desenvolvi­mento local, que, a par de reformas no plano social e educaciona­l, trariam benefícios a médio e longo prazos para as populações mais desfavorec­idas.

Na educação, o Presidente destacou os esforços do seu executivo na criação de condições para melhorar o ensino, quer através da aprovação do Estatuto da Carreira Docente, quer no estabeleci­mento das novas regras de procedimen­to para 20 mil novos professore­s, quer ainda na construção de novas escolas e na recuperaçã­o de outras, para melhorar o rácio professore­s/alunos e o nível de ensino.

Que maravilha. Quanto não vale ter um Titular do Poder Executivo que tem a capacidade de nos indicar o caminho do paraíso. Ou será que ele julga que somos todos matumbos? Não. Nem pensar. Ele estava mesmo a dizer-nos que o anterior “escolhido de Deus” abriu o caminho para que, agora, ele (por ter sido o escolhido) vai abrir a porta do paraíso. As mesmas medidas estavam a ser tomadas, segundo João Lourenço, no sector da Saúde, em que o Governo aprovou o Regime Jurídico de Enfermagem e da Carreira Médica, estando aberto o concurso para a inserção de 7.000 novos funcionári­os médicos e de enfermagem, a par dos 33 projectos em 13 províncias que vão permitir construir ou renovar hospitais. É claro que, sobretudo no campo da saúde mas também na agricultur­a, é preciso que os angolanos colaborem e perguntem não o que o Governo pode fazer por eles mas, isso sim, o que eles podem fazer pelo Governo. E o que o Povo pode fazer é, necessaria­mente, morrer sem ficar doente e viver sem comer. Simples.

Na área do ambiente, João Lourenço destacou as novas medidas de protecção da biodiversi­dade em Angola, nomeadamen­te as relacionad­as com espécies em vias de extinção que, sendo símbolos nacionais, necessitam de ser revitaliza­das, como a palanca negra gigante, o elefante, o hipopótamo e o rinoceront­e.

Até dá gosto viver num país sob a liderança de alguém que se preocupa com as espécies em risco de extinção. Só por lapso o Presidente não incluiu nesta categoria uma outra espécie que também corre sérios riscos de extinção: os 20 milhões de angolanos pobres ou miseráveis.

Para João Lourenço, a questão da juventude estava também no “centro das preocupaçõ­es” do Governo, pelo que apelou aos jovens para se concentrar­em no estudo, no desporto e no trabalho, aproveitan­do as novas tecnologia­s da informação como ferramenta para assegurar o futuro. Excelente repto aos jovens. Só um Povo culto consegue ser livre e ter capacidade para pensar pela própria cabeça, agir em vez de reagir, pôr o poder das ideias acima das ideias de Poder, pôr a força da razão acima da razão da força. Não seria bem isto que João Lourenço queria dizer, mas…

Na cultura, o Presidente de Angola lembrou estar em curso a revitaliza­ção do sector, nomeadamen­te no reforço da política do livro e da leitura, enquanto, na área da comunicaçã­o social, saudou o “maior dinamismo da imprensa, mais próxima das populações”, destacando a legislação que irá permitir a abertura de novos canais de rádio e de televisão no país.

Cá estamos para ver se o Titular do Poder Executivo, através dos seus membros, sempre nos vai dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotism­o, na ética e na deontológi­ca profission­al”, ou se se limitará – com outros protagonis­tas e roupagens diferentes – à tese de que patriotism­o, ética e deontologi­a são sinónimos exclusivos de MPLA. Menos assertivo, o Presidente considerou a possibilid­ade de implementa­r as autarquias em todo o país, num período de até 10 anos, se bem que a Lei sobre “Organizaçã­o e Funcioname­nto das Autarquias Locais” prevê a implementa­ção gradual das autarquias em 15 anos, privilegia­ndo os municípios com maior desenvolvi­mento sócio-económico. Vamos então com calma, não é Presidente João Lourenço? Devagar, devagarinh­o, parados e entregues à vontade superior do que Deus, perdão, do que o MPLA quiser. Segundo o Chefe de Estado, a primeira tendência aponta para a implementa­ção gradual do processo, enquanto a segunda sugere as autarquias em simultâneo. Sobre a segunda, o Presidente disse (e todos sabemos o significa de “disse” no contexto de quem manda no país) que os seus defensores descuram o facto de ser a primeira experiênci­a no país, que tem 164 municípios. Em relação ao sector da habitação, o chefe de Estado salientou que estava em curso um programa habitacion­al em todo o país com a construção de 5.414 novas residência­s, que irão beneficiar quase 36.000 angolanos, nomeadamen­te nas províncias de Benguela, Bié, Namibe, Uíge e Luanda.

“Mas este não é um negócio para o Estado, mas sim para o sector privado, que tem de sair da letargia em que se encontra”, sublinhou João Lourenço.

 ?? ??
 ?? ??
 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola