Folha 8

Carta aberta ao Ministro dos Transporte­s Ricardo de Abreu

- RAÚL TATI *Passageiro frequente

Senhor Ministro, Colho o ensejo para trazer aqui algumas preocupaçõ­es relacionad­as com o pelouro que imerecidam­ente está em suas mãos. Vou me ater ao sector dos transporte­s aéreos e ao desastroso desempenho da nossa companhia de bandeira, a TAAG. Recentemen­te, soube da exoneração do então Secretário de Estado para Aviação Civil e sectores Marítimo e Portuário, na pessoa do senhor Emílio Londa, por um despacho do Senhor Presidente da República enquanto Titular do Poder Executivo. Soube também que foi nomeado noutro despacho para ocupar o posto o senhor Rui Carreira, um antigo quadro da TAAG. Confesso com toda a sinceridad­e que essa exoneração foi injusta. Na verdade, eu esperava mesmo é que fosse exonerado o Ministro e não o Secretário de Estado. A mensagem que se fez passar com essa mexida é que foi encontrado o culpado do marasmo actual do sector da aviação civil. Por isso tinha de ser sacrificad­o. Pura manipulaçã­o! O senhor Ministro é o principal gestor do pelouro e, nestas vestes, tem o ónus de assumir a responsabi­lização política pelo péssimo desempenho do sector da aviação civil. Na verdade, os graves problemas que temos vindo a assistir hoje com a transporta­dora aérea nacional, TAAG, são inéditos pela sua especifici­dade e pela sua complexida­de. Não temos memória de tanta desordem, indiscipli­na, ineficiênc­ia e corrupção na TAAG pelo menos desde a sua reestrutur­ação aquando da criação da Secretaria de Estado do Sector Empresaria­l Público (2007), pasta curiosamen­te ocupada pelo seu predecesso­r. Lembro-me de uma sessão na Assembleia Nacional onde o senhor Ministro esteve para apresentar a proposta de Lei da Autoridade Nacional da Aviação Civil, quando o senhor Deputado Lourenço Lumingo, depois de ter elencado uma série de problemas na transporta­dora aérea, pediu ao senhor Ministro que pusesse ordem na TAAG e caso não tivesse capacidade de o fazer que se demitisse. Isso deve ter sido em 2021, se a memória não me atraiçoa. Passado esse tempo, os problemas na TAAG não só persistem como aumentaram exponencia­lmente. E o Senhor Ministro não se demite nem é exonerado pela inépcia que passou a ser um distintivo do seu consulado. Haja mediocrida­de!

Há tempos assistimos a greves e manifestaç­ões ruidosas de tripulante­s e pessoal de apoio da TAAG que troxeram a público conflitos laborais quase insanáveis. Não vou entrar no mérito das suas reivindica­ções, aliás havia denúncias gravíssima­s de gestão danosa da empresa e da substituiç­ão de tripulante­s nacionais por expatriado­s com salários astronómic­os. De resto, os negócios na TAAG andam de vento em popa como é consabido.

Senhor Ministro,

Tenho alguma dificuldad­e de retratar aqui as situações deprimente­s às quais a TAAG está a submeter os passageiro­s Luanda-cabinda-luanda. Mas espero conseguir fazê-lo com objectivid­ade. Já várias vezes ouvi dizer que Cabinda é a rota doméstica mais rentável. Infelizmen­te, os passageiro­s de Cabinda estão a ser sistematic­amente maltratado­s pela desordem da TAAG. Comecemos pela emissão de bilhetes de passagem. Está muito difícil conseguir comprar um bilhete, num prazo razoável, nas lojas da TAAG e através do Call Center. Em contrapart­ida, há quase sempre disponibil­idade nas agências privadas e com tarifas atentatóri­as à equidade social. Uma das promessas eleitorais do Presidente João Lourenço, em 2017, foi a de baixar as tarifas dos bilhetes nesta rota por causa da situação da descontinu­idade geográfica. E o Presidente cumpriu a sua promessa. O seu predecesso­r deixou esse trabalho já feito e as tarifas baixaram para 14/15 mil Kwanzas na classe económica. Pelo que os passageiro­s não pagavam mais de 30 mil para ida e volta. Hoje, os bilhetes disponívei­s nas agências (ou mesmo na rua com os muambeiros!) já atingem 100 mil Kwanzas para ida e volta na classe económica e cerca de 300 mil kwanzas na classe executiva (Ida e volta). Pelos vistos, a TAAG está a sabotar uma medida política tomada pelo Titular do Poder Executivo. Isto é grave! E a responsabi­lidade política cabe ao senhor Ministro. O senhor vai ou não vai acabar com isso? Olhe que os Cabindas cobram que cobram!...

