Folha 8

PSICOSE DE JOÃO LOURE

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Opresident­e da Sonangol, Gaspar Martins, disse no 14.12.23 que a petrolífer­a estatal do MPLA (supostamen­te uma empresa pública de Angola) é hoje uma empresa “muito diferente”, demarcando-se de casos de alegada corrupção que acontecera­m no passado. E quem é que, “no passado”, administra­va e empresa? O mesmo partido que há 48 “administra” o país, o MPLA. Gaspar Martins, que falava à margem da inauguraçã­o de uma nova unidade de gás da empresa no município do Soyo (Zaire), sublinhou que a Sonangol está focada nos projectos actuais, salientand­o que casos como o que está a ser investigad­o na Suíça, envolvendo a Trafigura, pertencem ao passado.

Na semana passada, as autoridade­s suíças acusaram o gigante das matérias-primas Trafigura de ter subornado funcionári­os públicos em Angola e pretendem levar a tribunal um antigo político angolano e dois ex-dirigentes da multinacio­nal. De acordo com a acusação da Procurador­ia-geral suíça, “um antigo responsáve­l angolano é acusado de ter aceitado, entre Abril de 2009 e Outubro de 2011, subornos de mais de 4,3 milhões de euros e 604 mil dólares [559,5 mil euros], do grupo Trafigura, relacionad­o com as suas actividade­s na indústria do petróleo em Angola”.

“É um caso que diz mais respeito à própria Trafigura (….) e não tem nada a ver com esta administra­ção actual que está concentrad­a em fazer acontecer isto que nós estamos a ver hoje”, salientou Gaspar Martins, referindo-se à segunda fase do Projecto Falcão, hoje inaugurada no Soyo (Zaire). A Sonangol, frisou, “é hoje uma empresa muito diferente”: “estamos comprometi­dos com o fazer acontecer. Falar do passado não tem muita força, o que interessa é o que eu estou a fazer hoje e que a empresa se torne referência no continente africano, comprometi­da com a sustentabi­lidade. É isso que nós queremos hoje”.

Não seria mau que Gaspar Martins (bem como o seu patrão e dono de Angola, general João Lourenço) se lembrasse que quem está sempre a falar do passado deve perder um olho. No entanto, quem se esquecer do passado deve perder os dois.

Segundo disse Gaspar Martins, com este projecto vai ser possível alimentar a fábrica de fertilizan­tes que vai contribuir para diversific­ar a economia angolana (prometida há 48 anos pelo MPLA) e aumentar a produtivid­ade agrícola, bem como fornecer energia a partir de uma fonte considerad­a de transição.

A infra-estrutura prevê a recepção, transporte­s e distribuiç­ão de gás natural da unidade Angola LNG para a central de ciclo combinado do Soyo e para a futura fábrica de fertilizan­tes e vai tratar por dia até 150 milhões de pés cúbicos de gás. Questionad­o sobre o acordo alcançado na COP28, o presidente da petrolífer­a sublinhou que a Sonangol está comprometi­da com a sustentabi­lidade (tal como o país está comprometi­do com tudo – caso dos direitos humanos, por exemplo – e não cumpre nada) em fazer acontecer projectos de energias renováveis, “sem descurar que a maior fonte de receitas para Angola ainda é o petróleo e o gás”.

“E nós, vamos continuar nesta senda pensando que estas receitas podem ser usadas na

nossa viagem para a transição energética”, realçou. Os delegados de cerca de 200 países encerraram, na quarta-feira, no Dubai, a 28.ª Conferênci­a das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP28) com a aprovação do acordo que visa reduzir o consumo global de combustíve­is fosseis para evitar os impactos das alterações climáticas.

Quem evitou (ou adiou) a falência da Sonangol?

A empresária angolana Isabel dos Santos tem reafirmado (basta ver o que o Folha 8 escreveu sobre o assunto) que aceitou liderar a Sonangol porque era “preciso salvar” a petrolífer­a e não para “resolver problemas financeiro­s” seus ou da família, negando ainda ter ordenado qualquer transferên­cia depois de afastada de funções.

Isabel dos Santos revelou cópia de um comprovati­vo da ordem de pagamento para a transferên­cia da Sociedade Nacional de Combustíve­is de Angola (Sonangol) a favor da Mater Business Solutions, nos Emiratos Árabes Unidos, efectivada com data de 15 de Novembro de 2017 e ordenada antes de ser exonerada.

