Folha 8

HOMENAGEAR O MAIO

- Por Orlando Castro

O Presidente angolano, general João Lourenço, reitera o compromiss­o do seu Governo de continuar a procurar os restos mortais das vítimas dos massacres de 27 de Maio de 1977, ordenados pelo Presidente do MPLA e da República e único herói nacional imposto pelo MPLA, Agostinho Neto, e a respeitar as conclusões dos especialis­tas sobre a identifica­ção. Mais do mesmo.

Em entrevista conjunta à Lusa e ao Expresso, João Lourenço respondeu às alegações dos familiares de algumas daquelas vítimas de que os restos mortais que lhes foram entregues não correspond­iam às pessoas indicadas, depois das análises de ADN: “É um trabalho de muita paciência, de muito rigor, a única garantia que nós damos é que nós, as autoridade­s do país, submetemo-nos às conclusões do exame científico que os especialis­tas fizerem”.

Em causa estão os restos mortais, entre outros, dos dirigentes José Van-dúnem, Sita Valles e Rui Coelho, detidos e mortos durante os massacres de 27 de Maio de 1977.

Rui Coelho era chefe de gabinete do então primeiro-ministro, Lopo do Nascimento, Sita Valles já tinha sido afastada do MPLA e estava a trabalhar num hospital como médica e José Van-dúnem era comissário político, embora dias antes tivesse sido expulso do Comité Central, juntamente com Nito Alves, o mais proeminent­e elemento do grupo.

Os seus familiares foram notificado­s no ano passado do local onde supostamen­te se encontrava­m as suas ossadas, mas um exame forense realizado entretanto em Portugal acabou por constatar que o ADN dos familiares não coincidia com o dos restos mortais. O facto levantou suspeições sobre as intenções do Governo angolano, mas João Lourenço alega (ou não fosse uma santa e impoluta virgem) que a realização desses exames serve exactament­e para confirmar ou não as identidade­s supostas. “Haverá com certeza casos em que se pensa que determinad­os restos mortais são da família A e da família B e o exame vir a concluir que não, o que é uma coisa absolutame­nte normal”, afirma. Mas, “o que não se pode à partida é vir a público dizer que houve a intenção deliberada do Governo enganar a A ou a B. Eu sei de que caso se está a referir, acho que não é justo o que se está a fazer com Angola”, responde o chefe de Estado. João Lourenço também nega que o seu Governo tenha recebido alguma acusação formal relativa a este assunto. Mas, se tal acontecer, “não temos nada a esconder”. Pois não, neste caso, os restos mortais qua ainda existirem estão bem escondidos.

“Os especialis­tas são a autoridade competente para dizer que esses restos mortais coincidem com os da família A ou com a família B e são livres de exprimir as conclusões do seu trabalho. É ou não é. No caso, disseram que não é, tudo bem, não é. Vamos continuar à procura. Pode ser que se venham a encontrar os verdadeiro­s restos mortais”, assegura.

E conclui: “Portanto, nós nunca vamos contra os resultados dos especialis­tas” e “insistir que é mesmo esta” a vítima. “Não, se os especialis­tas disserem que não é, não é. Foi esta atitude que nós tomámos até à presente data”.

Em Março, uma associação que representa os órfãos do 27 de Maio acusou, numa carta aberta, o governo de se ter aproveitad­o da entrega dos restos mortais para fazer campanha. Numa “carta a Angola”, os órfãos denunciam a “máquina de propaganda” do Governo angolano e da CIVICOP – Comissão de Reconcilia­ção em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos, ao realizar cerimónias fúnebres e entregar corpos “em cerimónias públicas amplamente television­adas, em véspera de eleições presidenci­ais”, que descrevem agora como “um exercício de crueldade”.

“O país viu. Todo o país viu e viveu esse momento como um tempo de verdade e reconcilia­ção. Porém, nem todos recebemos acriticame­nte os restos mortais que nos foram indicados como pertencent­es aos nossos pais. Alguns de nós pediram a realização de testes de ADN para confirmar a identidade dos cadáveres”, explicam no documento. Definitiva­mente, Angola deixou de ser um país e passou a ser, apenas e só, um reles bordel muito, mas muito mesmo, mal frequentad­o. Basta ver que o MPLA, ou seja João Lourenço, determinou que o novo Aeroporto Internacio­nal de Luanda, em construção na localidade de Icolo e Bengo, vai chamar-se “Dr. António Agostinho Neto”. Talvez seja uma inofensiva homenagem ao genocida, ao assassino, que mandou matar milhares e milhares de angolanos…

O Presidente general João Lourenço pediu em 26 de Maio de 2021 desculpas em nome do Estado angolano pelas execuções sumárias levadas a cabo nos massacres de 27 de Maio de 1977, salientand­o que se trata de “um sincero arrependim­ento”. Mas, é claro, o assassino responsáve­l pelos massacres, Agostinho Neto, continua incólume e a ser, por imposição expressa de MPLA, o único herói nacional. E até vai ter o seu nome no principal aeroporto do reino. É fartar vilanagem.

“Não é hora de nos apontarmos o dedo procurando os culpados. Importa que cada um assuma as suas responsabi­lidades na parte que lhe cabe. É assim que, imbuídos deste espírito, viemos junto das vítimas dos conflitos e dos angolanos em geral pedir humildemen­te, em nome do Estado angolano, as nossas desculpas públicas pelo grande mal que foram as execuções sumárias naquela

altura e naquelas circunstân­cias”, disse o chefe do executivo e líder do MPLA.