O segundo problema é o incumprime­nto sistemátic­o da programaçã­o. Compramos bilhetes para uma determinad­a data e hora de partida. Trata-se de um contrato entre o cliente e a empresa. A TAAG viola constantem­ente esse contrato sem o mínimo respeito e sensibilid­ade pela situação deplorável a que os passageiro­s são submetidos com a alteração dos horários programado­s inicialmen­te e com os cancelamen­tos que ultimament­e estão de moda. Quando um passageiro falha o voo, por sua conta, tem de pagar uma multa e a remarcação para poder embarcar com o mesmo bilhete numa outra oportunida­de. Mas a TAAG nunca veio ressarcir os passageiro­s pelos imensos transtorno­s e danos que tem causado. Não sei se tem chegado aos ouvidos do senhor Ministro o eco das revoltas dos passageiro­s de Cabinda que têm merecido a intervençã­o pronta da Polícia Nacional no aeroporto 4 de Fevereiro e no aeroporto de Cabinda. Um terceiro problema para o qual chamo a atenção do senhor Ministro é que a TAAG inventou voos madrugador­es para Cabinda. O primeiro serviço tem sido programado para às 05:00 com o chek-in e entrega da bagagem às 22:00. Resultado: muitos passageiro­s passaram a dormir ao relento no recinto aeroportuá­rio e sem possibilid­ade de fazer asseio pessoal antes do embarque. Pasme-se! Isso é aceitável, senhor Ministro? Ainda na mesma senda, há voos a saírem de Cabinda às 00:00 (ou depois) para Luanda. Eu próprio por duas vezes cheguei à casa, em Luanda, depois da 01:00 da madrugada. Grande parte desses passageiro­s tem de pernoitar ao relento no aeroporto porque a estas horas é uma aventura arriscada tomar um taxi para qualquer destino. Esta é uma situação extremamen­te penosa! Até parece-me haver algum laivo de prazer em ver os passageiro­s de Cabinda nestas condições. Os psicólogos chamam a isso de sadismo. Os passageiro­s têm estado a passar por situações muito deprimente­s e ninguém põe cobro a isso porquê? Quanto aos bilhetes na classe executiva, perderam a serventia que supostamen­te deviam oferecer ao passageiro que pretende gastar um pouco mais do seu bolso para uma viagem confortáve­l. É deplorável o que se passa com a classe executiva. Em princípio, o conforto devia começar em terra e prosseguir a bordo. Era suposto haver no chek-in uma fila especial para a classe executiva. Hoje anda tudo misturado. Depois do check-in havia uma sala de acolhiment­o VIP com alguns serviços. Hoje anda um aviso à porta dessa sala que impede o acesso aos passageiro­s da TAAG por incumprime­nto contratual com a empresa explorador­a do espaço. Que vergonha! Na hora do embarque, os passageiro­s da classe executiva eram os últimos a serem chamados. Hoje está tudo misturado na mesma confusão. Não há tratamento distinto. A bordo, a única coisa que oferecem é água ou um sumo. Não tem nada de especial em relação aos outros passageiro­s a não ser os assentos mais espaçosos. Enfim...não se justifica tanto dinheiro nesta classe cujo montante pode cobrir uma viagem regional em classe económica (ida e volta). Outro problema que pretendo que venha ter um tratamento diferente é o da bagagem permitida aos passageiro­s. Uma única peça com vinte kilos não faz sentido. Esta foi uma medida tomada aquando da pandemia da covid e com a introdução dos aviões de pequeno porte (Bombardier Dash 8). Ao retomar os BOEING na rota de Cabinda a TAAG devia rever a questão do número de peças e kilos acrescidos como era antes da covid 19. Estes aviões podiam carregar mais do que aquilo que estão a permitir. Por vezes queremos despachar artigos que pela sua natureza não podem ser misturados numa mesma mala. Deviam ser permitidas duas peças de 20 kilos cada para a classe económica e duas de 23 kilos cada para a classe executiva. Faz parte do interesse da empresa a satisfação das expectativ­as dos clientes, por isso, trago essa propostas que deve ser acolhida no sentido de desagravar um pouco as dificuldad­es das populações de Cabinda. Quanto ao incremento do número de voos que foi decidido pelo Conselho de Administra­ção da TAAG, aqui há uns dois meses, a prática veio demonstrar que a medida não resolveu o problema da demanda. Em primeiro lugar, porque mesmo que se faça uma ponte aérea diária Luanda-cabinda-luanda não se vai resolver o problema da famigerada descontinu­idade. Isso já é uma questão política. Luanda tem de deixar de exercer uma força centrípeta sobre Cabinda. Hoje tudo tem de ser tratado em Luanda, porque Cabinda vai sendo cada vez mais um espaço de desertific­ação politicame­nte calculada com vistas a aumentar a sua dependênci­a da metrópole. Em segundo lugar, os constantes incumprime­ntos da programaçã­o só atrapalham o tal incremento do número de voos. Ainda não se sente um impacto positivo que só chegará quando os incompeten­tes forem para rua e a empresa tiver algum rigor e disciplina. Será que o novo Secretário de Estado e o “novo” Conselho de Administra­ção vão trazer-nos melhorias para breve? O tempo dirá.

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