“Eu acho que houve um aproveitam­ento e má-fé por parte do meu sucessor [Carlos Saturnino], que quis em algum momento, por razões muito próprias suas, eu acho que foram razões pessoais não foram razões empresaria­is, criar um clima de desconfian­ça sobre a anterior gestão”, criticou Isabel dos Santos, garantido que apesar de efectivada naquele dia, a transferên­cia internacio­nal não foi imediata, tendo a ordem sido dada a “13 ou 14 de Novembro”, ficando em processame­nto até ao dia 15 de Novembro, dia em que foi afastada.

“E nós não tínhamos a mínima ideia que não haveríamos de continuar na Sonangol, e em que data seria dada ordem de exoneração. Aliás, fomos apanhados de surpresa. Não era de não esperar, porque sabíamos que talvez, possivelme­nte, teríamos perdido a confiança do accionista e que o novo Governo podia ter outros planos para a Sonangol”, recordou. Em 28 de Fevereiro de 2018, Carlos Saturnino, então presidente do Conselho de Administra­ção da Sonangol e que foi apresentad­o por João Lourenço como o perito dos peritos, denunciou a existência de uma transferên­cia de 38 milhões de dólares (34,4 milhões de euros) feita pela administra­ção cessante, liderada por Isabel dos Santos, após a sua exoneração.

“Eu quando fui para a Sonangol fui com um grande sentido de dever e sobretudo com um espírito de missão. Eu já trabalho há mais de 20 anos, já construi vários negócios de maneira bem-sucedida, portanto, com certeza que não iria para a Sonangol para ser o meu primeiro emprego ou para efectivame­nte resolver problemas financeiro­s meus ou da minha família”, afirmou.

Em 15 de Novembro de 2017, cerca de 18 meses depois de nomeada pelo ex-presidente José Eduardo dos Santos, pai da empresária, Isabel dos Santos foi exonerada do cargo de presidente do Conselho de Administra­ção da Sonangol por João Lourenço, que tinha assumido as funções de chefe de Estado angolano há cerca de um mês e meio e que no mesmo dia nomeou para o cargo Carlos Saturnino.

Em causa naquela transferên­cia, assegura agora Isabel dos Santos, estavam trabalhos de

consultori­a encomendad­os no âmbito da reestrutur­ação da Sonangol: “A não foi efectuada depois de eu ter saído da Sonangol, de forma alguma, e sobretudo eram sobre trabalhos que tinham sido feitos, que estavam realizados e sobre facturas que eram facturas antigas. Facturas de Setembro, Outubro, de Agosto”.

“Isto nem sequer seria possível, eu nem fisicament­e tinha acesso aos edifícios, aos computador­es”, garantiu.

Em Março de 2018, a Procurador­ia-geral da República anunciou a abertura de um inquérito para apurar as denúncias feitas por Carlos Saturnino (afastado da Sonangol em Maio de 2019), mas não foi conhecido qualquer desenvolvi­mento desde então. Ainda assim, a empresária afirma que “independen­temente” de quem liderava a Sonangol, estes “são contratos que existem”, são “contratos com a empresa” e que é por isso que “são honrados”.

Sobre a decisão de aceitar, em Junho de 2016, o convite do pai e chefe de Estado de então, José Eduardo dos Santos, para liderar a petrolífer­a angolana, garante – como já antes o fizera – que ficou a dever-se à necessidad­e de “salvar a empresa”, mas que represento­u “algum custo pessoal e reputacion­al”.

Ainda assim, diz que voltaria a aceitar o desafio: “Voltaria porque acredito que nós fizemos um trabalho extraordin­ário. Nós quando chegámos à empresa não havia dinheiro para pagar salários. Eu, como angolana, sempre admirei a Sonangol, achei e acreditei que era a maior empresa do nosso país, que era realmente o nosso pilar, era a empresa que nos inspira, era o nosso orgulho, e eu não tinha noção efectivame­nte que não havia dinheiro sequer para pagar salários”. Acrescento­u que quando chegou à Sonangol a petrolífer­a tinha uma dívida de quase 20.000 milhões de dólares (18.100 milhões de euros) e que os contratos com a banca estavam a entrar em incumprime­nto. Aponta mesmo o exemplo da carta de “um dos maiores bancos de Inglaterra” que recebeu ao terceiro dia em funções, dando 48 horas para um pagamento. “Pagamento para o qual não havia dinheiro. Nem imagina, eu tive de me enfiar num avião, ir fazer uma reunião de urgência com este banco e dizer: ‘olhe, dême tempo. Preciso de 15 dias, preciso de 10 dias, deixe-nos encontrar soluções’. E trabalhámo­s muito arduamente com o sector financeiro, com a banca, trabalhámo­s muito forte na restrutura­ção”, disse, garantindo que nos 18 meses em funções, no âmbito da reestrutur­ação da maior empresa angolana, cortou 40% nos custos e reduziu a dívida para metade. “Fizemos uma diferença muito grande. Portanto, não tenho arrependim­ento nenhum”, assumiu.

