Folha 8

CARTA DE UMA “INÚTIL“PROFESSORA AO GRANDE ILUMINADO M.S.TAVARES

- Por Ana Maria Gomes* *Escola Secundária de Barcelos/portugal

Existem coisas que os media portuguese­s não divulgam. Miguel Sousa Tavares, escritor e comentador português, acerta em muitas coisas e é admirado pelo povo por isso. Mas nem tudo o que diz é o mais certo e o mais indicado. A polêmica volta-se contra Miguel Sousa Tavares por este dar uma opinião sobre a “inutilidad­e” dos professore­s que ganham bastante para o que fazem… Eis ao que a professora de português Ana Maria Gomes respondeu: ‘A inútil’ escreveu assim a Miguel de Sousa Tavares :

Édo conhecimen­to público que o senhor Miguel de Sousa Tavares considerou professore­s os inúteis mais bem pagos deste país.’ Espantar-me-ia uma afirmação tão generalist­a e imoral, não conhecesse já outras afirmações que não diferem muito desta, quer na forma, quer na índole. Não lhe parece que há inúteis, que fazem coisas inúteis e escrevem coisas inúteis, que são pagos a peso de ouro? Não lhe parece que deveria ter dirigido as suas aberrações a gente que, neste deprimente país, tem mais do que uma sinecura e assim enche os bolsos? Não será esse o seu caso? O que escreveu é um atentado à cultura portuguesa, à educação e aos seus intervenie­ntes, alunos e professore­s. Alunos e professore­s de ontem e de hoje, porque eu já fui aluna, logo de ‘inúteis’, como o senhor também terá sido. Ou pensa hoje de forma diferente para estar de acordo com o sistema? O senhor tem filhos? – a minha ignorância a este respeito devese ao facto de não ser muito dada a ler revistas cor-de-rosa. Se os tem, e se estudam, teve, por acaso, a frontalida­de de encarar os seus professore­s e dizer-lhes que ‘são os inúteis mais bem pagos do país.’? Não me parece… Estudam os seus filhos em escolas públicas ou privadas? É que a coisa muda de figura! Há escolas privadas onde se pagam substancia­l-* mente as notas dos alunos, que os professore­s ‘inúteis’ são obrigados a atribuir. A alarvidade que escreveu, além de ser insultuosa, revela muita ignorância em relação à educação e ao ensino. E, quem é ignorante, não deve julgar sem conhecimen­to de causa. Sei que é escritor, porém nunca li qualquer livro seu, por isso não emito julgamento­s sobre aquilo que desconheço. Entende ou quer que a professora explique de novo?

Sou professora de Português com imenso prazer. Oxalá nunca nenhuma das suas obras venha a integrar os programas da disciplina, pois acredito que nenhum dos ‘inúteis’ a que se referiu a leccionass­e com prazer. Com prazer e paixão tenho leccionado, ao longo dos meus vinte e sete anos de serviço, a obra de sua mãe, Sophia de Mello Breyner Andersen, que reverencio. O senhor é a prova inequívoca que nem sempre uma sã e bela árvore dá são e belo fruto. Tenho dificuldad­e em interioriz­ar que tenha sido ela quem o ensinou a escrever. A sua ilustre mãe era uma humanista convicta. Que pena não ter interioriz­ado essa lição! A lição do humanismo que não julga sem provas! Já visitou, por acaso, alguma escola pública? Já se deu ao trabalho de ler, com atenção, o documento sobre a avaliação dos professore­s? Não, claro que não. É mais cómodo fazer afirmações bombástica­s, que agitem, no mau sentido, a opinião pública, para assim se auto-publicitar. Sei que, num jornal desportivo, escreve, de vez em quando, umas crónicas e que defende muito bem o seu clube. Alguma vez lhe ocorreu, quando o seu clube perde, com clubes da terceira divisão, escrever que ‘os jogadores de futebol são os inúteis mais bem pagos do país.’? Alguma vez lhe ocorreu escrever que há dirigentes desportivo­s que ‘são os inúteis’ mais protegidos do país? Presumo que não, e não tenho qualquer dúvida de que deve entender mais de futebol do que de Educação. Alguma vez lhe ocorreu escrever que os advogados ‘são os inúteis mais bem pagos do país’? Ou os políticos? Não, acredito que não, embora também não tenha dúvidas de que deve estar mais familiariz­ado com essas áreas. Não tenho nada contra os jogadores de futebol, nada contra os dirigentes desportivo­s, nada contra os advogados. Porque não são eles que me impedem de exercer, com dignidade, a minha profissão. Tenho sim contra os políticos arrogantes, prepotente­s, desumanos e inúteis, que querem fazer da educação o caixote do (falso) sucesso para posterior envio para a Europa e para o mundo. Tenho contra pseudo-jornalista­s, como o senhor, que são, juntamente com os políticos, ‘os inúteis mais bem pagos do país’, que se arvoram em salvadores da pátria, quando o que lhes interessa é o seu próprio umbigo. “Assim sendo, Sr. Miguel de Sousa Tavares, informe-se, que a informação­zinha é bem necessária antes de ‘escrevinha­r’ alarvices sobre quem dá a este país, além de grandes lições nas aulas, a alunos que são a razão de ser do professor, lições de democracia ao país. Mas o senhor não entende! Para si, democracia deve ser estar do lado de quem convém.

Por isso, não posso deixar de lhe transmitir uma mensagem com que termina um texto da sua sábia mãe: ‘Perdoai-lhes, Senhor Porque eles sabem o que fazem.’

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