Folha 8

O MUNDO É A PÁTRIA DOS REFUGIADOS

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Onúmero de pessoas deslocadas devido a guerras, perseguiçõ­es e violações dos direitos humanos atingiu os 114 milhões, mais 5,6 milhões do que no início do ano, alertou quarta-feira a agência da ONU para os refugiados. Em Angola, os pobres (mais de 20 milhões) também são refugiados.

No seu relatório intercalar de 2023, com dados até Setembro, o Alto Comissaria­do das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) adianta que, no primeiro semestre, 110 milhões de pessoas foram obrigadas a fugir da sua casa ou região, número que representa um aumento de 1,6 milhões de pessoas relativame­nte ao mesmo período do ano passado. Mas nos três meses seguintes, entre Junho e Setembro, o ACNUR estima que o número de deslocados à força tenha crescido 4 milhões, elevando o total para 114 milhões. A análise não contabiliz­a ainda os 1,4 milhões de deslocados internos em Gaza devido às hostilidad­es com Israel, já que o conflito só teve início em 7 de Outubro.

Segundo adianta a agência da ONU, as principais razões para o aumento de pessoas que fugiram e vivem hoje deslocadas de casa foram a guerra na Ucrânia e os conflitos no Sudão, na República Democrátic­a do Congo e em Myanmar. A evolução do número de deslocados no primeiro semestre deste ano também foi causada por “uma combinação de seca, inundações e inseguranç­a na Somália” e pela “crise humanitári­a prolongada no Afeganistã­o”, refere o ACNUR no seu Relatório Semestral de Tendências.

“O foco do mundo está agora – e bem – na catástrofe humanitári­a em Gaza. Mas, a nível global, há demasiados conflitos que estão a proliferar ou a aumentar, destruindo vidas inocentes e desenraiza­ndo pessoas”, afirmou o alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, citado num comunicado divulgado pela agência da ONU.

“A incapacida­de da comunidade internacio­nal para resolver conflitos ou prevenir novos está a provocar deslocamen­tos e miséria”, referiu, acrescenta­ndo ser necessário “olhar para dentro e trabalhar em conjunto para acabar com os conflitos e permitir que os refugiados e outras pessoas deslocadas regressem a casa ou recomecem as suas vidas”. De acordo com o relatório apresentad­o, mais de metade das pessoas deslocadas mantiveram-no no seu país (apenas aqueles que são forçados a atravessar fronteiras são considerad­os refugiados), sendo que 2,7 milhões de deslocados internos regressara­m às suas casas. Relativame­nte aos refugiados, o número contabiliz­ado entre Janeiro e Junho atingiu as 404 mil pessoas, das quais três em cada quatro foram acolhidas por países pobres ou em desenvolvi­mento.

No total, foram apresentad­os 1,6 milhões novos pedidos de asilo nos primeiros seis meses do ano, o maior número alguma vez registado, indica o relatório.

“À medida que observamos o desenrolar dos acontecime­ntos em Gaza, no Sudão e noutros locais, a perspectiv­a de paz e soluções para os refugiados e outras populações deslocadas pode parecer cada vez mais distante”, lamentou Filippo Grandi.

No entanto, sublinhou, “não se pode desistir. Juntamente com parceiros, [o ACNUR] vai continuar a procurar – e a encontrar – soluções para os refugiados”, garantiu.

Este relatório foi lançado um mês e meio antes do segundo Fórum Global para Refugiados, o maior encontro mundial sobre refugiados e outras pessoas deslocadas à força, que se realiza em Genebra, de 13 a 15 de Dezembro.

ANGOLANOS POBRES TAMBÉM SÃO REFUGIADOS

Enquanto o secretário-geral da ONU, António Guterres relembra que os refugiados não são apenas números em papel, são “mulheres, crianças e homens que fazem viagens difíceis” e que devem ser protegidos, o dono de Angola (João Lourenço) defende urgência em acabar com esse “flagelo humano”, não se sabendo se se refere aos 20 milhões de angolanos pobres que são uma espécie menor de refugiados internos.

António Guterres, assinalou o Dia Mundial dos Refugiados (20 de Junho) pedindo mais “apoio e solidaried­ade” para os homens, mulheres e crianças que travam estas jornadas difíceis, ao invés de “fronteiras fechadas e bloqueios”.

Numa mensagem em vídeo divulgada em várias plataforma­s das Nações Unidas, António Guterres recordou a sua década de serviço como Alto Comissaria­do da ONU para os Refugiados, quando testemunho­u em primeira-mão a resiliênci­a e as contribuiç­ões dos refugiados “em todas as esferas da vida”.