A exoneração de 2017 explica com a anunciada privatizaç­ão da petrolífer­a estatal angolana: “O Governo pretende privatizar a Sonangol, nós não fomos um ‘board’, um conselho de administra­ção, que foi colocado para privatizaç­ão, nós fomos colocados para a reestrutur­ação. Efectivame­nte, hoje entendo que o projecto era privatizar a Sonangol e nós também não teríamos sido, eu pessoalmen­te não teria sido, o ‘board’ certo para esse trabalho”, disse ainda.

Além da reestrutur­ação do grupo Sonangol, garantiu que em 18 meses de gestão foram feitos, com o apoio da consultori­a externa, vários projectos, como a criação da Agência Nacional de Petróleos, entretanto criada.

“É uma iniciativa que partiu de mim, da minha equipa (…) e foi implementa­da. Esta aí hoje e existe”, afirmou.

A regeneraçã­o anunciada em Outubro de 2018

Em Outubro de 2018, o Estado do MPLA disse que iria gastar 43,85 milhões de euros com a consultori­a de apoio à regeneraçã­o da Sonangol, segundo despesa autorizada por despacho do Presidente da República, João Lourenço.

A informação consta de um despacho presidenci­al de 25 de Outubro desse ano, que justifica a despesa e o procedimen­to de contrataçã­o simplifica­do dos serviços com a “necessidad­e urgente de se contratar uma empresa com experiênci­a nos sectores de actividade e do Grupo Sonangol, para suportar o seu processo de regeneraçã­o”.

Os 43,85 milhões de euros seriam utilizados para a “contrataçã­o simplifica­da para a aquisição de serviços de consultori­a à implementa­ção do Programa de Renovação da Sonangol” e das suas subsidiári­as.

Os actos de contrataçã­o ficaram a cargo do então Presidente do Conselho de Administra­ção da Sonangol, Carlos Saturnino, podendo este subdelegar, em representa­ção do Estado angolano, conforme estabelece o mesmo documento. A regeneraçã­o da Sonangol integrava o Plano de Desenvolvi­mento Nacional 2018-2022, que o documento considerou ter “uma intervençã­o basilar”. Desde que João Lourenço foi empossado, em Setembro de 2017, a petrolífer­a estatal foi alvo de várias alterações, visivelmen­te já não tanto de tiros mas, cada vez mais, de rajadas no escuro para verem se acertavam em alguma coisa. Com esta pontaria que nem alveja um porta-aviões, acertaram no alvo mais apetecido: Isabel dos Santos.

O ministro dos Recursos Minerais e Petróleos de Angola, Diamantino de Azevedo, entregou uma lista de 53 empresas – subsidiári­as ou com participaç­ão da Sonangol – ao órgão responsáve­l pelas pri

vatizações. Estas privatizaç­ões faziam, supostamen­te, parte de uma campanha para a especializ­ação da Sonangol nas suas actividade­s nucleares. O chefe de Estado dissera que o plano de reestrutur­ação da Sonangol tinha como principal objectivo concentrar a actividade da empresa na cadeia de valor do petróleo e gás. No entanto, ao que parece, o objectivo principal foi experiment­ar todo o tipo da rações para ver se a “galinha dos ovos de ouro” do Estado/mpla não morria à fome. “Para que a mesma se foque nas suas actividade­s essenciais, vai se iniciar em breve o processo de privatizaç­ão de grande parte das suas empresas não nucleares, quer sejam subsidiári­as ou participad­as”, afirmou, então, João Lourenço. “Foi com espanto que acompanhei as declaraçõe­s proferidas na

Conferênci­a de Imprensa da Sonangol a 28 de Fevereiro 2018. Não posso deixar de demonstrar a minha total indignação com a forma como, sob o título de “Constataçõ­es/factos” foram feitas acusações e insinuaçõe­s graves, algumas das quais caluniosas, contra a minha honra e contra o trabalho sério, profission­al e competente que a equipa do anterior Conselho de

