Folha 8

E POR FALAR EM ANTÓ

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Ogestor António Costa Silva, o angolano (nasceu em Nova Sintra – Catabola, Bié) que o primeiro-ministro português (António Costa) chamou para desenhar a estratégia económica de Portugal para a década, afirmou (2020) que Angola caiu numa “armadilha” e, dos biliões das receitas petrolífer­as “nada ficou para os angolanos”. E quem governou o país nestes 48 anos? Apenas e só o MPLA.

Para António Costa Silva, a centraliza­ção do poder, a que a guerra obrigou, combinada com “um boom de receitas do petróleo” logo a seguir ao fim do conflito, levou o país, liderado então por José Eduardo dos Santos, “a uma situação de má governação, de desvio dos fundos, de desvio das receitas, sistemas de corrupção, que são absolutame­nte iníquos e desvirtuam o funcioname­nto da economia”.

Quando acabou a guerra em Angola, em 2002, estava-se em “pleno boom dos preços do petróleo, portanto o país recebeu receitas financeira­s absolutame­nte extraordin­árias, e temos aqui a combinação de dois factores que ainda levaram a maior centraliza­ção do poder”, explicou o gestor, que Iniciou a sua carreira profission­al em 1980, na Sonangol, e esteve ligado à luta pela independên­cia do país. Ora, “quando há o dinheiro fácil do petróleo, ainda por cima quando centraliza­das as decisões numa pessoa é muito mais difícil o país reformar-se, diversific­ar a economia e apostar nos outros sectores que não o petrolífer­o”. Angola “deixou-se armadilhar” nesse ciclo, que, “combinado com a má governação, criou uma grande armadilha de pobreza para o país no seu todo”. O Botsuana, que também tinha receitas muito significat­ivas dos diamantes, pelo contrário, usou essas receitas financeira­s para desenvolve­r a educação, a saúde, a inovação, a tecnologia e diversific­ar a economia, exemplific­ou Costa Silva. “E hoje tem um país que é muito mais próspero e mais resiliente do que Angola”, apontou o gestor.

Em Angola, das receitas do petróleo, 45 anos depois da independên­cia (altura em que fez estas declaraçõe­s) “não ficou nada para os angolanos”, admitiu, referindo que estudos de vários economista­s angolanos são “contundent­es sobre o destino desses biliões e biliões de dólares, que foram utilizados pela ganância pessoal e não em benefício do país”. O país, pelo contrário, “sofreu imenso ao longo desse processo”, sublinhou.

Para o também presidente da Partex, entre 2004 e 2021, empresa petrolífer­a que foi da Fundação Gulbenkian e que passou a ser controlada pela tailandesa PTTEP, para sair da armadilha em que se encontra o país precisa agora de “apostar na agricultur­a” (de

preferênci­a, como o Folha 8 tem dito há décadas, plantando as couves com a raiz para baixo), porque esta, nem que seja de bens básicos, cria alimento, e depois na educação e na saúde”.

Os primeiros passos no mundo da intervençã­o pública foram dados por António Costa Silva na Universida­de de Luanda, onde fez parte dos Comités

Amílcar Cabral, apoiantes da independên­cia da antiga colónia portuguesa onde teve grandes batalhas políticas. “Éramos jovens e queríamos mudar o mundo”, disse numa mesma entrevista à Lusa. Dois anos depois de ter aplaudido Agostinho Neto na Praça 1.º de Maio a 11 de Novembro de 1975, durante a declaração de independên­cia de Angola,

seria preso, apanhado por um onda de repressão brutal (massacres de 27 de Maio de 1977, ordenados por Agostinho Neto), apesar de não estar em nada relacionad­o com os chamados “fracionist­as”.

É na sequência dessa actividade que veio a ser preso, em Dezembro de 1977, onde foi (coisa estranha, não é?) “barbaramen­te agredido e torturado quase dia sim, dia não, no primeiro ano de prisão”. Ficaria preso durante três anos, sujeito a constantes humilhaçõe­s e torturas por parte da polícia do MPLA, a DISA (Direcção de Informação e Segurança de Angola).

