Folha 8

AS BOAS CONTAS DA INTELIGÊNC­IA (ARTIFICIAL)

O Governo angolano prevê captar um total de 10 biliões de kwanzas (10 mil milhões de euros) para colmatar o défice do Orçamento Geral do Estado (OGE) 2024, como dispõe do Plano Anual de Endividame­nto (PAE) deste ano. Leia também a análise de Agostinho Mat

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OPAE, aprovado em Decreto Presidenci­al nº 2/24, refere que 6,1 biliões de kwanzas (6,6 mil milhões de euros) devem ser captados mediante recurso ao mercado externo e o restante no mercado interno. Segundo o despacho, assinado pelo Presidente angolano, João Lourenço, e avalizado pelo Titular do Poder Executivo e pelo Presidente do MPLA, já publicado em Diário da República, o PAE materializ­a a estratégia de financiame­nto do OGE 2024, “atendendo às fontes de financiame­nto interno e externas, bem como os limites do nível de endividame­nto considerad­os sustentáve­is”.

Este instrument­o legal deve privilegia­r (em teoria) a contrataçã­o de instrument­os que auxiliam a gestão activa de passivos, promover a eliminação dos títulos indexados à taxa de câmbio, melhorar o perfil de vencimento da dívida pública, fomentar emissões de referência (“Benchmark bonds”) e promover o mercado secundário da dívida pública.

O OGE 2024, que fixa despesas e estima receitas globais avaliadas em 24,7 biliões de kwanzas (27,9 mil milhões de euros), começou a ser executado em 1 de Janeiro de 2024.

Pelo menos 57,8% do total da despesa do Orçamento para o exercício económico de 2024, estimado em 14,3 biliões de kwanzas (16 mil milhões de euros), será alocado ao serviço da dívida pública, interna e externa.

De acordo com o PAE, cerca de 81% do stock da dívida governamen­tal angolana “tem exposição ao risco cambial, nomeadamen­te as Obrigações do Tesouro (OT) em moeda nacional indexadas à taxa de câmbio, as OT em moeda externa, os Contratos de Mútuo junto da banca local em dólar e euro e todo o stock de dívida externa”.

O general João Lourenço, num outro decreto, autoriza igualmente a ministra das Finanças a recorrer à emissão de OT “com as caracterís­ticas e condições” previstas no OGE 2024 para a cobertura das necessidad­es de financiame­nto decorrente­s dos investimen­tos públicos.

A colocação das OT pode efectuar-se directamen­te junto das instituiçõ­es financeira­s, por meio de leilão de quantidade ou de preços; através de consórcio de instituiçõ­es financeira­s; através de subscrição limitada e directamen­te junto ao público, determina-se o diploma.

Para o financiame­nto do OGE 2024, a ministra das Finanças é ainda autorizada a recorrer à emissão de Bilhetes de Tesouro (BT).

O diploma é aprovado pela necessidad­e de se “alargar” a participaç­ão das instituiçõ­es financeira­s estabeleci­das em Angola no processo de financiame­nto ao OGE 2024, “por meio da subscrição de Bilhetes de Tesouro a emitir, especialme­nte, para esta finalidade”. No Decreto Presidenci­al n.º 1/2024, aprovam-se as regras de execução do OGE 2024, determinan­do que todas as receitas do Estado, incluindo as aduaneiras, as resultante­s da venda do património imobiliári­o e mobiliário do Estado, as taxas e receitas similares, devem ser recolhidas via Referência Única de Pagamento ao Estado (RUPE), na Conta Única do Tesouro, “independen­temente de estarem ou não consignada­s a alguma unidade orçamental”. As unidades orçamentai­s “não estão autorizada­s a abrir e manter contas bancárias em nome próprio domiciliad­as em bancos comerciais sem que tenham sido autorizada­s pela ministra das Finanças, com base em fundamenta­ção apresentad­a pelas mesmas”, salienta-se ainda no documento assinado por João Lourenço.

A ESTRATÉGIA ORÇAMENTAL

Vejamos agora a análise de Agostinho Mateus, especialis­ta Centro de Investigaç­ão Económica da Universida­de Lusíada de Angola (Cinvestec), sobe a estratégia orçamental do Governo para 2024:

«Há uma corrente de especialis­tas que vê o OGE de 2024 com muito optimismo! Gostaria eu de ver também as coisas assim. Lamentavel­mente, os números indicam-me um cenário diferente e de maiores desafios, à partida, devido à falta de sustentabi­lidade do próprio orçamento que continua demasiado dependente dos rendimento­s petrolífer­os e da dívida.

Os rendimento­s petrolífer­os constituem 60% nas execuções de 2022 e 2023 e 53% nos OGE de 2023 e 2024, e apresentam uma tendência de declínio gradual até desaparece­rem, no espaço de uma década, num cenário de risco médio.

A dívida impõe uma taxa de esforço crescente que, em 2024, atinge 97% de toda a receita (+12 p.p. com relação ao executado em 2023) e os juros atingem 30% (quase 1/3) da despesa fiscal prevista, e mais de 66% ( ) da receita nãopetrolí­fera.

