Folha 8

QUANDO SÓ INTERESSA PARECER E NÃO… SER

-

Ojuiz Robert Bright, de um tribunal comercial britânico, decidiu no 20.12.23 pelo congelamen­to de cerca de 580 milhões de libras (670 milhões de euros) controlado­s pela empresária angolana Isabel dos Santos, num processo movido contra a Unitel Internatio­nal Holdings. Segundo este juiz, “parece haver um argumento a favor do congelamen­to”. E, tal como acontece em Angola com o MPLA, se parece… é. Segundo argumentou o juiz Robert Bright na decisão publicada pelo Supremo Tribunal Comercial britânico, “não vejo uma base óbvia pela qual os activos de Isabel dos Santos devam ser protegidos nesta jurisdição; parece haver um argumento óbvio a favor de um congelamen­to mundial dos seus bens”.

Se fizer jurisprudê­ncia nos tribunais britânicos, “o que parece passa a ser”. Exemplific­ando, se um burro pintado às riscas parece uma zebra, então o burro passa a ser uma zebra. Nada mal.

Em causa está o processo movido pela Unitel (fundada por Isabel dos Santos), agora controlada pelo Estado angolano (o MPLA), contra a Unitel Internatio­nal Holdings BV, com sede nos Países Baixos, e contra a empresária Isabel dos Santos, que pedia o congelamen­to de 580 milhões de libras, o equivalent­e a 670 milhões de euros ao câmbio actual.

Na decisão, o juiz afirma que é “altamente desejável que Isabel dos Santos seja obrigada a declarar os seus activos, em circunstân­cias em que a Unitel não sabe quais, se alguns, activos são detidos por ela e não estão cobertos pelas ordens de arresto ou congelamen­to que já estão em vigor”. Assim, conclui, não aceita “o princípio de que as outras ordens de congelamen­to de bens significam que não é justo nem convenient­e para este tribunal decidir por mais uma ordem”, como defendido pela empresária, que se diz vítima de uma “campanha opressiva”. A decisão do tribunal londrino surge na sequência de um conjunto de acções movidas pelo MPLA/JOÃO Lourenço e por empresas públicas e privadas contra a empresária desde que João Lourenço tomou posse como Presidente de Angola, em 2017, numa escolha pessoal do pai de Isabel dos Santos (José Eduardo dos Santos) de quem foi, aliás, ministro da Defesa, e que incluíram também outros membros da família de José Eduardo dos Santos, que governou Angola durante quase 38 anos.

O Tribunal Supremo (TS) angolano – conhecida sucursal do MPLA – determinou em Dezembro do ano passado o arresto preventivo dos bens da empresária Isabel dos Santos, avaliados em mil milhões de dólares (cerca de 930 mil milhões de euros), nomeadamen­te 100% das empresas Unitel T+, em Cabo Verde, e Unitel STP SARL, em São Tomé e Príncipe, de que a filha do antigo Presidente de Angola José Eduardo dos Santos era beneficiár­ia efectiva. Segundo o despacho, entre outras acusações, Isabel dos Santos “fez ainda transferir quantias da Unitel SA para a entidade Unitel Internatio­nal Holdings BV, sociedade com sede nos Países Baixos, constituíd­a em 04/05/2012 e controlada pela própria Isabel dos Santos, sua única beneficiár­ia efectiva”.

Com efeito, entre 8 de Maio de 2012 e 28 de Agosto de 2013, refere-se na nota, foram celebrados sete contratos de financiame­nto entre a Unitel SA e a Unitel Internatio­nal Holdings BV, através dos quais a primeira emprestou à segunda o valor total de 322.979.711,00 euros e 43.000.000,00 de dólares, montantes que a empresa beneficiár­ia “se obrigou a restituir no prazo de 10 anos”. Tais empréstimo­s, “em que Isabel dos Santos assinou os referidos contratos de financiame­nto, na simultânea qualidade de legal representa­nte de ambas empresas”, permitiram à Unitel Internatio­nal Holdings BV a aquisição de participaç­ões sociais ou a constituiç­ão de sociedades no sector das telecomuni­cações em Portugal, Cabo Verde (Unitel T+) e São Tomé e Príncipe (Unitel STP, SARL)”, conclui-se no despacho.

PARECER PASSA A SIGNIFICAR… SER

Isabel dos Santos é visada, em Angola, em processos criminais e cíveis em que o Estado/mpla reclama mais de cinco mil milhões de dólares (4,4 mil milhões de euros). A empresária viu também as suas contas bancárias e participaç­ões sociais serem arrestadas em Portugal e em Angola.

Isabel dos Santos tem sempre afirmado a sua inocência, acusando a (suposta) justiça angolana de forjar provas, e diz ser vítima de perseguiçã­o política. Recorde-se que Isabel dos Santos acusou em Maio de 2020 Angola e Portugal de terem usado como prova no arresto de bens um passaporte falsificad­o, com assinatura do mestre

do kung-fu e actor de cinema já falecido, Bruce Lee. Segundo um comunicado da empresária, o Estado angolano terá usado como prova para fazer o arresto preventivo de bens “um passaporte grosseiram­ente falsificad­o, com uma fotografia tirada da Internet, data de nascimento incorrecta e uso de palavras em inglês, entre outros “sinais de falsificaç­ão”.

“Os factos e imagens falam por si. A verdade hoje chega ao de cima sobre o fraudulent­o processo de arresto, baseado em provas forjadas e falsificaç­ões. Contra factos não há argumentos. Um “Passaporte Falso” foi dado pelo Tribunal como sendo meu”, afirmou Isabel dos Santos. Não era de Isabel dos Santos, mas… parecia. O passaporte em causa terá sido usado como prova em tribunal pela Procurador­ia-geral da República de Angola para demonstrar que Isabel dos Santos pretendia ilegalment­e exportar capitais para o Japão, alegou a filha do antigo Presidente angolano José Eduardo dos Santos e alvo a “abater” na suposta luta contra a corrupção encetada por João Lourenço.

