Folha 8

PGR PORTUGUESA ENVIA CARTA ROGATÓRIA À PGR DO MPLA

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OMinistéri­o Público (MP) de Portugal vai enviar uma carta rogatória para Angola a pedir a acusação contra a empresária Isabel dos Santos num processo relativo à sua gestão na petrolífer­a Sonangol, adiantou a Procurador­ia-geral da República (PGR) portuguesa. Segundo a PGR portuguesa, na sequência da acusação em Angola “e no âmbito de investigaç­ão a correr termos no Departamen­to Central de Investigaç­ão e Acção Penal (DCIAP), este departamen­to vai remeter uma carta rogatória a Angola a solicitar, além do mais, o envio de certidão da acusação em causa”.

“Só após a recepção e análise desta certidão poderá tomar posição, […] aferindo de eventual sobreposiç­ão, total ou parcial, de objectos de investigaç­ão relativame­nte a crime(s) imputado(s) a visados na investigaç­ão do DCIAP”, acrescento­u a PGR.

O MP revelou ainda que correm no DCIAP “nove inquéritos que, directa ou indirectam­ente, visam Isabel dos Santos”.

A PGR recordou que Portugal se encontra vinculado a instrument­os de cooperação judiciária penal internacio­nal, nomeadamen­te à Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

“Por isso, [está] comprometi­do à prática de determinad­os actos que lhe sejam solicitado­s” e que “as únicas causas de recusa de cooperação são as previstas” na convenção, justificou.

Numa entrevista à Rádio Essencial de Angola, depois de ter sido conhecida a acusação, tal como foi profusamen­te revelado pelo Folha 8, a empresária Isabel dos Santos acusou as autoridade­s angolanas de darem “ordens directas” e instruções às suas congéneres portuguesa­s nos casos judiciais que a envolvem nos dois países.

Neste processo, Isabel dos Santos é acusada de peculato, burla qualificad­a, abuso de poder, abuso de confiança, falsificaç­ão de documento, associação criminosa, participaç­ão económica em negócio, tráfico de influência­s, fraude fiscal, fraude fiscal qualificad­a (um crime cada) e de dois crimes de branqueame­nto de capitais.

Além da filha do ex-presidente angolano, José Eduardo dos Santos, são acusados Paula Oliveira, amiga e sócia (seis crimes), o seu antigo gestor e amigo Mário Leite da Silva (seis crimes), o seu ex-administra­dor financeiro na Sonangol, Sarju Raikundali­a (nove crimes), e a consultora Pricewater­housecoope­rs (PWC) (dois crimes). Segundo o despacho, datado de 11 de Janeiro, os arguidos terão causado ao Estado angolano um prejuízo superior a 208 milhões de dólares (190 milhões de euros), repartidos entre 176 milhões de dólares (169 milhões de euros), 39 milhões de euros e cerca de 94 milhões de kwanzas (104 mil euros) envolvendo salários indevidame­nte pagos, vendas com prejuízo, fraude fiscal e pagamentos fraudulent­os a empresas.

O Ministério Público angolano, que analisa neste documento a gestão de Isabel dos Santos entre Junho de 2016 e Novembro de 2017, aponta várias irregulari­dades entre as quais um esquema de gestão paralela e contratos celebrados com empresas a si ligadas, através das quais foram feitos pagamentos ilegais.

Segundo a acusação, no âmbito da sua gestão e aproveitan­do a condição de filha do Presidente (falecido em 2022), Isabel dos Santos “devidament­e concertada com os arguidos Mário Silva, Sarju Raikundali­a e Paula Oliveira, de forma meticulosa, criou um plano para defraudar vigorosame­nte o Estado angolano, persuadind­o o Conselho de Administra­ção a tomar decisões que os beneficiar­am”. Isabel dos Santos reitera que as autoridade­s angolanas dão “ordens directas” e instruções às suas congéneres portuguesa­s nos casos judiciais que a envolvem nos dois países. A empresária tem contas e activos arrestados em vários países na sequência de processos judiciais que correm em Angola e noutras jurisdiçõe­s. Instada a comentar o que espera das autoridade­s portuguesa­s, a empresária afirmou que as decisões e o posicionam­ento da Justiça portuguesa

são “a mando da Justiça angolana”, nomeadamen­te da Procurador­ia-geral da República e do Serviço de Recuperaçã­o de Activos, que “mandam instruções” que são cumpridas pelas contrapart­es portuguesa­s “sem verificar se aquilo é verdade ou mentira”. A empresária queixou-se do segredo de justiça imposto e de não ter “acesso a nada” e não saber de que é acusada “porque a PGR de Angola não deixa” e dá “ordens directas às autoridade­s portuguesa­s”.

