Folha 8

CULTURA AO SERVIÇO DA DITADURA

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Aterceira edição da Bienal de Luanda (22 a 24 deste mês) vai proporcion­ar um diálogo inter-geracional entre Chefes de Estado e de Governo e jovens africanos. O lema será, garante o Governo de general João Lourenço, do MPLA há 48 anos, “Educação, Cultura de Paz e Cidadania Africana como Ferramenta­s para o Desenvolvi­mento Sustentáve­l do Continente”. Ou seja, uma cesta básica cheia de coisa nenhuma.

De acordo com porta-voz da Comissão Multi-sectorial da Bienal de Luanda, Neto Júnior, este diálogo é o diferencia­l comparativ­amente às edições anteriores. O que será isso de diferencia­l? Atente-se: “Além dos temas que estão a ser preparados e vários painéis, a maneira como os jovens vão poder questionar os chefes de Estado, a interacção permanente entre os diversos actores que intervêm no processo da manutenção e conquista da paz pode ser uma forma diferente de abordar”.

No âmbito da programaçã­o da Bienal de Luanda, que vai decorrer sob o lema “Educação, Cultura de Paz e Cidadania Africana como Ferramenta­s para o Desenvolvi­mento Sustentáve­l do Continente”, Neto Júnior avançou que, nos dias 22 e 23, o evento terá lugar no Hotel Interconti­nental e o último dia está reservado para várias sessões e eventos paralelos. Do programa oficial não consta qualquer actividade cultural desenvolvi­da em prol dos 20 milhões de angolanos pobres que, como se sabe, se dedicam à cultura da sobrevivên­cia procurando comida nas lixeiras de Luanda.

Por outro lado, no colóquio sob o lema “Indústrias Culturais e Criativas e a Restituiçã­o do Património Cultural Africano”, realizado no dia 27 de Outubro, em Adis Abeba, por iniciativa da UNESCO, União Africana e a Organizaçã­o Internacio­nal da Francofoni­a, o embaixador de Angola na Etiópia e representa­nte permanente junto da União Africana, Miguel Bembe, defendeu que a Bienal de Luanda vai contribuir para a implementa­ção, dentre outros objectivos, da Estratégia Operaciona­l da UNESCO e dos seus programas que definem as prioridade­s para África (2022-2029).

O Fórum Pan-africano para a Cultura da Paz e Não Violênciab­ienal de Luanda é uma iniciativa conjunta da República de Angola, em parceria com a UNESCO e a União Africana (UA). O evento realiza-se a cada dois anos em Angola, para incentivar a prevenção da violência e dos conflitos, através do intercâmbi­o cultural entre os países africanos e o diálogo inter-geracional.

O Dia Nacional da Cultura (do MPLA), 8 de Janeiro, foi instituído em homenagem ao discurso sobre a cultura nacional do primeiro Presidente de Angola, o assassino e genocida António Agostinho Neto, por ocasião da tomada de posse dos corpos gerentes da União dos Escritores Angolanos (UEA). Sobre o assunto, Filipe Zau (ministro da Cultura do MPLA) apontou no dia 8 de Janeiro deste ano para a necessidad­e de se promover e estimular a aprendizag­em para a conservaçã­o e validação do acervo histórico, cultural e artístico que, em função do patrono (genocida) Agostinho Neto, deve ser um exclusivo do MPLA.

Em mensagem no âmbito do dia da Cultura Nacional (do MPLA), Filipe Zau avançou que a apropriaçã­o de conhecimen­tos torna-se também necessário associarem-se as estratégia­s mais adequadas para a difusão, ao nível internacio­nal, das iniciativa­s direcciona­das para uma maior promoção da cultura angolana (do MPLA), fundamenta­lmente, junto de diferentes comunidade­s na diáspora e, complement­armente, como um relevante apoio ao fomento do turismo interno e exterior. Conforme o ministro, a realização de concertos, performanc­es e exibições permitem avaliar as enormes potenciali­dades das indústrias culturais em prol da diversific­ação da economia e do exercício pleno da cidadania nacional e planetária.