A empresária acusou a PGR que desde sempre foi uma sucursal do MPLA e não um organismo independen­te ao serviço de Angola, de fazer uma “utilização fraudulent­a do sistema de justiça de Angola” para se apoderar do seu património empresaria­l e apela à justiça portuguesa, que decidiu cooperar servil e cegamente com o MPLA, e executou vários arrestos em Portugal, para que “à luz desta denúncia e de outras que se seguirão, “reavaliar estas execuções às cegas”. Independen­temente das teses da PGR angolana e de Isabel dos Santos, parece cada vez ais claro que todo o processo, para além de mostrar que os seus pés de barro estão a desmoronar-se, é um acerto de contas mal feito e politicame­nte letal para as partes envolvidas. E se parece…

“Arrestar não só os bens pessoais, como o produto de contas bancárias, mas os activos que constituem o império económico e financeiro de Isabel dos Santos em Portugal, como a NOS, o Eurobic ou a Efacec, é fundamenta­l para começar a desmontar este império sujo que Isabel dos Santos criou com enorme cumplicida­de das autoridade­s políticas e regulatóri­as portuguesa­s”, afirmou na altura João Paulo Batalha, presidente da direcção da Associação Cívica Integridad­e e Transparên­cia, no dia 15 de Abril de 2020 à DW, comentando a decisão da justiça portuguesa, tomada em Março, de congelar as participaç­ões da filha do ex-presidente angolano, José Eduardo dos Santos, em empresas como a NOS e Efacec.

Para João Paulo Batalha, este era um passo importante para evitar que Isabel dos Santos fuja com o referido património e se ponha a salvo da justiça, quer portuguesa quer angolana. Em Janeiro deste ano, as autoridade­s angolanas solicitara­m a colaboraçã­o da justiça portuguesa para o arresto das participaç­ões que Isabel dos Santos detém nas sociedades NOS, Efacec e no Eurobic, como via para obter garantia de retorno patrimonia­l de 1,2 mil milhões de dólares (cerca de 1,15 milhões de euros). Certo é que este é um imbróglio que não consegue separar o que é da justiça e o que é da política: De certa forma, a justiça portuguesa está a ser instrument­alizada pela PGR de Angola.

Em Abril de 2020, a Winterfell, empresa de Isabel dos Santos que controlava a Efacec, acusou a justiça angolana de provocar “danos injustific­áveis” às empresas portuguesa­s e estar a usar indevidame­nte a justiça em Portugal para “fins não legais e desproporc­ionais”.

Em comunicado citado pela agência Lusa, a empresa salientou na altura que a justiça angolana, além de ter arrestado bens num valor superior ao suposto crédito reclamado a Isabel dos Santos (1,1 mil milhões de euros), dá um tratamento diferente a empresas portuguesa­s e angolanas, solicitand­o medidas judiciais em Portugal que não foram aplicadas em Angola.

Como exemplo, a Winterfell lembra que, em Angola, “o procurador não solicitou o bloqueio das contas das empresas, nem impediu que fossem pagos salários, rendas, impostos, água e luz”, enquanto em Portugal “pediu o bloqueio das contas, impedindo-as de operar e forçando a sua insolvênci­a, levando ao despedimen­to de uma centena de trabalhado­res”, situação agravada pela crise decorrente da pandemia de Covid-19.

A PGR angolana dá passos maiores do que a perna e não sabe como é que há-de descalçar a bota e nem repara que está descalça… E, portanto, está de alguma forma a tentar que a justiça portuguesa faça o trabalho que ela não consegue fazer.

O próprio processo movido contra Isabel dos Santos é um processo juridicame­nte mal feito e que politicame­nte tenta mostrar uma realidade que, de facto, não correspond­e aos factos. Quer o Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, quer a justiça portuguesa, em geral, não têm a noção de que este é um caso político, um acerto de contas mal feito por parte da PGR angolana. João Paulo Batalha nas declaraçõe­s à DW mostrou-se esperançad­o que seja possível devolver ao povo angolano grande parte dos activos desviados, mas considera também fundamenta­l investigar a origem da fortuna de Isabel dos Santos e os crimes de corrupção, de favorecime­nto e de branqueame­nto de capitais que eventualme­nte lhe são imputados, respectiva­mente em Angola e Portugal. O presidente da Integridad­e e Transparên­cia considerou que a justiça portuguesa continuava a agir de forma tímida e pedia mais investigaç­ão sobre as cumplicida­des políticas e económicas que permitiram à filha primogénit­a de José Eduardo dos Santos ser tão bem recebida em Portugal e acumular o seu vasto património.

Em causa, afirmou, estavam “as responsabi­lidades não só de Isabel dos Santos, mas de toda esta rede que a ajudou a montar todo este império e que continua provavelme­nte activa no apoio a outras altas figuras do Estado angolano”, também elas com fortunas de origem suspeita ou desconheci­da e que continuam a fazer negócios e a trazer para Portugal muita riqueza acumulada de forma suspeita. Recorde-se que, na mesma altura, a plataforma Projecto de Investigaç­ão ao Crime Organizado e Corrupção (OCCRP, sigla em inglês), revelou que mais de uma dezena de entidades de influência da elite angolana e seus familiares usaram o sistema bancário para desviar centenas de milhões de dólares para fora do país, incluindo companhias alegadamen­te associadas a Isabel dos Santos.

 ?? ??
 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola