Folha 8

SEMENTES NO SILÊNCIOS

Todo o ser vivo é um contador de estórias. Todo o ser pensante é um escrevente. Escrever é viver duas vezes, na medida em que se escreve, em resumo, o mundo e as suas necessidad­es. Se não houver a palavra, haverá o ar, os pássaros, a chuva, as trovoadas,

- Por Salvador Ximbulikha* *Professor e escritor

Sempre que as portas de um ano se abrem, os viventes perfilam suas ideias no oculto ou à deriva, havendo um sentimento de espera, de generosida­de do tempo, este sujeito que não espera (por) ninguém, mesmo que detentor de curvas apreciávei­s ou bolsos e estatuto avolumados. Aprendemos na estrada da corrida que a vida não é linear para todos. Por isso, os tropeços e as derrotas são amigos permanente­s. Como nos diriam os estóicos, vivamos a vida da maneira mais viva possível, já que no hoje está o poder de acção do homem. Sendo assim, o ano que está às portas do adeus não é uma regra fora de jogo. No chão ou no papel, rabiscos ganharam vida.

Se não houver a tinta, haverá a atmosfera, mesmo agressiva. Qualquer oportunida­de de aprendizag­em é uma bola que não ignora o jogador. No xadrez da existência, os melhores são, essencialm­ente, aqueles que encontram as manobras às situações adversas, não dando o peito à bala, mesmo com a arma apontada na testa. Ao fim da equação, ganhar não é um pão nosso de cada dia. É preciso sentir, na língua, o sabor de uma derrota, no último segundo da competição. Por isso, nem tudo será uma rosa cheirosa; às vezes, veremos espinhos.

Mais do que meditar o mar que se abriu ao meio, o fogo que se apagou e as panelas em greve, há que recitar os salmos de um apocalipse subjectivo: o amanhã pode ser confiável, embora não seja na sua plenitude. Este curto manifesto é um acto de fechar as portas de um ano de muito desafio, em vários ângulos. Eventos políticos marcaram nossas lágrimas. Entretanto, no plano pessoal, sem muitas queixas, porque sementes foram lançadas. É o começo. Diz-se que não se conta os sonhos às moscas, para que não os destruam. Ponto final. Nesse ínterim, regojizo-me em saber que tenho o fôlego para continuar a luta. Recentemen­te, somei mais um aniversári­o. Esse evento, para mim, é uma oportunida­de de introspecç­ão. Mais do que gritar aos ventos que o país é uma miragem – certamente, é uma vala entupida, um comboio avariado há anos, uma gravidez contaminad­a –, sublinha-se a contínua necessidad­e de renovação do nosso eu e da nossa capacidade de lutar pelo bem da comunidade.

Por conseguint­e, que em 2024, cada um, a partir da sua área de jurisdição, trabalhe para se aplicar a justiça, o amor, a harmonia e o sentimento de partilha. Precisamos de ser país, não formar países ou ilhas dentro da mesma cubata chamada Angola. Partilhemo­s alegrias e tristezas.

Mais importante: a vida, mesmo que imersa no aparente luxo material, continua um simples pó, um ovo que jamais é concertado. Quando o último alarme tocar, de facto, será tarde, porquanto, como já nos legaram os poetas, “O AMOR É HOJE E AGORA”.

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