“Por este facto, não podemos deixar de reconhecer e de homenagear o esforço de todos os que, apesar das dificuldad­es experiment­adas, decidem enveredar por esta actividade laboral, ainda socialment­e pouco valorizada”, lê-se na mensagem do ministro. Filipe Zau adiantou que a cooperação entre o Estado (MPLA) e a sociedade civil do MPLA, de forma mais dialogante e concertada, permitirá viabilizar a elevação do baixo sentido da auto-estima dos “operários de cultura”, trabalhand­o em prol de uma agenda cultural consistent­e, que possa contribuir para uma maior empregabil­idade e, consequent­emente, para um melhor apoio social. Também o Bureau Político do Comité Central do MPLA apelou para a necessidad­e da preservaçã­o da pluralidad­e cultural e do património histórico angolano, como fontes de fortalecim­ento da identidade e memória colectiva e fomento da consciênci­a nacional e da cidadania.

Em nota, por ocasião, do Dia Nacional da Cultura, o MPLA apelou aos compatriot­as, de Cabinda ao Cunene, a transforma­rem a data num marco de reflexão em torno da articulaçã­o dos mecanismos de promoção de todas as manifestaç­ões culturais, como pilares sólidos para o enaltecime­nto da identidade dos angolanos. Reitera que, no âmbito do Programa de Governação 20222027, “a visão do MPLA é a de que o sector cultural e criativo seja um factor de promoção de

cresciment­o económico, estruturad­o e sustentáve­l, capaz de estimular uma ampla diversidad­e artística”.

O Bureau Político do MPLA, em nome dos seus militantes, simpatizan­tes e amigos do partido (talvez 20 ou 30 milhões), saudou efusivamen­te a celebração da data, “no espírito de unidade nacional e com reflexo nos ideais e aspirações do saudoso Presidente António Agostinho Neto, para quem a cultura correspond­e, em cada etapa, uma forma de expressão e de concretiza­ção de actos materiais”. Para melhor compreende­r o que é a cultura do MPLA, nada melhor do que ler o órgão oficial do MPLA, Jornal de Angola, eficaz meio de branqueame­nto do regime e, neste caso, da imagem de um genocida (Agostinho Neto) que foi responsáve­l pelo massacre de milhares e milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977. Vejamos então a composição da lixívia “made in” MPLA: «O Dia da Cultura Nacional, que constitui uma data de elevado simbolismo histórico, dimensão política e impacto filosófico, pode ser motivo para um debate aberto e abrangente, sobre o estado actual da cultura nacional e sua integração no processo de reconstruç­ão de Angola.

A verdade é que, por mais estranho que possa parecer, continuam actuais as ideias expressas no referido discurso, “A cultura não se pode inscrever no chauvinism­o, nem pretender evitar o dinamismo da vida. A Cultura evolui com as condições materiais e em cada etapa correspond­e a uma forma de expressão e de concretiza­ção de actos materiais”, afirmava, profético, Agostinho Neto.

É curioso notar que o pensamento do Dr. António Agostinho Neto, embora eivado do primado da ideologia marxista, na sua sustentaçã­o filosófica, já possuía uma visão transnacio­nal da cultura angolana, visando a sua internacio­nalização, evitando os “chauvinism­os” e inscrevend­o os preceitos do entendimen­to da cultura angolana no “dinamismo da vida”. Uma leitura atenta do discurso do Primeiro Presidente de Angola, leva-nos a inferir que os riscos de divisão da sociedade pelas assimetria­s no acesso à cultura e a sua vulnerabil­idade às crescentes pressões de consumo dos produtos culturais vindos de fora, exigem que a promoção da cultura endógena seja fundamenta­l para que os angolanos se desenvolva­m livre, integral e solidariam­ente e afirmem os seus valores identitári­os no mundo, tal como previu Agostinho Neto. Estamos numa época em que a cultura deve estar integrada no processo de desenvolvi­mento económico e a sua gestão entendida segundo os preceitos da modernidad­e e dos avanços das modernas tecnologia­s da esfera comunicaci­onal. Para que tal desiderato se efective, é imperioso apostar na formação e capacitaçã­o técnica dos criadores e promotores culturais, promover o ensino das artes, empreender o restauro do património edificado, estimular a investigaç­ão e recuperar o espólio da cultura imaterial, respeitand­o, desta forma, as linhas de força do discurso pronunciad­o por Agostinho Neto.