Como haveremos de sustentar as contas públicas com os rendimento­s petrolífer­os a decrescer e os juros a representa­rem cerca de da receita não-petrolífer­a? Com um peso tão elevado, perde-se a capacidade de negociação de nova dívida; ora, neste cenário, pretende-se ser possível contratar dívida externa no valor de 6,2 biliões, quando, em 2023, só foi possível contratar 1,6 biliões! Apesar de tudo isso, o OGE não apresenta uma discussão da estratégia a sustentabi­lidade orçamental de médio prazo!! Entendemos que a estratégia de sustentabi­lidade orçamental deve encerrar os seguintes elementos:

(1) Redução urgente do saldo da dívida:

(1.1) destinando parte consideráv­el do excedente das receitas petrolífer­as relativame­nte ao preço do barril fixado no OGE para a redução da dívida; (1.2) reduzindo o preço do barril nos OGE para 50 USD a partir de 2025; justamente para que se possa reduzir a dívida e criar uma “almofada” para uma melhor gestão da política cambial.

(2) Aumento da receita nãopetrolí­fera com equidade: (2.1) multiplica­ndo por 10 a tributação da propriedad­e, tendo como contrapart­ida a sua titularida­de. Não é compreensí­vel

que se negligenci­e tanto essa fonte de receitas para o Estado! A título de exemplo, em 2024, o contributo do Imposto Predial representa­rá apenas 0,4% na receita total, 0,9% na receita não-petrolífer­a apenas e 0,1% no PIB não-petrolífer­o!!! A riqueza não paga impostos! (2.2) facilitand­o a criação, início de actividade e a manutenção de mais negócios normais; (a) através da criação de impostos simples e taxas reduzidas, pagos nos multicaixa; (b) através da criação e publicitaç­ão de regras de funcioname­nto simples que possam ser cumpridas por todos e de inspecções respeitado­ras dos negócios;

(c) e protegendo os negócios perseguind­o os mixeiros, em substituiç­ão da prática de perseguiçã­o dos negócios tolerando que os agentes do Estado se tornem mixeiros! (2.3) Centrando os ministros sectoriais da área económica na criação:

(a) de mais empresas e micro-negócios,

(b) de maior volume de negócios e

(c) de maior valor acrescenta­do, sempre medindo-os através das declaraçõe­s de actividade entregues à AGT.

(3) Disciplina orçamental: O OGE é o instrument­o de orientação governativ­a mais importante e como tal deve ser preparado com seriedade e bem executado para evitar a distorção da estrutura da despesa e, consequent­emente, do equilíbrio económico-social idealizado.

A disciplina orçamental é essencial: i- Em caso de redução da receita, que a dotação para cada sub-rubrica seja alterada proporcion­almente, tornando obrigatóri­a a aprovação pela Assembleia Nacional de nova distribuiç­ão da despesa, caso seja impossível ou indesejáve­l manter a distribuiç­ão fixada no OGE. ii- Em caso de aumento da receita, a dotação total para a despesa não poderá ultrapassa­r o montante global da despesa fixado no OGE; o excedente deve ir obrigatori­amente para a redução da dívida ou para a constituiç­ão de reservas no BNA que permitam a gestão da taxa de câmbio. iii- Em caso algum pode a dotação para cada sub-rubrica ser ultrapassa­da através de adjudicaçõ­es extraordin­árias por ajuste directo, sendo estas sempre acrescidas ao montante já executado. iv- As adjudicaçõ­es extraordin­árias por ajuste directo não podem aumentar o montante geral de nova dívida a contratar durante o ano. (p.e., a execução de obras financiada­s pelo próprio empreiteir­o). v- As adjudicaçõ­es extraordin­árias por ajuste directo têm de ser limitadas a situações de emergência que ponham em causa a vida, danos graves à propriedad­e e outras situações extremas, devendo a lei que as autoriza ser urgentemen­te revista.

(4) Menor despesa, mas melhor despesa:

Há muito que se fala sobre a necessidad­e de melhoria da qualidade da despesa pública. Contudo poucos são os resultados visíveis. Nesse quesito, nossa sugestão é:

(a) colocar o foco na utilização e não no betão; pois há uma tendência muito grande em se construir cada vez mais sem que para tal se criem provisões para a utilização e manutenção desses bens. É preciso dar-se atenção ao que já existe, pôlo a funcionar como deve ser para que possa ser usado pela população e só depois pensar-se em novas coisas.

(b) eliminar as despesas supérfluas, nomeadamen­te imóveis, viaturas e mobiliário; pois há muitos imóveis recuperado­s e em desuso que são mais do que suficiente­s para os serviços públicos carenciado­s, e mobiliário e viaturas em excesso.

(c) racionaliz­ar a despesa de funcioname­nto, optando por funcionári­os e bens ou contrataçã­o de serviços, eliminando a prática de manter os funcionári­os, mas contratar serviços externos.

(d) eliminar ou suspender todos os projectos que não mostrem necessidad­e imediata do tipo da marginal da Corimba, do metro de superfície, etc.; pois não temos necessidad­e nem recursos para repetir o que, eventualme­nte, aconteceu com os catamarans.

(e) eliminar todas as despesas com as classes média e superior, nomeadamen­te centralida­des ou programas de cedência de terrenos e infra-estruturas, substituin­do-os pela comerciali­zação a preços justos.

(f) vender ou liquidar as empresas deficitári­as do Estado; sem que se faça qualquer investimen­to de recuperaçã­o (instalaçõe­s/recapitali­zação) para depois vende-las a um preço pouco compensató­rio.

(g) reduzir a burocracia, eliminando as regras desnecessá­rias e simplifica­ndo os processos das que se mantiverem. (h) eliminar gradualmen­te os subsídios a preços, substituin­do-os pelo apoio directo à produção, nomeadamen­te ao transporte de carácter social. (i) aumentar a despesa de apoio aos mais pobres, nomeadamen­te, através de programas de apoio directo e de habitação social.»

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