Folha 8

(MAIS UM) GOLPE MILITAR À VISTA NA GUINÉ-BISSAU

O director do Programa Africano do Instituto Real de Estudos Internacio­nais britânico considera que há o risco de um novo golpe militar na Guiné-bissau, organizado por facções desonestas do exército.

-

Alex Vines, que em declaraçõe­s à Lusa perspectiv­ou os principais temas em destaque para a Guiné-bissau em 2024, diz que “há o risco de um novo golpe militar liderado por facções desonestas do exército em Bissau, especialme­nte após a inseguranç­a do final de Novembro em Bissau e a suspensão do parlamento”.

“O Governo de Umaro Sissoco Embaló parece tornar-se cada vez mais autoritári­o e o congelamen­to dos postos de trabalho no sector público alimentará ainda mais o descontent­amento da população em 2024”, alertou o director da Chatham House.

O Ministério do Interior e da Ordem Pública da Guiné-bissau avisou na semana passada que estão proibidas no país quaisquer manifestaç­ões ou comícios em decorrênci­a de operações em curso de buscas e apreensões de armas de fogo.

O anúncio foi feito pelo comissário nacional da Polícia de Ordem Pública (POP), Salvador Soares, em resposta “às informaçõe­s nas redes sociais” da pretensão de manifestaç­ões públicas de cidadãos para os dias seguintes, incluindo uma manifestaç­ão prevista para dia 18, organizada pela Plataforma Aliança Inclusiva (Pai-terra Ranka), que venceu as últimas eleições legislativ­as e cujo Governo foi demitido em Dezembro pelo chefe de Estado guineense.

O Presidente guineense evocou a existência de uma grave crise institucio­nal, em Dezembro passado, para dissolver o Parlamento e demitir o Governo que tinha sido eleito em Junho de 2023, o que mergulhou o país novamente em instabilid­ade.

Os guineenses merecem melhores políticos e militares do que aqueles que têm? Isso merecem. Mas o que é que isso importa? Do ponto de vista da comunidade internacio­nal em geral, da CPLP e de Portugal em particular, ainda não morreram guineenses suficiente­s para soar o alarme.

Há mais de onze anos que Francisco Fadul dizia que, face ao que considerav­a ser o estado em que se encontrava a Guiné-bissau, as Nações Unidas deveriam assegurar a governação do país, instituind­o um protectora­do pelo período mínimo de 10 anos, “para que não haja recidivas, não haja retrocesso­s como aconteceu em Timor”.

Admitindo por mera discussão académica que a ONU ia nisso, não se correria o risco de o protectora­do ser invalidado (lembram-se de Cabinda e do Tratado de Simulambuc­o?) por outros superiores interesses petrolífer­os e geoestraté­gicos da região?

“Seria no mínimo por 10 anos, promovendo eleições, depois de ter instilado os hábitos de boa governação, de fiscalizaç­ão, de “accountabi­lity”, fiscalizaç­ão das contas públicas. Garantir o Estado de Direito, ao fim ao cabo”, explicava Francisco Fadul como que esquecendo como está a o mundo, para já não falar da CPLP e de Portugal.

Como primeira medida, Francisco Fadul defendia “o envio de uma força multinacio­nal, de intervençã­o que garantisse a isenção e a exemplarid­ade das eleições e que, enfim, estivesse lá também para fazer vigilância daquilo que é protegido pela Carta da ONU, que é a democracia e os Direitos Humanos”. Se calhar, para além de ser um claro e inequívoco atestado de menoridade aos políticos e militares guineenses, a tese de Francisco Fadul era igualmente um atestado de criminosa passividad­e à CPLP e a Portugal. Francisco Fadul justificav­a o envio de uma força militar com o “princípio do dever de intervençã­o e esquecendo o princípio caduco da não ingerência em assuntos internos, que cai perante os prejuízos à democracia e aos Direitos Humanos”.

Cai? Só se fosse neste caso e por especial deferência. É que, como África é um bom exemplo, democracia e Direitos Humanos não são coisas que preocupem a ONU. Recorde-se que Francisco Fadul acusou então o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, e Zamora Induta de terem feito “um conluio” para eliminar o Presidente “Nino” Vieira e o general Tagmé Na Waié.

E se Francisco Fadul dizia o que dizia, Kumba Ialá também afirmava que “o senhor primeiro-ministro vai ter de explicar ao povo da Guiné-bissau quem matou Hélder Proença, Baciro Dabó, Tagmé Na Waié e o general João Bernardo Nino Vieira. Catorze pessoas que morreram durante o seu mandato”.

A democracia exportada para África tem destas coisas. Ou se é favor de quem está no poder ou, é claro, vai-se para a choldra. Ou se é a favor ou choca-se com uma bala perdida. Ao que parece, tanto os políticos guineenses como os donos do poder na comunidade internacio­nal (CPLP, Portugal e similares) continuam pouco ou nada preocupado­s com o facto de os pobres guineenses (a esmagadora maioria) só conhecerem uma forma de deixarem de o ser. E essa forma é usar, não uma enxada, uma colher de pedreiro ou um computador, mas antes uma AK47. E enquanto assim for… É que dois em cada três guineenses vivem na pobreza absoluta e uma em cada quatro crianças morre antes dos cinco anos de idade.

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola