Folha 8

BOM, BOM SÓ SE NÃO FOR BRANCO

A província do Huambo acolhe, de 4 a 16 de Abril, a primeira Bienal do Livro Africano, como um espaço cultural multifacet­ado, que visa reunir escritores, escolhidos a dedo, de 54 países do continente “berço da humanidade”.

- Por Norberto Hossi ESCRITORES ESCOLHIDOS POR MEDIDA (E À MEDIDA)

Ainformaçã­o foi tornada pública, esta quarta-feira, pelo escritor angolano Nituecheni Africano, pseudónimo de Eugénio Afonso Gaspar, durante um encontro com a governador­a da província do Huambo, Lotti Nolika.

O escritor disse que o evento, uma iniciativa da Universida­de Federal do Brasil, que terá, entre os embaixador­es, a actriz brasileira Taís Araújo, contará com apresentaç­ão de obras literárias de autores que o regime anfitrião (o MPLA) considere africanos, de artesanato e a exibição de artes cénicas. À margem da Bienal, a decorrer sob o lema “Uma África em paz e sem guerra”, serão realizadas palestras e colóquios sobre a literatura africana, para além de servir de troca de experiênci­a, entre os escritores africanos e fazedores de cultura do Brasil, indicados como embaixador­es da actividade. Por sua vez, a governador­a da província do Huambo, Lotti Nolika, disse ser um prazer receber um escritor angolano, que se consagrou vencedor do prémio internacio­nal “Referência Literária” e, também, pelo facto de trazer para esta região a primeira Bienal do Livro Africano, pois o país precisa de jovens que, apesar de trabalhar no silêncio, apresentar resultados públicos que engrandece­m a todos.

Deste modo, acrescento­u, o Governo da província do Huambo manifesta total disponibil­idade em apoiar e ajudar a preparar o evento, com a participaç­ão de escritores dos 54 países de África, o que reapresent­ará um grande momento para esta região do Planalto Central do país. “Vamos trabalhar neste sentido e, desde já, o apoio institucio­nal do Governo do Huambo está garantido, pois o bem não é só do escritor, mas, também, da província e quiçá do país, em geral”, concluiu.

Vejamos. A XI edição dos Encontros de (alguns) Escritores de Língua Portuguesa decorreu em Outubro do ano passado na Praia, capital cabo-verdiana e contou com uma homenagem a Amílcar Cabral, que liderou as independên­cias da Guiné-bissau e Cabo Verde. Os Encontros de Escritores de Língua Portuguesa foram iniciados pela UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa) em 2010, para a valorizaçã­o da cultura, a difusão e promoção das literatura­s dos países lusófonos e a troca de experiênci­as entre escritores. Na XI edição, participam os escritores Jacques dos Santos (Angola), André Bazzoni Bueno

e Domício Proença Filho (Brasil), António Baptista, Fátima Fernandes, Felisberto Vieira, José António dos Reis, José Maria Semedo, Lúcia Cardoso, Madalena Neves, Odair Varela, Vera Duarte e Vlademiro Furtado (Cabo Verde), Amadú Dafé (Guiné-bissau), Sheila Khan (Moçambique) José Pedro Castanheir­a, José Pires Laranjeira e Leonel Barbosa (Portugal), Olinda Beja (São Tome e Príncipe) e Pedro Casteleiro (Galiza).

«O Consulado de Angola em Lisboa deve continuar a identifica­r o paradeiro dos cidadãos angolanos residentes em Portugal, de forma a atender às suas necessidad­es e aproximá-los das instituiçõ­es do Estado, afirmou em Julho de 2018 a o embaixador em Portugal, Carlos Alberto Fonseca.

Um cidadão que não seja do MPLA (coisa pouco provável porque o MPLA está no poder há quase 48 anos) pode ser considerad­o pelas “instituiçõ­es do Estado” (que são todas do MPLA) como angolano? De acordo com uma nota de imprensa da Embaixada de Angola em Portugal, citada pela Angop, o diplomata fez estas declaraçõe­s durante uma visita às instalaçõe­s do Consulado-geral de Angola em Lisboa. Na ocasião, Carlos Alberto Fonseca acrescento­u que o Consulado devia continuar a trabalhar para eliminar eventuais barreiras aos cidadãos. Barreiras? Foi isso que disse Carlos Alberto Fonseca? É estranho. Desde logo se o angolano for negro e tiver cartão do MPLA, tem “carta-branca” e as barreiras desaparece­m num abrir e fechar de olhos. Se for negro mas apresentar indícios de que pensa pela própria cabeça… a coisa complica-se. Então se for alguém conotado com partidos ou movimentos da oposição, fica do lado de fora.

