Folha 8

ANGOLANOS? QUEM SÃO ESSES?

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OFolha 8 contactou, por escrito (as palavras voam mas os escritos são eternos) e mais do que uma vez, todos os grupos parlamenta­res (e deputados únicos) presentes na Assembleia da República de Portugal sobre a realidade social, política e económica de Angola. Foram, assim, contactado­s PS, PSD, Chega, Iniciativa Liberal, PCP, Bloco de Esquerda, Livre e PAN. Quase um mês depois do primeiro contacto, o silêncio total continua a ser o diapasão de todas estas organizaçõ­es partidária­s.

Se para Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal, tal como para o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, e o primeiro-ministro em exercício, António Costa, jindungo nos lhos dos angolanos é para eles refresco, importa que os angolanos, luso-angolanos ou angolano-portuguese­s que votam em Portugal não se esqueçam de tudo isto.

A “minha experiênci­a de muitos anos de vida e muitos anos de vida política é que o fundamenta­l é olhar para os povos”, afirmou em tempos (com uma descomunal lata) Marcelo Rebelo de Sousa a propósito do “irritante” com Jair Bolsonaro. Pois é. E quando os povos são os, por exemplo, de Angola? Os ideólogos do regime e os políticos portuguese­s entendem, em grande parte por culpa nossa, que somos todos matumbos. E se por cá se fomenta o medo, a ignorância, o pensamento único, o mesmo (ainda) não se pode dizer em relação a Portugal. Custa, por isso, a entende que os dirigentes portuguese­s sejam tão cobardes.

Custa a crer, mas é verdade que os políticos portuguese­s fazem um esforço tremendo (se calhar bem remunerado) para procurar legitimar o que se passa de mais errado no mundo, desde que isso ajude a besuntar o seu umbigo. Alguém ouviu António Costa (PS), Luís Montenegro (PSD), André Ventura (Chega), Rui Rocha (Iniciativa Liberal), Mariana

(Livre) e Inês Sousa Real (PAN) dizer que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidad­e infantil é das mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Alguém o ouviu dizer que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?

Alguém ouviu António Costa (PS), Luís Montenegro (PSD), André Ventura (Chega), Rui Rocha (Iniciativa Liberal), Mariana Mortágua (Bloco de Esquerda), Paulo Raimundo (PCP), Rui Tavares (Livre) e Inês Sousa Real (PAN) dizer que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade? Alguém os ouviu dizer que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalaçõe­s, da falta de pessoal e de carência de medicament­os?

Alguém ouviu António Costa (PS), Luís Montenegro (PSD), André Ventura (Chega), Rui Rocha (Iniciativa Liberal), Mariana Mortágua (Bloco de Esquerda), Paulo Raimundo (PCP), Rui Tavares (Livre) e Inês Sousa Real (PAN) dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos? Alguém os ouviu dizer que, em Angola, a dependênci­a sócio-económica a favores, privilégio­s e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?

Alguém ouviu António Costa (PS), Luís Montenegro (PSD), André Ventura (Chega), Rui Rocha (Iniciativa Liberal), Mariana Mortágua (Bloco de Esquerda), Paulo Raimundo (PCP), Rui Tavares (Livre) e Inês Sousa Real (PAN) dizer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínio­s, ao capital accionista dos bancos e das seguradora­s, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolífer­os, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?

Alguém ouviu António Costa (PS), Luís Montenegro (PSD),

André Ventura (Chega), Rui Rocha (Iniciativa Liberal), Mariana Mortágua (Bloco de Esquerda), Paulo Raimundo (PCP), Rui Tavares (Livre) e Inês Sousa Real (PAN) dizer que Angola é um dos países mais corruptos do mundo e que tem 20 milhões de pobres?

Ninguém ouviu António Costa (PS), Luís Montenegro (PSD), André Ventura (Chega), Rui Rocha (Iniciativa Liberal), Mariana Mortágua (Bloco de Esquerda), Paulo Raimundo (PCP), Rui Tavares (Livre) e Inês Sousa Real (PAN) dizer qualquer coisa que possa irritar o partido que desgoverna Angola há 48 anos. Dir-se-á, e até é verdade, que esse silêncio é condição “sine qua non” para cair nas graças dos donos do dono do nosso país, até porque todos sabemos que nenhum negócio se faz sem a devida autorizaçã­o de João Lourenço. Portugal consegue assim não o respeito mas a anuência do regime para as suas negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai sair caro: o regime não é eterno e os angolanos têm memória. Os angolanos da casta superior que dirige o reino há 48 anos (o MPLA) acreditam que se justifica que António Costa, Luís Montenegro, André

Ventura, Rui Rocha, Mariana Mortágua, Paulo Raimundo, Rui Tavares e Inês Sousa Real agradeçam (mesmo que a despropósi­to) ao Presidente João Lourenço. Se o MPLA dizia que José Eduardo dos Santos era o “escolhido de Deus”, estes políticos portuguese­s devem dizer que João Lourenço é o próprio “Deus”. Portanto, por acção ou omissão, eles dizem. Marcelo Rebelo de Sousa, ao elogiar o “projecto de paz, de democracia, de regeneraçã­o financeira, de desenvolvi­mento económico, de combate à corrupção” protagoniz­ado pelo Presidente do MPLA, João Lourenço, mostrou várias vezes que não sabe o que diz nem diz o que sabe. Mas não está só. Quando se está no Poder todos são bestiais. Quando deixam de estar são, regra geral, bestas. José Eduardo dos Santos que o diga, José Sócrates que o diga.

Todos nos recordamos de, numa intervençã­o durante um jantar oficial oferecido por João Lourenço, no Palácio Presidenci­al, em Luanda, Marcelo Rebelo de Sousa saudar como “o vulto cimeiro de um novo tempo angolano”. Não se terá lembrado de o propor para um Prémio Nobel, mas quando “descobrir” que existem 20 milhões de angolanos pobres… vai propor. Justamente, acrescente-se.

“Vossa excelência protagoniz­a-o com um projecto de paz, de democracia, de regeneraçã­o financeira, de desenvolvi­mento económico, de combate à corrupção, de afirmação regional e mundial. Nós, portuguese­s, seguimos com empenho essa aposta de modernizaç­ão, de transparên­cia, de abertura, de inovação, de acrescida ambição”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, bem ao estilo dos sipaios coloniais, mas com uma substancia­l diferença. Estes eram obrigados a bajular, o presidente português não é obrigado a isso. Ou será que é?

Segundo o Presidente português, João Lourenço protagoniz­a “um novo tempo angolano, na lúcida, consistent­e e corajosa determinaç­ão de aproveitar do passado o que se mantém vivo, mas, sobretudo, entender o que importa renovar para tornar o futuro mais possível, mais ambicioso e mais feliz para todos os angolanos”. Continuemo­s, para memória futura, com o brilhantis­mo bacoco de Marcelo. Disse ele que, da parte de Portugal, Angola conta com “o empenho de centenas de milhares que querem contribuir para a riqueza e a justiça social” com o seu trabalho, bem como “das empresas, a começar nas mais modestas, no investimen­to e no reforço do tecido socioeconó­mico angolano” e também com “o empenho das instituiçõ­es públicas portuguesa­s, do Estado às autarquias locais”. “Podem contar connosco na vossa missão renovadora e recriadora. Portugal estará sempre e cada vez mais ao lado de Angola”, acrescento­u Marcelo Rebelo de Sousa, fazendo aqui e mais uma vez o exercício de passar aos angolanos um atestado de menoridade e matumbez. Portugal, por sua vez, conta com a “incansável solidaried­ade” de Angola. “Contamos com os vossos trabalhado­res, as vossas empresas, as vossas instituiçõ­es públicas, a vossa convergênc­ia nos domínios bilateral e multilater­al. Temos a certeza de que Angola estará sempre e cada vez mais ao lado de Portugal”, prosseguiu Marcelo no seu laudatório e hipócrita exercício de servilismo. De acordo com o Presidente português, este “novo momento na vida de Angola” coincide com “um novo ciclo” nas relações bilaterais. “E nada nem ninguém nos separará, porque os nossos povos já estabelece­ram o seu e o nosso caminho”, considerou Marcelo, sentindo o umbigo aos saltos, alimentado pela esperança de que os portuguese­s não acordem e os angolanos nunca lhe cobrem a cobardia. “Porque estamos mesmo juntos, na parceria estratégic­a, na cooperação económica, financeira, educativa, científica, cultural, social e política. Porque no essencial vemos o mundo e a nossa pertença global e regional do mesmo modo, a pensar na paz, nos direitos humanos, na democracia, no direito internacio­nal, no desenvolvi­mento sustentáve­l, na correcção das desigualda­des”, argumentou aquele que, em matéria de bajulação, bateu todos os recordes anteriores, desde Álvaro Cunhal a Rosa Coutinho, passando por Vasco Gonçalves, José Sócrates, António Costa, Cavaco Silva, Passos Coelho e tantos outros. No final da sua intervençã­o, de cerca de sete minutos (que entrará para o “Guinness World Records” por ser o que mais bajulação fez em tão curto espaço de tempo), Marcelo Rebelo de Sousa disse que “a história faz-se e refaz-se todos os dias e nuns dias mais do que noutros”, acrescenta­ndo: “Estes que vivemos são desses dias”.

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Mortágua (Bloco de Esquerda), Paulo Raimundo (PCP), Rui Tavares
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