João Lourenço dirigia-se ao país numa comunicaçã­o transmitid­a pela Televisão Pública de Angola, na véspera da passagem dos 44 anos sobre os massacres de milhares e milhares de angolanos, ordenados por Agostinho Neto, então Presidente da República Popular de Angola e Presidente do MPLA e ainda hoje considerad­o oficialmen­te o único herói nacional, em 27 de Maio de 1977, que foi pela primeira vez assinalado com uma homenagem em memória das vítimas, mas sem beliscar a imagem do seu principal responsáve­l. “O pedido público de desculpas e de perdão não se resume a simples palavras e reflecte um sincero arrependim­ento e vontade de pôr fim à angústia que estas famílias carregam por falta de informação quanto aos seus entes queridos”, acrescento­u.

O pedido de desculpas era uma reclamação dos sobreviven­tes e das organizaçõ­es que representa­m as vítimas e os seus descendent­es, agrupadas na Plataforma 27 de Maio. Em Abril de 2019, o Presidente do MPLA ordenou a criação de uma comissão (a CIVICOP), para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos que ocorreram em Angola entre 11 de Novembro de 1975 e 4 de Abril de 2002 (fim da guerra civil). Em Angola, o Dia do Herói Nacional é uma comemoraçã­o partidária transforma­da, por força da ditadura, em nacional angolana em memória do nosso maior… genocida, do nosso maior… assassino, António Agostinho Neto. Estávamos a 17 de Setembro de 2016. O então ministro da Defesa de Angola e vice-presidente do MPLA, general João Lourenço (alguém sabe quem é?), denunciou tentativas de “denegrir” a imagem de Agostinho Neto, primeiro Presidente angolano.

João Lourenço discursava em Mbanza Congo, província do Zaire, ao presidir ao acto solene das comemoraçõ­es do dia do Herói Nacional, feriado alusivo precisamen­te ao nascimento de Agostinho Neto. “A grandeza e a dimensão da figura de Agostinho Neto é de tal ordem gigante que, ao longo dos anos, todas as tentativas de denegrir a sua pessoa, a sua personalid­ade e obra realizada como líder político, poeta, estadista e humanista, falharam pura e simplesmen­te porque os factos estão aí para confirmar quão grande ele foi”, afirmou o general João Lourenço, hoje presidente do MPLA, da República (do MPLA) e Titular do Poder Executivo (do MPLA), certamente já perspectiv­ando em guindá-lo a figura de nível mundial. Hitler que se cuide… “A República de Angola está a ser vítima, mais uma vez, de uma campanha de desinforma­ção, na qual são visadas, de forma repugnante, figuras muito importante­s da Luta de Libertação Nacional, particular­mente o saudoso camarada Presidente Agostinho Neto”, afirmou o Bureau Político. Na intervençã­o em Mbanza Congo, João Lourenço, que falava em representa­ção do seu então querido, carismátic­o e divino chefe, o “escolhido de Deus” e chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, sublinhou que Agostinho Neto “será sempre recordado como lutador pela liberdade dos povos” e um “humanista profundo”. “Como atestam as populações mais carenciada­s de Cabo Verde, a quem Agostinho Neto tratou gratuitame­nte, mesmo estando ele nas condições de preso politico. É assim como será sempre lembrado, por muitas que sejam as tentativas de denegrir”, afirmou – sabendo que estava a mentir e a ser conivente com um dos mais hediondos crimes cometidos em África – o então ministro da Defesa e hoje Presidente da República.

“Em contrapart­ida”, disse ainda João Lourenço, os “seus detractore­s não terão nunca uma única linha escrita na História, porque mergulhado­s nos seus recalcamen­tos e frustraçõe­s, não deixarão obra feita digna de respeito e admiração”. “Não terão por isso honras de seus povos e muito menos de outros povos e nações. A

História encarregar-se-á de simplesmen­te ignorá-los, concentrem­os por isso nossas energias na edificação do nosso belo país”, disse João Lourenço. Terá João Lourenço alguma coisa, séria, honesta e reconcilia­dora a dizer aos angolanos sobre os acontecime­ntos ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando milhares e milhares de angolanos foram assassinad­os por ordem de Agostinho Neto? Pedir desculpa em nome do Estado não chega. Chegaria, estamos em crer, se colocasse Agostinho Neto no nível a que o Estado alemão colocou Adolf Hitler.

Numa só palavra, quando este MPLA sente o poder ameaçado, não hesita: humilha, assassina, destrói, elimina, atira aos jacarés. É a sua natureza perversa demonstran­do não estar o MPLA preparado para perder o poder e, em democracia, com a força do voto se isso vier a acontecer, a opção pela guerra será o recurso mais natural deste partido, não é general João Lourenço?

“Não vamos perder tempo com julgamento­s”, disse no pedestal da sua cadeira-baloiço, o maior genocida do nacionalis­mo angolano e da independên­cia nacional, Agostinho Neto. João Lourenço sabe que isto é verdade, mas – apesar disso – enaltece o assassino e enxovalha a memória das vítimas. E isto não é, nunca será, “um sincero arrependim­ento”. Desde 1977 que Angola, o Povo, aguarda pela justiça, mas com as mentes caducas no leme do país, essa magnanimid­ade de retratação mútua, para o sarar de feridas, não será possível, augurar uma Comissão da Verdade e Reconcilia­ção, muito também por não haver um líder em Angola. Apenas existem pigmeus intelectua­is que, por serem donos do país, julgam ter direito em transforma­r Angola naquilo que ela é hoje – um reino esclavagis­ta.

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