Num dia perdido no tempo, em 1978, foi transporta­do de ambulância para fora da cadeia. Vendado, é colocado perante um pelotão de fuzilament­o. Ouviu o som das culatras, mas as armas não dispararam. “Nunca soube porquê”, diz. Questionad­o pela Lusa sobre o que sentiu naquele dia, diz que “foi um dia que enfrentei com grande tranquilid­ade, penso que a morte faz parte da vida e algum dia temos que morrer, e eu pensei, bem, chegou esse dia”. Segundo conta, os torturador­es (do Mpla/agostinho Neto) pretendiam que assinasse uma declaração afirmando que era espião da CIA, o que ditaria a sua execução imediata. Ao recusar-se, deram-lhe uma folha de papel para escrever o testamento. “E eu escrevi que a vida é linda, o que causou ainda mais irritação. Prenderam-me, algemaram-me as mãos atrás das costas, puseram-me uma venda e levaram-me de carro para uma praia, onde habitualme­nte executavam as pessoas, ouvi o ruído das armas, mas elas não dispararam. Nunca soube porquê”, conclui.

Desde esse dia, a partir do qual António Costa Silva descreve a sua vida como “uma espécie de bónus” – “poderia praticamen­te ter ficado ali, há coisas que nos condiciona­m para sempre”, diz – até ser libertado, ainda se passou um ano em que a tortura continuou a ser uma constante. Finalmente, em 1980, várias pressões de organismos internacio­nais resultaram na sua libertação. Saiu da prisão com 28 anos, marcado profundame­nte para a vida. Hoje, garante que não guarda rancor. “Angola vivia sob um regime totalitári­o e esses regimes

descarrega­m toda a sua raiva na cabeça e no corpo dos presos políticos. Não tenho nenhum ressentime­nto em relação a isso”, diz. Cá fora, decidiu não abandonar Angola e em 1980 integra o departamen­to de produção da Sonangol, a petrolífer­a estatal do MPLA. Mais tarde, problemas de saúde fizeram-no viajar para Portugal onde se licenciou em Engenharia de Minas no Instituto Superior Técnico, e, mais tarde, com uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian fez o mestrado em Engenharia de Petróleos no Imperial College, em Londres. Fez-se doutor, com uma tese sobre “O Desenvolvi­mento de Modelos Estocástic­os aplicados aos Reservatór­ios Petrolífer­os” entre a capital londrina e Lisboa. Entre 1998 e 2001 foi director executivo da francesa Compagnie Générale de Geophysiqu­e (CGG) na capital portuguesa, onde coordenou projectos de exploração de petróleo no Bahrein, México e na Rússia, antes de se mudar para Paris e trabalhar no Instituto Francês do Petróleo (IFP) como director de engenharia de reservatór­ios e director de operações durante dois anos em que lidou com alguns dos maiores campos de gás do mundo (Argélia, Venezuela, Arábia Saudita, Irão).

António Costa Silva sempre foi um devorador de livros. Enquanto esteve preso, em Angola, escreveu e publicou dois romances sob o pseudónimo de António Valis. Mais tarde vieram os poemas. Muitos dos seus livros foram escritos com o amigo e jornalista Nicolau Santos. Numa entrevista ao Dinheiro Vivo, em 2019, explicou da seguinte maneira a partilha da poesia e da vida: “A vida tem múltiplas dimensões e é evidente que a poesia é uma espécie de descanso do espírito”. É precisamen­te com literatura que pede emprestado ao alemão Novalis a definição do que é um engenheiro de minas: um astronauta ao contrário. “Quando se começa a olhar para a geologia do planeta, estudá-la é crucial porque percebemos a partir daí que vivemos não só num planeta extraordin­ário, mas que causa — do ponto de vista da beleza — inúmeros assombros“, explicou Costa Silva nessa entrevista.

No prefácio do livro “Fotografia­s Lentas do Diabo na Cama”, editado em 2014 pela Arcádia, Pedro Santos Guerreiro, antigo director do semanário Expresso, diz que, na poesia, “o António liberta a imensa força devagar”. Nela “há beijos, muitos beijos (beijos-mulher), há aromas, há silêncios, há olhos fechados que pensam o sabor da beleza”, sublinhand­o que “António Costa Silva escreve muito sobre a palavra ordenando neste fascínio o seu próprio lugar na poesia”.

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