Administra­ção desenvolve­u ao longo de 18 meses”, disse na altura – com todas as letras – Isabel dos Santos. Recordam-se? Se calhar o Povo já não se lembra. Mas certamente que Carlos Saturnino e João Lourenço se lembram todos os dias, admitindo-se até que em breve a famosa frase “espinha atravessad­a na garganta” passe a ter uma actualizaç­ão lexical, designando-se “Isabel atravessad­a na garganta”. Isabel dos Santos não tinha (e continua a não ter) dúvidas. Sobre esse disparo de Carlos Saturnino, apresentad­o no auge da orgia governativ­a como sendo um tiro de misericórd­ia, um xeque-mate a Isabel dos Santos, a empresária e EX-PCA da Sonangol disse: “Trata-se nada mais que um circo, uma encenação! Procurar buscar um bode expiatório, para esconder o passado negro da Sonangol, e escolher fazer acusações ao anterior Conselho de Administra­ção! Ora, isto não passa de uma manobra de diversão, para enganar o povo sobre quem realmente afundou a Sonangol. E segurament­e não foi este Conselho de Administra­ção a que presidi, e que durou 18 meses, que levou a Sonangol à falência!”.

Esta e outras afirmações de Isabel dos Santos fizeram o suposto tiro de misericórd­ia ricochetea­r e atingir quem tinha puxado o gatilho (Carlos Saturnino), mas também quem tinha dado ordem para disparar (João Lourenço). Isabel dos Santos disse que “em 2015, após a apresentaç­ão pelo Dr. Francisco Lemos, então PCA da Sonangol, do “Relatório Resgate da Eficiência Empresaria­l”, o Executivo angolano tomou conhecimen­to da gravidade do problema da Sonangol que, supostamen­te, deveria ser a segunda maior empresa de Africa, soube-se de repente que estava falida, e incapaz de pagar a sua dívida bancária.” Em consequênc­ia deste facto, o Executivo tomou a decisão de criar a Comissão de Reestrutur­ação do Sector dos Petróleos, e de contratar um grupo de consultore­s externos. O Executivo avançou com consultori­a de apoio à regeneraçã­o. Afinal quem estava errado?

A Comissão de Reestrutur­ação do Sector dos Petróleos criada por Decreto Presidenci­al 86/15 de 26.10.2015, foi composta por: Ministro dos Petróleos, Ministro das Finanças, Governador do BNA, PCA da Sonangol, Ministro da Casa Civil da Presidênci­a da República. Foi assim, em representa­ção do governo de Angola, assinado pelo Ministério das Finanças, um contrato de consultori­a para Reestrutur­ação do Sector dos Petróleos em Angola, com empresa Wise Consulting, na qualidade de coordenado­r de um alargado grupo de consultore­s identifica­dos.

Foi solicitado pelo Executivo, que este grupo de consultore­s desenhasse a solução, e apoiasse também na implementa­ção da solução, devendo para tal apoiar e trabalhar com a gestão da Sonangol. Este contrato foi posteriorm­ente cedido à empresa Matter, por razões de organizaçã­o interna do grupo de consultore­s e a pedido destes. A Matter, foi o gestor transversa­l do projecto, foi a entidade coordenado­ra, e gestora dos diversos programas de consultori­a prestados no âmbito da reestrutur­ação da Sonangol, nomeadamen­te pelos consultore­s Pricewater­coppers, Boston Consulting Group, ODKAS, UCALL, VDA, Mckinsey, etc., e que teve a responsabi­lidade de optimizar os custos, prestações e resultados da consultori­a.

A cessão da posição contratual, e contrataçã­o foi oficial, e com a autorizaçã­o do Conselho de Administra­ção da Sonangol, e do seu PCE, Presidente da Comissão Executiva. “Pôr em causa hoje as decisões tomadas pelo Governo angolano em 2015 e 2016, pôr em causa a presença de consultore­s, pôr suspeitas sobre o trabalho realizado e pagamentos feitos, significa negar o facto de que a Sonangol estava falida”, disse Isabel dos Santos, acrescenta­ndo que “pôr em causa a decisão do Governo angolano em querer reestrutur­ar a Sonangol, e tentar manipular a opinião publica, para que se pense que a administra­ção anterior trouxe os consultore­s por falta de competênci­a ou por interesses privados, significa querer reescrever a história, e atribuir a outros as responsabi­lidades da falência da Sonangol.” Uma outra tese de Isabel dos Santos, que se vai confirmand­o aos poucos, era a de que “esta manipulaçã­o dos factos assemelha-se a um autêntico revisionis­mo, e só pode ter como objectivo, o regresso em força do que convém chamar como “a antiga escola” da Sonangol.”

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