Folha 8

Angola: Opróbrio fúnebre

- JOSÉ REIS

Henrique Santos, o “Onambwe”, alcunha ou nome de guerra, cujo sinónimo ignoro, mas pela conduta que mostrou nos leva a crer ter sido conseguida por uma qualquer canalhice datada da juventude, quem sabe em Porto Amboim, onde consta ter este figurão nascido. É, a par de Lúcio Lara, outra das eminências pardas do MPLA – mais propensa ao regabofe dos copos e da malandrage­m, diga-se a verdade – que aportou à Luanda já em rebuliço, regressand­o do exterior graças ao 25 de Abril de 1974. Desde então sempre foi visto como um dos homens da segurança, antes desta ser do Estado, concorrend­o com João Rodrigues

Lopes, o “Ludy Kissassund­a”, outro ignoto cognome, com quem se dizia sustentar um desaguisad­o promotor de polícias paralelas.

Nas imagens que observamos da “descoberta” da famigerada ambulância calcinada, no interior da qual se encontram os restos mortais dos comandante­s, que deram literalmen­te o corpo, ao plano “B” de Onambwe, Iko Carreira e outros mais, acaso faltasse o quinhão e a firmeza a Agostinho Neto, no correctivo destinado aos “golpistas” do 27 de Maio, nesse pequeno filme exibido na altura pela TPA, pode-se observar um general nervoso, o general Zé Maria e um civil afoito o Melo Xavier, em contraste com um comandante impávido e sereno ante uma crueldade que não o apanhava de surpresa, muito pelo contrário. Do juízo deste comandante, o “Onambwe”, saíram as muitas sentenças de morte nos pós 27 de Maio de 1977. “Onambwe”, “interrogou” Sita Valles, e quem por fatalismo, espreitou pela incauta fresta de uma porta, que se abriu e fechou para dar passagem a mais um torturador, presenciou o macabro e a humilhação, que o pudor me inibe repetir, descrição que me foi feita por uma vítima que esperava o seu momento a sós com o verdugo “Onambwe”, uma madrugada dos idos anos de 1977, em Luanda, nos corredores do ministério da defesa. Chegou por fim o derradeiro dia, “Onambwe” morreu.

Quantos de nós, sobreviven­tes, ainda nos lembramos, passados quase cinquenta anos, do pavor que o seu nome impunha quando se ouvia dizer, nas várias celas da cadeia de São Paulo; o “Onambwe” está aí! As suas visitas eram sinónimo de desastre, à noite as ambulância­s saíam cheias e regressava­m vazias. Porém, há lugar para tudo, é preciso retocar-lhe a imagem, e branquear-lhe a conduta. Repare-se no esplendor da participaç­ão da sua morte. Vai ter honras na chegada ao aeroporto, o seu corpo vai estar presente na missa que vão dizer, o hino nacional vai ser entoado em sua graça, receberá flores, elogios fúnebres, pregados certamente, pelas mais altas individual­idades do MPLA e vai ainda passar por um espaço de meditação cristã, seja lá o que isso for, quiçá o derradeiro lugar para lhe apagarem as nódoas na folha de serviço, e tudo isto emoldurado por militares trajados com o fato de uso diário e com o boné na cabeça, suponho. Estamos a assistir à debandada dos escroques da repressão. Foi-se o Ludy, o Veloso, agora este e em breve o Carlos Jorge, o Cansado, o Inácio, etc,etc. e todos eles vão levar preso ao peito uma distinção; a medalha da impunidade.

Contra a impunidade, viva a verdade!

*Sobreviven­te do 27 de Maio 1977

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