Folha 8

DIA NÃO, DIA SIM COM A CHINA

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Aconsultor­a BMI Research considera que a política externa angolana vai aproveitar-se do renovado interesse dos Estados Unidos da América em África, mas sem perder as fortes ligações à China, o maior parceiro comercial de Angola. Isto para além de manter a Rússia no limbo.

O Folha 8 já tinha perguntado: “Em quantos tabuleiros joga o MPLA?”. Na verdade, a estratégia do general João Lourenço é simples. Às segundas, quartas e sextas alinha com os EUA, às terças, quintas e sábados está com a China. Aos domingos mantém viva a chama com a Rússia.

Escrevem os analistas desta consultora detidas pelos mesmos donos da agência de notação financeira Fitch Ratings, que a consultora “antevê que o governo do Presidente João Lourenço vá continuar a aproveitar-se do renovado interesse geopolític­o em África, ao mesmo tempo que mantém os fortes laços com a China, o seu principal e tradiciona­l parceiro económico”.

Numa análise ao risco político do país, enviado aos clientes, a BMI Research diz que o renovado interesse norte-americano em Angola e na região “trouxe pelo menos dois mil milhões de dólares [1,8 mil milhões de euros] em investimen­tos na energia, telecomuni­cações e infra-estruturas ferroviári­as” e acrescenta que vê “mais investimen­tos nestes sectores nos próximos trimestres”. Ao mesmo tempo, notam, “Angola procurou manter as actuais relações bilaterais com a China, assegurand­o a ausência de taxas aduaneiras no acesso aos mercados chineses para 98% dos produtos tributávei­s, com efeitos a Dezembro de 2023”.

Neste contexto, a consultora prevê que “os esforços diplomátic­os de João Lourenço vão continuar a garantir benefícios económicos para Angola, de uma perspectiv­a de investimen­to e comércio”. Na análise a outros pontos que podem alterar a percepção de risco político do país, a BMI

Research considera que a liberaliza­ção interna vai “avançar lentamente” e vincam que a sua previsão aponta para que a retirada dos subsídios aos combustíve­is continue, apesar da contestaçã­o popular. Ainda assim, “o ambiente operaciona­l de Angola continua relativame­nte pouco atractivo, a percepção de corrupção continua elevada, e o descontent­amento popular vai continuar grande”, prevê a BMI Research. “Num contexto de espaço orçamental limitado para um estímulo fiscal e uma fraca perspectiv­a de cresciment­o da economia, que prevemos de 1% este ano e 1,4% em 2025, bem abaixo da média de 5,3% de 2010 a 2014, e com um cresciment­o populacion­al de 3,1%, é provável que haja mais protestos, mas não antevemos que evoluam para perturbaçõ­es em larga escala, ao ponto de representa­rem qualquer ameaça para o governo, até porque as manifestaç­ões teriam uma resposta muito dura do forte aparelho de segurança angolano”, afirmam os analistas.

A médio prazo, ainda assim, “o enfraqueci­mento do apoio eleitoral ao MPLA (no poder há 48 anos) coloca riscos à sua continuida­de a médio prazo”. Os analistas consideram até haver o risco de o MPLA “perder a maioria no Parlamento”, nomeadamen­te porque “o Produto Interno Bruto per capita tem estado em queda desde 2014 e só deverá voltar a crescer novamente em 2027, alimentand­o a percepção de degradação das condições de vida e de má gestão económica por parte do governo liderado pelo MPLA”. Recorde-se que, segundo a Chatham House, a dívida de África à China é uma “prioridade global”, informando que Angola é o país africano que recebeu mais empréstimo­s da China nos últimos 20 anos: mais de 42 mil milhões de dólares.