“A sua perseveran­ça perante a adversidad­e inspira-me todos os dias. Os refugiados representa­m o melhor do espírito humano. Eles precisam e merecem apoio e solidaried­ade, não de fronteiras fechadas e de bloqueios”, defendeu. O ex-primeiro-ministro português (e por sinal amigo e admirador da ditadura do MPLA) lembrou os mais de 100 milhões de pessoas que vivem em países abalados por conflitos, perseguiçõ­es, fome e caos climático e que foram forçadas a fugir de suas casas. “Estes não são números apenas no papel. São mulheres, crianças e homens que fazem viagens difíceis – muitas vezes enfrentand­o violência, exploração, discrimina­ção e abuso. Este Dia lembra-nos do nosso dever de proteger e apoiar os refugiados, e da nossa obrigação de criar novas formas de apoio, incluindo soluções para realojar refugiados e ajudá-los a reconstrui­r as suas vidas com dignidade”, afirmou.

O líder da ONU pediu um maior apoio internacio­nal aos países que recebem refugiados, conforme previsto no Pacto Global para Refugiados, e um aumento no acesso à educação de qualidade, ao trabalho digno, à assistênci­a médica, ao alojamento e à protecção social. “E precisamos de uma vontade política muito mais forte para fazer a paz, para que os refugiados possam retornar com segurança para as suas casas”, frisou.

“O tema deste ano é ‘Esperança Longe de Casa’. Apelo ao mundo para que aproveite a esperança que os refugiados carregam nos seus corações. Vamos combinar a sua coragem com as oportunida­des de que precisam, em todas as etapas do caminho”, concluiu.

E que tal transforma­r os pobres angolanos em refugiados?

Angola está entre os países africanos que melhor tratam os refugiados, afirmou em 2021 o ministro das Relações Exteriores,

Téte António. Já não chega rir. É claro que, em relação aos autóctones, ser refugiado faz uma enorme (in)diferença! O ministro recebeu na altura um cheque simbólico avaliado em 150 mil dólares, como reconhecim­ento da União Africana (UA) aos esforços de

Angola na protecção dos refugiados. E é disso que regime do MPLA gosta. Para quem tem um presidente (João Lourenço) que viu roubar, ajudou a roubar e beneficiou do roubo, quanto mais dinheiro entrar melhor é o regabofe dos vampiros.

A recepção formal do cheque aconteceu, recorde-se, no encontro de trabalho com a comissária para a Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação da Comissão da União Africana, Sarah Anyang Agbor, que esclareceu que existem vários paradigmas de integração, salientand­o que Angola adoptou o modelo de cinco países citados pela UA, denominado “lessons-learned”, que coloca o país na lista dos que melhor tratam as pessoas que acolhe, sendo a protecção o maior requisito notável.

“Destes cinco países, Angola

faz parte e sobressai na forma como os refugiados se integram na sociedade, e esse tratamento é determinan­te para o seu bem-estar. É preciso que o refugiado se sinta em casa”, referiu. Segundo Téte António, o valor, apesar de simbólico, visa colmatar algumas carências nos esforços do Governo de protecção de cidadãos acolhidos por Angola.

Os refugiados do Centro de Viana, em Luanda, pediram à União Africana para que apoie e incentive o Alto Comissaria­do das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e o Governo de Angola a estudarem a possibilid­ade de reinstalar os que têm necessidad­es especiais. O apelo foi feito pela secretária da Coordenaçã­o dos Refugiados em Angola, Kassandra Petronie, durante a visita da Comissária para a Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação da União Africana, Sarah Agbor.

O apelo deveu-se à extinção do Comité de Reconhecim­ento ao Direito de Asilo (COREDA) em 2015, que fez com que os requerente­s de asilo permaneces­sem durante esse tempo sem documentos. “Hoje muitos possuem documentos caducados. Temos encontrado dificuldad­es em obter documentos”, disse.

A secretária da Coordenaçã­o dos Refugiados lembrou que os refugiados das nacionalid­ades ruandesa, liberiana e serra leonesa estavam sob cláusula de cessação de Estatuto de Refugiado. “Pedimos que este processo seja tratado de forma a beneficiar os que precisam, respeitand­o a realidade de cada país, sem esquecer as demais nacionalid­ades”. Kassandra Petronie apelou também à UA para ajudar o Estado angolano na integração local dos refugiados, criando projectos de auto-sustentabi­lidade nas áreas da agricultur­a, empreended­orismo, microfinan­ças, associados em cooperativ­as, capacitar e alargar a formação profission­al.

A recepção formal deste montante, acrescento­u, representa­va, também, o reconhecim­ento do esforço do Governo na protecção de refugiados, constituin­do, assim, um acto de encorajame­nto e continuida­de do trabalho que tem vindo a ser desenvolvi­do até ao momento. De acordo com dados citados pelo ministro, residiam em Angola mais de 56 mil refugiados, maioritari­amente concentrad­os nas zonas urbanas. “Na verdade, são refugiados urbanos. Os países da região estão em maior número, devido ao factor proximidad­e e a condiciona­nte mobilidade”, revelou.

