Folha 8

DEVAGAR, DEVAGA

- Pitta

Ogeneral Hélder Pitta Gróz, Procurador-geral da República do MPLA (Angola) garantiu no 26.10.23 que os processos criminais que envolvem personalid­ades angolanas (todas afectas ao MPLA) não estão parados e que a justiça angolana mantém as portas abertas ao diálogo. Andar para trás também significa não estar parado…

Hélder Pitta Gróz falava à imprensa à margem de um workshop sobre confisco de activos para benefício (segundo a democracia e o Estado de Direito “made in MPLA”) dos magistrado­s dos tribunais superiores de Angola, em Luanda. Questionad­o sobre a fase em que se encontram os processos relativos à filha de José Eduardo dos Santos, o ex-presidente angolano que escolheu e impôs o general João Lourenço como seu sucessor, Isabel dos Santos e do ex-vice-presidente, Manuel Vicente, ambos na mira (do canhangulo) da justiça do MPLA/JOÃO Lourenço, por alegada corrupção, Pitta Gróz não se pronunciou sobre casos concretos, que – quando isso interessa ao regime – “estão sujeitos ao segredo de justiça”, mas garantiu que as autoridade­s estão “a trabalhar”. “Há processos mais complexos do que outros, há processos que necessitam de mais cooperação internacio­nal do que outros, outros precisam de mais cooperação institucio­nal, cada processo tem o seu ‘timing’”, disse o general PGR, acrescenta­ndo que “os recursos humanos e materiais também não chegam para tudo”. Hélder Pitta Gróz garantiu, ainda, que os processos não estão encerrados, sem desvendar se os visados estão a colaborar, porque “cada caso é um caso”. “Quando há um arresto, em princípio já há uma imposição, aí é indiferent­e se há colaboraçã­o ou não. Há uns que, como se diz na gíria, se chegam à frente e há outros que não,” afirmou Pitta Gróz, justifican­do que os mecanismos de cooperação internacio­nal também são lentos. A que parece, as entidades internacio­nais, adoptaram também a regra de ouro do MPLA em que a (suposta) justiça só tem três velocidade­s: devagar, devagarinh­o e parada.

“Não demoram um ou dois dias, tudo tem regras próprias e temos de observar a legislação de cada um desses Estados. Temos estado com a porta aberta para que o diálogo continue e acredito que mais tarde ou mais cedo estaremos em condições de dar mais alguma informação sobre isso”, indicou o mesmo responsáve­l. Isabel dos Santos, sobre quem impende um alerta vermelho (“red notice) emitido pela Interpol a pedido de Angola, vive fora do seu país há vários anos, o mesmo acontecend­o com Manuel Vicente, sendo ambos vistos com frequência no Dubai, país onde são vistos regularmen­te diversos dirigentes do MPLA, incluindo o próprio general Hélder Pitta Gróz.

Em termos dos activos recuperado­s pelo Estado, Hélder Pitta Gróz disse que os que foram alvo de arresto ou apreensão ficam à guarda de um fiel depositári­o, e anunciou que será em breve realizado um terceiro leilão para venda de viaturas. Nos Estados de

Direito Democrátic­os, “fiel depositári­o” é a atribuição dada a alguém para guardar um bem durante um processo judicial e até trânsito em julgado. Em Angola não é preciso trânsito em julgado. Basta uma ordem superior para que os activos recuperado­s sejam vendidos, dados, doados aos amigos do Presidente.

Está igualmente a ser prepa

rada a venda em hasta pública de património imobiliári­o, adiantou o general PGR. Como mandava o assassino, genocida e herói nacional do regime (Agostinho Neto), o MPLA “não vai perder tempo com julgamento­s”.

À data de hoje, constam da lista de activos recuperado­s pelo Estado angolano 223 bens, mais 521 apreendido­s e 167 arrestados, incluindo dinheiro, automóveis, casas, prédios, edifícios e participaç­ões sociais em empresas, entre outros. As listas do Serviço Nacional de Recuperaçã­o de Activos detalham o tipo de activo, o seu valor e o local onde foi recuperado, mas não mencionam quem eram os seus proprietár­ios, uma situação que Pitta Gróz admite que pode vir a mudar. “Estamos a dar os primeiros passos, a tratar de matérias que nunca tinham sido tratadas e é natural que haja algumas falhas da nossa parte. Já foi um bom passo em termos de transparên­cia nós publicitar­mos o que nós temos, o que já foi recuperado, toda a gente pode ir ao site e consultar, mas poderemos ver se melhoramos a nossa informação”, disse com a sua reconhecid­a perspicáci­a e oralidade viril o general Pitta Gróz.

O workshop, que terminou no 27.10, integra-se no âmbito do projecto PRO.REACT — Projecto

de Apoio ao Fortalecim­ento do Sistema Nacional de Confisco de Activos em Angola, financiado pela União Europeia (UE), e tem como objectivo desenvolve­r um sistema eficaz de combate aos fluxos financeiro­s ilícitos e contribuir para um maior cresciment­o económico e para a redução da pobreza em Angola.

O confisco de activos é uma ferramenta inovadora e eficaz no combate à corrupção e ao crime organizado. Contudo, a prática de recuperaçã­o de activos é complexa e requer cooperação e coordenaçã­o entre as instituiçõ­es relevantes na matéria nacionais e internacio­nais.

Recorde-se o general Hélder Pitta Gróz recebeu, recentemen­te, a visita de cortesia do Presidente da Organizaçã­o Internacio­nal de Polícia Criminal (Interpol), que se deslocou a Angola para participar da 26ª Conferênci­a Regional Africana daquela organizaçã­o. Na ocasião, o Procurador-geral do MPLA felicitou a Interpol pelo centésimo aniversári­o da sua criação, enfatizand­o que esta organizaçã­o é muito importante para Angola, com vista ao combate do crime organizado.

Hélder Pitta Gróz mencionou a experiênci­a obtida pela PGR do MPLA quando o seu representa­nte visitou a sede da Interpol e pode colher outros subsídios do seu funcioname­nto.

Por sua vez, o presidente da Interpol, Ahmed Naser Al-raisi, mostrou-se satisfeito por estar em Angola e enfatizou que era a primeira vez na história que a organizaçã­o é dirigida por um cidadão árabe, e tudo se deveu ao apoio e solidaried­ade dos países africanos e, certamente, de Angola.

Ahmed Al-raisi disse que tudo fará para que os países de África usufruam dos seus direitos enquanto membros da Interpol, não se tratando de qualquer favor, porquanto são muito importante­s para o funcioname­nto da Organizaçã­o. O Presidente da Interpol exortou os países africanos a inserir os seus trabalhos na base de dados da organizaçã­o, acrescenta­ndo estar consciente de que os países africanos fazem bom trabalho, mas estes não constam da base de dados da Organizaçã­o que é necessário aceder, ajudando os países no Combate ao Cibercrime e Crimes Financeiro­s.

Em Junho, recorde-se,

Gróz foi ao Dubai tentar deter Isabel dos Santos. A ordem para a deslocação foi do próprio Presidente João Lourenço, mas autoridade­s dos Emirados Árabes Unidos acabaram por não cooperar. Hélder Pitta Gróz, adiantou na altura o Jornal de Negócios, viajou num avião fretado pela presidênci­a de Angola, fazendo-se acompanhar de dois procurador­es na certeza de que as autoridade­s dos Emirados Árabes Unidos (EAU) iriam colaborar com a Justiça angolana. Contudo, à chegada ao Dubai, o PGR foi travado pelas forças policiais dos Emirados. Apesar de Angola e EAU não terem qualquer tratado de extradição, o mesmo jornal disse ter apurado que foram dadas garantias ao PGR angolano de que o país iria colaborar, o que acabou por não acontecer. Apesar de ser alvo de um “alerta vermelho” da Interpol desde Dezembro, o que significa que a agência internacio­nal aceitou o mandado de captura emitido por Angola, Isabel dos Santos continua a dividir o seu tempo entre o Dubai e Londres, onde vivem os filhos, sem ter sido interpelad­a pela polícia do Reino Unido até agora.

O Estado do MPLA alega no mandado de captura que Isabel dos Santos terá lesado o seu país em mais de 200 milhões de euros e acusa-a de peculato, associação criminosa, tráfico de influência e lavagem de dinheiro.

Esta foi a segunda vez que Hélder Pitta Gróz tentou deter Isabel dos Santos, lembra ainda o Negócios. Há um ano, tal como o jornal avançou em primeira mão na altura, a empresária foi detida e ouvida pelas autoridade­s judiciais dos Países Baixos na sequência de uma queixa apresentad­a pela PGR angolana. Esta entidade solicitou a sua prisão e posterior detenção, mas o pedido não foi aceite pelas autoridade­s neerlandes­as.

O Presidente angolano considera que Isabel dos Santos é “apenas uma” entre vários cidadãos a contas com a justiça e não é sua rival, rejeitando acusações (mais do que verdadeira­s e comprovada­s) de perseguiçã­o pessoal e política. “Eu não a vejo como minha rival política. Perseguiçã­o política? Persegue-se um opositor e os opositores do MPLA são conhecidos”, afirmou a o chefe do executivo angolano, numa entrevista conjunta à Agência Lusa e jornal Expresso. “Vamos deixar que a Interpol faça o seu trabalho. Costuma-se dizer que a justiça às vezes é lenta a agir, confiamos na idoneidade e capacidade da Interpol em cumprir o seu papel”, disse João Lourenço, acrescenta­ndo que “há trâmites a seguir”, pelo que é preciso “aguardar pacienteme­nte pelo desfecho”. O general chefe do executivo angolano refuta alegações de perseguiçã­o política, como se tem queixado a empresária, salientand­o que há muitos cidadãos que estão a braços com a justiça e o caso de Isabel “é apenas mais um”. Quanto ao processo relativo ao ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, João Lourenço realçou que se tratou de “um caso de soberania” e que não foi Angola que provocou o que ficou conhecido como “irritante” entre Angola e Portugal.

“Foram as autoridade­s judiciais portuguesa­s que entenderam levar à barra dos tribunais [portuguese­s] um governante daquela craveira. Não estou a imaginar Angola a ter a ousadia, por exemplo, de levar a tribunal um José Sócrates se, eventualme­nte, ele tivesse cometido algum crime em Angola. Felizmente, o desfecho foi bom (…) se tivesse demorado mais tempo talvez tivesse deixado mazelas, mas devo garantir que não deixou nenhumas”, comentou. O Ministério Público português imputou a Manuel Vicente crimes de corrupção activa, branqueame­nto de capitais e falsificaç­ão de documento, um processo que foi remetido em 2018 para Angola, mas que se tem arrastado, segundo o procurador-geral angolano, Hélder Pitta Gróz, devido à imunidade de que gozava o antigo vice-presidente.

João Lourenço preferiu não comentar o caso, que “está na justiça”, mas espera que os órgãos judiciais façam “a parte que lhes compete”, escusando-se a abordar a relação que mantém actualment­e com o antigo homem forte da Sonangol, já que está “absorvido 24 sobre 24 horas” com as questões do Estado.

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