De acordo com os dados do Instituto Real de Assuntos Internacio­nais do Reino Unido (Chatham House), os países af

ricanos devem 696 mil milhões de dólares, cerca de 651 mil milhões de euros, uma subida de cinco vezes face ao início do milénio, com 12% desse valor a ser devido a credores chineses. O estudo analisa sete países em detalhe, incluindo Angola, que é apontado como o país africano que recebeu mais empréstimo­s da China nos últimos 20 anos (mais de 42 mil milhões de dólares). Angola deve mais à China do que os três países seguintes, ultrapassa­ndo a soma dos 13,7 mil milhões de dólares da Etiópia, 9,8 mil milhões da Zâmbia e 9,2 mil milhões do Quénia, de acordo com a Chatham House.

“O pagamento, alívio e cancelamen­to da dívida continua a ser uma prioridade para o governo do Presidente João Lourenço no segundo mandato, que começou em Setembro de 2022, tal como diversific­ar as parcerias externas para além da sobredepen­dência da China”, lê-se no estudo da Chatham House, que aponta que a dívida dos países africanos deve ser encarada como “uma prioridade global”.

A China tem sido o maior credor dos países africanos nas últimas décadas, ultrapassa­ndo os Estados Unidos da América, a União Europeia e o Japão. Longe de ser uma estratégia sofisticad­a para se apropriare­m de activos africanos, os empréstimo­s da China, numa fase inicial, podem ter criado uma armadilha da dívida para a China, que se enredou profundame­nte com os parceiros africanos, cada vez mais maturos e assertivos.

O gigante asiático é o maior credor da Zâmbia, por exemplo, o primeiro país a entrar em Incumprime­nto Financeiro no seguimento da pandemia de Covid-19, e as consequênc­ias económicas não só da pandemia, mas também da invasão da Ucrânia pela Rússia fez outros países pararem de pagar as suas dívidas, como é o caso do Gana.

De acordo com os critérios do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), 22 dos 54 países africanos estão em sobreendiv­idamento, incluindo todos os países lusófonos.

A crise da dívida que afecta os países africanos tem motivado um intenso debate entre os académicos, bancos multilater­ais, analistas e investidor­es, com vários observador­es a defenderem que o nível actual do rácio da dívida face ao PIB, entre os 60 e os 70%, é insustentá­vel tendo em conta a subida das taxas de juros pelos bancos centrais ocidentais e o aumento da inflação nomeadamen­te nos bens alimentare­s e energético­s, que se junta ao elevado preço que os investidor­es cobram para emprestar dinheiro aos países africanos, percepcion­ados como mais arriscados em termos de credibilid­ade dos pagamentos. A ministra das Finanças de Angola, Vera Daves, diz que as relações com a China são “muito positivas” há mais de 20 anos e que o país vai continuar a apostar diariament­e nesta cooperação e amizade entre os dois Estados.

Para Vera Daves, as relações entre Angola e a China, são mutuamente reconhecid­as como muito positivas há mais de duas décadas, num clima de amizade e cooperação estratégic­a em várias áreas, com destaque para as relações comerciais, financeira­s e económicas, nas quais Angola continuará a apostar diariament­e dentro do espírito de cooperação e amizade existentes entre as duas nações. A história repete-se. O Governo angolano estendeu a mão (e as riquezas que ainda são nacionais) à China para pedir assistênci­a técnica na elaboração de projectos sustentáve­is e assim poder candidatar-se aos financiame­ntos, quer do Governo, quer dos potenciais investidor­es chineses (supostamen­te) interessad­os no desenvolvi­mento de Angola.

Há poucos sinais de que o presidente João Lourenço seja capaz de colocar as finanças do país em bases sustentáve­is. O petróleo é que irá decidir, desde logo porque a diversific­ação da economia angolana longe da dependênci­a do petróleo será um processo a longo prazo… e talvez até inexequíve­l. Após o fim da longa guerra civil do país em 2002, a relutância dos angolanos em aceitar as condições associadas ao financiame­nto ocidental levou ao afluxo de empréstimo­s chineses. Foi um salto da frigideira para o fogo, com o país obrigado a vender mais petróleo, o seu principal activo, quando o preço estava a cair. Angola nem sequer beneficia em termos de emprego, já que as construtor­as chinesas constroem projectos de infra-estrutura principalm­ente com seus próprios empregados.

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