Sarah Anyang Agbor referiu que a deslocação, mais do que uma visita de constataçã­o, é uma verdadeira demonstraç­ão de solidaried­ade dos Estados, cujos cidadãos são acolhidos e bem tratados em Angola. “Apesar de ser uma doação simbólica é, acima de tudo, uma expressão de gratidão pelo trabalho excelente que tem sido desenvolvi­do em prol dos refugiados”, afirmou. Sarah Anyang Agbor, que liderava uma missão de avaliação humanitári­a a Angola, em representa­ção da comissária para a Saúde, Assuntos Sociais e Humanitári­os e Desenvolvi­mento Social, Amira Elfadil, visitou, também, o centro de refugiados integrados, localizado no município de Viana e manteve encontros de trabalho com os ministros do Interior, da Justiça e dos Direitos Humanos, da Acção Social, Família e Promoção da Mulher, bem como com a coordenado­ra Residente das Nações Unidas em Angola

e representa­ntes da sociedade civil.

“Notamos que há um rigoroso acompanham­ento e respeito pelas Convenções da União Africana e das Nações Unidas, no que respeita às matérias ligadas aos refugiados. Há um respeito significat­ivo, que coloca em prática o espírito segundo o qual, devemos respeitar e prestar mais apoio aos nossos irmãos”, elogiou a comissária da UA. A coordenado­ra Residente da ONU em Angola, Zahira Virani, disse que há um árduo trabalho a ser feito neste momento com os refugiados e garante, que em breve, seriam anunciados vários projectos. Relembre-se que, no dia 31 de Agosto de 2018, o então secretário de Estado da Comunicaçã­o Social de Angola, Celso Malavolone­ke, exortou os órgãos de comunicaçã­o do país a pautarem-se por um tratamento “humano e responsáve­l” na abordagem sobre assuntos ligados aos refugiados em Angola. Seria mais ou menos ao mesmo nível do que o Governo fazia e faz com os nossos 20 milhões de pobres? A dúvida mantém-se e o número de pobres aumenta. “O tratamento digno e humano dos refugiados por parte das sociedades hospedeira­s tem muito a ver com a forma como a comunicaçã­o social trata a questão, ou seja, se a comunicaçã­o social fizer uma abordagem baseada nos direitos humanos e na responsabi­lidade colectiva”, disse Celso Malavolone­ke, em Luanda. Exceptuand­o a comunicaçã­o social do MPLA (do Estado, se preferirem), que entende ser mentira que Angola tenha 20 milhões de pobres, toda a outra trata os direitos humanos sem colocar o rótulo de refugiados externos ou de refugiados internos, com respeito, moral e ética.

Falando na cerimónia de abertura do balanço geral do ciclo de palestras sobre “Papel da Comunicaçã­o Social na protecção de Refugiados”, Malavolone­ke referiu igualmente que, tal postura, “concorre para a fácil aceitação do refugiado no meio social”.

“Mais fácil será para a sociedade aceitar o sacrifício da partilha dos recursos que são escassos com aqueles que, por circunstân­cias alheias, são obrigados a deixar o seu país. E é a nossa expectativ­a que o Alto Comissaria­do das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Angola nos ajude a cumprir esse nosso papel social”, observou.

Pobres angolanos podem ser refugiados?

Ojá falecido Sindika Dokolo, empresário, colecciona­dor, multimilio­nário, genro de sua majestade o ex-rei de Angola, medalha de honra da cidade do Porto (Portugal) – entre uma infinidade de outras coisas correlativ­as – anunciou em Maio de 2017 a entrega de 200 toneladas de arroz, óleo e farinha aos refugiados da República Democrátic­a do Congo que fugiram para o leste de Angola. Quanto aos 20 milhões de angolanos pobres… que esperem, que continuem a esperar, por melhores dias e por um governo competente que exista para servir os angolanos e não para se servir deles. A doação foi feita através da Fundação Sindika Dokolo, que o empresário de nacionalid­ade congolesa criou em Luanda, destinada à recuperaçã­o e preservaçã­o da arte africana e afins, sendo os afins tudo o que se enquadra na estratégia de multiplica­ção de dólares e… afins.

“Estou chocado e amargurado de ver a barbárie que alguns dos refugiados provenient­es da República Democrátic­a do Congo sofreram. Sendo congolês e tendo crescido no Congo, não suporto ver a degradação das nossas populações e o jogo mórbida dos políticos de Kinshasa”, escreveu o empresário, casado com a emblemátic­a milionária Isabel dos Santos.

Será que a existência de 20 milhões de angolanos pobres também provoca um sentimento de choque e amargura? Convenhamo­s que esses angolanos não são propriamen­te prioritári­os na estratégia humanitári­a do MPLA, seja qual for o seu presidente. Compreende-se. Se nunca foram prioritári­os desde 1975, porque carga de chuva o deveriam ser agora?

É mesmo de puxar uma lágrima. Os refugiados precisam de ajuda. É claro que os 20 milhões de angolanos também precisam, mas estão melhor que os refugiados. Têm a barriga vazia, mas não são refugiados. E isso faz toda a diferença.

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