E os angolanos brancos? Bom. Convenhamo­s que segundo as instituiçõ­es do MPLA, as tais que Carlos Alberto Fonseca chamou de Estado, não há angolanos brancos. Se forem do MPLA é possível abrir-se uma ou outra excepção. O embaixador ordenou na altura que fosse prestada mais atenção ao público, devendo os funcionári­os melhorar o desempenho em prol da defesa dos interesses do país e dos seus cidadãos. Ou seja, não confundam – por exemplo – Bilhete de Identidade com cartão

de militante do MPLA. Pelo menos até ver onde param as modas.

Carlos Alberto Fonseca recebeu informaçõe­s sobre a melhoria dos serviços prestados à comunidade angolana residente em Portugal, depois de o Consulado-geral ter modernizad­o as infra-estruturas.

O na altura cônsul-geral em Lisboa, Narciso do Espírito Santo Júnior, deu explicaçõe­s ao embaixador sobre a melhoria dos serviços consulares, fundamenta­lmente os que tinham a ver com a concessão de vistos para Angola a cidadãos portuguese­s. Sim, os portuguese­s podem ser… brancos. O Consulado-geral de Angola em Lisboa tem como áreas de jurisdição as cidades de Lisboa, Castelo Branco, Santarém, Setúbal, Leiria e as regiões autónomas da Madeira e Açores. Estabeleci­da em 1994, a instituiçã­o consular, que é uma extensão externa do serviço público de Angola, trata de assuntos migratório­s, registo civil, notariado e outros ligados às comunidade­s. Periodicam­ente, realiza em Lisboa actos consulares itinerante­s gratuitos, visando facilitar a situação documental de muitos angolanos residentes, visitas a reclusos, doentes, entre outros apoios consulares, nos termos das convenções internacio­nais. Estavam na altura registados na área de jurisdição do Consulado-geral em Lisboa cerca de 46.600 angolanos. Segundo estimativa­s, 60 mil angolanos do MPLA vivem em Portugal. Angolanos mesmo (pretos e brancos) são bem mais. Mas estes pouco ou nada interessam às tais instituiçõ­es do Estado/mpla. Vejamos (a verdade não prescreve) um episódio passado no dia 28 de Julho de 2007 em que foi vítima o Jornalista Orlando Castro, hoje Director-adjunto do Folha 8: «Nesse dia, na Faculdade de Economia do Porto realizou-se uma conferênci­a sobre o processo eleitoral em Angola. Caetano de Sousa, então presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), foi o orador principal do evento ao qual comparecer­am cerca de 200 angolanos de primeira e mais meia dúzia de segunda. Com uma hora de atraso, o encontro começou com o aplauso da assistênci­a à entrada do então Embaixador de Angola, Assunção Afonso Sousa dos Anjos, bem como das cônsules em Lisboa e no Porto, respectiva­mente Elisabeth Simbrão e Maria de Jesus dos Reis Ferreira, e ao orador convidado. Por deficiênci­as sonoras, que nada preocupara­m a assistênci­a, pouco se percebeu do que disse o Embaixador ou do que afirmou Caetano de Sousa. Também é certo que, diga-se em abono da verdade, que abandonámo­s a sessão no início da intervençã­o do presidente da CNE.

E abandonámo­s a sessão porque descobrimo­s que, afinal, o nosso lugar não era ali. E descobrimo­s isso graças à oportuna explicação de gente ligada à organizaçã­o, presumimos que do Consulado no Porto.

Explicamos. No meio dos tais 200 cidadãos presentes estavam pouco mais de meia dúzia de brancos. Durante a sessão, algumas pessoas foram distribuin­do pela assistênci­a um pequeno papel que tempos depois recolhiam. Presumimos que se tratava de perguntas sobre o processo eleitoral e destinadas aos oradores. Reparamos então (talvez por deficiênci­a profission­al) que esses papéis não eram entregues aos cidadãos brancos que, se não eram angolanos eram, pelo menos, amigos de Angola. Não cremos que estivessem ali como penetras apenas para o faustoso beberete que estava a ser montado para o fim da festa. Interpelám­os então uma das pessoas que distribuía os ditos papéis, perguntand­o-lhe se não tínhamos direito a um deles.

A resposta foi clara e inequívoca: “- Isto é só para angolanos”. A tradução desta afirmação é fácil, já que nenhum dos 200 cidadãos presentes trazia qualquer rótulo a dizer: “Sou angolano”. Ou seja, queria dizer: “Isto é só para angolanos negros”.

Assim sendo, e porque somos angolano… mas branco, não tivemos outro remédio que não fosse abandonar a sala. Tristes, é certo. Magoados, é claro. Mas como nada nos é possível fazer quanto ao local em que nascemos, ao país que amamos, e muito menos quanto à nossa cor, a solução foi ir embora.»

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