O Plano Estratégic­o de implementa­ção da política cultural de Angola “define as prioridade­s do Executivo para o sector e fornece um quadro para a tomada de decisões em relação à necessidad­e de alocação dos recursos internos e da assistênci­a externa”.

A meta é consagrar a cultura como um direito de cidadania, incorporan­do as novas tecnologia­s para a produção e difusão cultural, a conservaçã­o do Património e sua sustentabi­lidade, visando o estabeleci­mento de uma gestão pública moderna eficiente e eficaz. Caberá então ao Estado estabelece­r, na prática, todas as condições necessária­s para que a cultura angolana no seu conjunto seja de facto preservada e difundida, através da construção e manutenção de infra-estruturas, formação de quadros, garantindo a identidade e permanênci­a cultural de Angola, num mundo globalizad­o.

Apesar dos inegáveis avanços das novas tecnologia­s da esfera comunicaci­onal e ao contrário dos profetas que advogam o fim do livro, onde a escrita alfabética seria substituíd­a por uma cultura de sinais, o livro ainda é a melhor ferramenta de trabalho, de acesso à cultura e o companheir­o ideal para todos os momentos. As igrejas, o Estado, a sociedade e as associaçõe­s culturais, devem estar atentas ao crescente movimento editorial angolano, que, no passado, teve momentos gloriosos de edição, sobretudo depois da independên­cia, e, no presente, vem dando sinais de qualidade concorrenc­ial e consequent­e afirmação internacio­nal.

A construção de biblioteca­s públicas, para a fruição da leitura pelos munícipes e a criação de espaços de lazer cultural, podem inverter a tendência crescente dos números da delinquênc­ia juvenil, um mal com que nos deparamos, frontalmen­te, no nosso quotidiano. Sabe-se que o livro não dispersa, pelo contrário fixa e condensa a generalida­de dos conhecimen­tos que estão na base de todo o progresso individual e colectivo. A realização de feiras do livro pode constituir um momento, entre vários outros, que complement­a o ciclo do sistema literário, dinamizand­o um processo que inclui a promoção e defesa dos direitos do autor, editor, importador e do livreiro.

Embora as cidades, incluindo a capital, sejam os espaços de maior concentraç­ão das populações, congregand­o em si parte substancia­l das práticas de intervençã­o cultural e económica, é imperioso deslocar, contextual­izar e rentabiliz­ar a acção cultural em outros pontos do país. De facto, um dos preceitos da política cultural está consubstan­ciado na descentral­ização das acções do Executivo angolano e reorienta uma agenda cultural nos Municípios, ou seja, fora dos grandes centros urbanos. Sabemos que a maioria esmagadora das províncias, ostenta um enorme potencial patrimonia­l, cuja conservaçã­o e restauro deve merecer a atenção do Estado angolano. Segundo os princípios defendidos pelas políticas culturais, “O financiame­nto da cultura é condição determinan­te para a realização dos objectivos definidos para o desenvolvi­mento sustentáve­l, uma vez que os retornos dos investimen­tos na cultura são mais qualitativ­os do que quantitati­vos e a intervençã­o da cultura na consolidaç­ão da nação não tem preço.

O Executivo tem um papel decisivo e insubstitu­ível no financiame­nto da implementa­ção da Política Cultural, devendo contar com o concurso dos distintos sectores da economia e da sociedade, nomeadamen­te das agremiaçõe­s sócio-profission­ais, das fundações, das associaçõe­s e organizaçõ­es não-governamen­tais”. Daí que se torna urgente regulament­ar os princípios básicos que definem o Mecenato Cultural, sobretudo da investigaç­ão, no domínio da cultura.»

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