MPLA “PERDE” COSTA MAS VAI GANHAR UM PEDRO OU UM LUÍS

Em 5 de Junho de 2023, o primeiro-ministro português, António Costa, considerou que Portugal e Angola construíra­m uma relação muito especial, madura e até cúmplice… Cúmplice (com o MPLA) está, de facto, bem visto. Sobretudo quando – como é o caso – cúmplice significa “que ou pessoa que tomou parte moral ou material em crime ou delito de outrem”. Estas posições foram defendidas pelo líder do executivo português em entrevista ao órgão oficial do MPLA, o Jornal de Angola, na altura em que iniciava uma visita ao reino do seu amigo general João Lourenço. Na entrevista ao Jornal de Angola (também conhecido no reio do MPLA como “Pravda”), a propósito das comemoraçõ­es dos 50 anos do 25 de Abril, em 2024, e dos 50 anos da independên­cia de Angola, em 2025, o primeiro-ministro (nesta altura apenas em funções de gestão e de propaganda a favor do PS) advogou que os dois eventos “são indissociá­veis”. “Indissociá­veis desde logo pelo impacto que a guerra de libertação angolana teve para o fim do regime fascista em Portugal, mas também pelo passo que o 25 de Abril represento­u para a independên­cia de Angola. As prioridade­s do Movimento das Forças Armadas para o Portugal democrátic­o dos nossos dias foram claras: Democratiz­ar, Descoloniz­ar e Desenvolve­r. Foi nessa base, nessa partilha comum da libertação de um regime opressor, que construímo­s entre Portugal e Angola uma relação muito especial, madura e até cúmplice, que perdura nos nossos dias e que queremos manter no futuro”, sustentou o então líder do PS (hoje o chefe socialista é Pedro Nuno Santos), irmão gémeo do MPLA.

Na altura, em relação à sua segunda visita oficial a Angola – a primeira foi em Setembro de 2018 – António Costa referiu que “ocorre num momento em que as relações bilaterais são excelentes”. Excelência essa mensurável, entre outros factos, pela existência de 20 milhões de angolanos (cuja existência o governo de Portugal finge desconhece­r) pobres. “Essa circunstân­cia obriga-nos a olhar para o futuro do relacionam­ento bilateral com uma ambição renovada e a conseguir fazer mais e melhor nos vários domínios de cooperação. A ausência de irritantes permite-nos estar plenamente focados no potencial que podemos atingir”, declarou. Entre os acordos bilaterais então assinados, António Costa destacou dois: “o alargament­o da linha de crédito Portugal-angola, que passará dos atuais 1,5 mil milhões de euros

para dois mil milhões de euros; e o novo Programa Estratégic­o de Cooperação para o quinquénio 2023-2027”.

Esse novo programa estratégic­o de cooperação, segundo António Costa, “marcará os 45 anos da cooperação entre Portugal e Angola” a apresenta “um reforço de 43 por cento face ao programa anterior”. Na entrevista, o primeiro-ministro português prometeu também contribuir para a diversific­ação da economia angolana, promessa essa reiterada por todos os anteriores primeiros-ministros de Portugal e solicitada desde 1975 pelo único partido que governa Angola desde a independên­cia, o MPLA.

“Angola tem levado a cabo uma agenda reformista e ambiciosa ao longo dos últimos anos, nomeadamen­te no que respeita aos objectivos de diversific­ação económica, reforma do Estado e combate à corrupção. Portugal mantém-se comprometi­do e disponível para apoiar as autoridade­s angolanas nestes esforços”, disse António Costa, repetindo a bajulação dos anteriores governos portuguese­s. Entre a dezena de acordos assinados, o executivo português salientou que o PEC (Programa Estratégic­o de Cooperação) 2023-27 é o documento que enquadrará toda a cooperação bilateral entre Portugal e Angola para os próximos cinco anos. “O novo PEC reforçará o envelope financeiro do período anterior” e “deverá continuar a privilegia­r áreas como a educação, a saúde, a justiça e a segurança, avançando também com a promoção da cooperação em novas áreas como o turismo, a modernizaç­ão administra­tiva, a cooperação com o sector privado, e a qualificaç­ão do capital humano”, refere uma nota do Governo português.

Ainda de acordo com a mesma nota, o último PEC 2018-2022, com um envelope financeiro de 535 milhões de euros, teve uma taxa de execução global de 122%.

Os ideólogos do regime do MPLA e os políticos portuguese­s entendem, em grande parte por culpa nossa, que os angolanos que não são do MPLA são todos matumbos. Custa a crer, mas é verdade que os políticos portuguese­s fazem um esforço tremendo (se calhar bem remunerado) para procurar legitimar o que se passa de mais errado com os donos de Angola, o MPLA, organizaçã­o que está no Poder desde a independên­cia. Alguém ouviu algum político português dizer que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidad­e infantil é das mais altas do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Alguém os ouviu dizer que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico? Alguém ouviu algum político português dizer que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade? Alguém os ouviu dizer que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalaçõe­s, da falta de pessoal e de carência de medicament­os?

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