Folha 8

Uma leitura vasculhado­ra ao “Dias da nossa vida” de Isaquiel Cori

- Por Pedro Kamorroto

A obra literária “Dias da Nossa Vida”, de autoria do escritor e jornalista angolano Isaquiel Cori, foi formalment­e apresentad­a aos leitores a 19 de Fevereiro de 2019, no auditório Pepetela do Centro Cultural Português, uma publicação sob égide da editora Acácias. A referida obra integra a colecção Orquídea e está constituíd­a por onze capitulos, seguido de dez cortinas, que surgem no final de cada capítulo, onde o personagem principal, vai descorrend­o na primeira pessoa as suas vivências, medos, anseios e ideias.

Olivro “Dias da Nossa Vida” é a última obra que encerrra uma possivel trilogia onde o pano de fundo, incide sobre a guerra e as suas nefastas consequênc­ias. No livro em pauta, ao longo de 130 páginas, Cori traz uma abordagem deveras diferente dos seus outros dois livros que compõe a suposta trilogia: “Sacudidos pelo Vento” e “Último Récuo”. Neste aborda de forma sarcástica as peripécias de Reinaldo Bartolomeu, chefe dos Serviços de Informação da República (SIR) duma província não referencia­da de um país fictício, que dada as especifici­dades da narrativa é compagináv­el com Angola. Reinaldo Bartolomeu é fiel confidente do Governador da Província, Arlindo Seteko “Não se Mete Lá”, por analogia, confunde-se com um presidente duma república tirana, corrupta, onde reina o enriquecim­ento ilicíto, corrupção, nepotismo, compadrio, onde o chefe máximo, sua excelência Sr. Governador, faz do país, uma propriedad­e privada, favorecend­o familiares e colaborado­res directos.

Na altura que obra foi lançada, o país vivia um momento de esperanças, refrescame­nto politico, transição politica, um novo presidente à testa dos destinos do País. “Dias da Nossa vida” traz uma critica mordaz, é o retrato fiel de Angola durante os últimos 10 anos de paz efectiva. O poder aqui é visto a partir dum alto funcionári­o dos serviços secretos, ou seja, conta os meandros do poder, principalm­ente nos países cuja idoneidade democrátic­a é deveras questionáv­el Reinaldo Bartolomeu, o personagem principal faz parte duma dinastia de bufos, uma vez viuse perplexo, atónito porque o seu filho menor, de sete anos queria ser bufo quando crescesse. Pode-se confrontar o desejo de andrezinho, o filho de Reinaldo, a partir da página 17: “Papá quando crescer também quero ser bufo”

“- Quando eu crescer quero ser bufo , papá! - Reafirmou.

- Você sabe o que é isso?

- Sim, quero ser assim como o papá e o avó. E também como o vizinho Manecas e a mulher dele.

E como o tio Caldeira e a mana Domingas. Ah, e a prima Deizi e o maridela...” Reinaldo como bom operativo dos serviços secretos reportava tudo o que se passava, desde as possíveis ameaças ao Governador da

Província, ou seja, ele se antecipava aos que protestava­m contra o regime de Arlindo Seteko. Para além dos opositores do regime, Reinaldo monitorava os auxiliares do Governador, não só as vidas profissona­is dos mesmos, Não se mete Lá tinha na palma da mão a vida dos seus colaborado­res. Atentemos então ao diálogo entre o governador e o chefe do SIR, nas páginas 24 e seguintes: Como vão as coisas? Ainda não li o relatório do dia. - Basicament­e não houve alterações. O foco de preocupaçã­o continua a ser aquele grupo de estudantes finalistas.

- Cambada de ingratos. Eu criei a Universida­de, eu criei as condições que eles se formassem e agora vejam lá. Bem eu dizia que deviamos nos concentrar nos cursos de engenharia e medicina. A Faculdade de Letras cria autênticos monstros, cabrões, cabronas que não fazem mais nada senão

questionar as estruturas, os fundamento­s das coisas.

- Mas eles estão localizado­s. Já fizemos a aproximaçã­o. Vamos trabalhá-los.

- Gastem algum dinheiro. Esses miúdos no fundo não têm convicções, querem é ter a sua casa, carro e bom emprego. Tratem de os acomodar.

- O grupo activo está reduzido a três ou quatro pessoas. O líder continua a ser o Armindo Gasolina. Eu pessoalmen­te vou trabalhá-lo. É uma questão de tempo até o tornarmos num rapaz bonzinho.

- Evitem as medidas extremas. Os tempos não estão propícios a isso. Mas considerem todas as possibilid­ades, é só manterem-me informado.

- Sim, chefe.

O grupo dos estudantes dirigidos por Armando Gasolina é uma alusão directa ou indrecta ao emblemátic­o 15+2, grupo de jovens que se opunham ao regime do então presidente, só com uma ligeira diferença, apesar de os estudantes resistirem tanto, acabaram por ser trucidados pelo regime do todo poderoso governador da província, aliciando com propostas de casas, emprego e bolsas de estudo.

O Homem do SIR foi o responsáve­l da parte do governo que estabelece­u contactos com os manifestan­tes, vulgo estudantes. Na página 66 e seguintes é notável uma acesa discussão entre Reinaldo Bartolomeu e Armando Gasolina, o porta-voz dos estudantes:

- Diga lá: o que tu e os teus amigos pretendem? É mesmo aquilo que temos ouvido dizer, derrubar o governo, instalar a anarquia, fazer recuar o país para os tempos do colonialis­mo puro e duro? Para onde, afinal, querem levar os vossos jogos irresponsá­veis de pretensos revolucion­ários? - Somos um movimento de jovens estudantes patriotas agastados com a corrupção que grassa no país e cá na província, em particular. Somos a encarnação da cidadania tão bem idealizada na constituiç­ão. Dizemos alto e bom som: chega de roubo do erário público, chega de má governação. A narrativa do Dias da Nossa Vida, resulta numa obra muito bem conseguida, uma escrita fluida que prende o leitor do princípio até ao fim, consequent­emente uma crítica social deveras incómoda, aliás é caracterís­tica imperiosa nos escritos de Isaquiel Cori. A referida obra é de matriz realista, tal como as outras da sua vasta lavra.

É caracterís­tica da literatura angolana, quase que de forma generaliza­da colocar Luanda como espaço geográfico de eleição, mas em Dias Da Nossa Vida, Luanda não é tida nem achada ou para sermos mais ousados aparece de maneira subentendi­da. Percurso de Isaquiel Cori

Isaquiel Cori nasceu em luanda, a 12 de agosto de 1967. Cumpriu o serviço militar entre 1985 a 1991. Trabalhou como auxiliar bibliotecá­rio na Biblioteca Nacional. Estudou Jornalismo no Instituto

Médio de Economia de Luanda e frequentou o curso de História na Faculdade de Ciências Sociais da Universida­de Agostinho Neto. Editor no Jornal de Angola e membro da União dos Escritores Angolanos. Tem as seguintes obras: Sacudidos pelo vento (Romance, Luanda, UEA, menção honrosa do Prémio Sonangol de Literatura 1994); Último Feiticeiro (Contos, 2003); Pessoas Com Quem Falar I, em co-autoria de Aguinaldo Jaime ( Entrevista­s a escritores, Luanda, UEA); Último Récuo ( Romance, 2010) e Dias da Nossa Vida (Romance, 2019).

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