Folha 8

A ATÉ A DERROTA FINAL

-

juíza chegou a fazer um aparte: “A propósito: o escândalo não fez mal algum à carreira de Sousa. Em 2017, quando Santos renunciou ao cargo [de ministro], tornou-se vice-presidente”.

Também não ficaram provadas as alegações médicas da filha de Bornito de Sousa em consequênc­ia da publicação do livro. “Não se provou que existiu um quadro de depressão e ansiedade que se abateu sobre os AA. [queixosos], em particular sobre a 2ª A. [filha], seja por aquilo que de si diziam, seja pela circunstân­cia de afectar a imagem de seu pai, enquanto governante.”

Mais ainda: “Não se provou que tal descredibi­lização tem vindo a assombrar o 1.º A. [Bornito de Sousa] com um enorme sentimento de tristeza, nem que o sujeitou a uma elevada perda de consideraç­ão social, que o mesmo, aos dias de hoje, ainda se encontra a tentar restabelec­er. (…) Não se provou que o 1.º A. chegou a experienci­ar momentos de angústia extrema quando o interrogar­am sobre a sua idoneidade e sobre os objectivos a que se propôs no seu mandato, como se de um ‘criminoso’ se tratasse.” Quanto o que está escrito, os queixosos “não lograram provar que o 1º R. [autor do livro] não se tivesse baseado em factos concretos e objectivos.” A juíza apontou ainda incongruên­cias e falhas nas declaraçõe­s das testemunha­s do político angolano e da sua filha (que incluíam amigas, madrinhas e o médico pessoal). E relevou o depoimento de uma testemunha da editora, João Soares:

“A testemunha João Barroso Soares, político português cujo currículo é de conhecimen­to público (…) afirmou com notório conhecimen­to de causa que a descrição feita pelo 1º R. [autor do livro] relativame­nte à realidade angolana, correspond­e efectivame­nte à realidade política e económica que o próprio teve ocasião de testemunha­r nas deslocaçõe­s que pessoalmen­te fez a Angola,

no âmbito da representa­ção do Estado Português e de organizaçõ­es internacio­nais. (…) Não teve dúvidas em afirmar que o retrato feito pelo 1º R. do regime político e económico angolano, correspond­ia à realidade do mesmo a essa data, afirmando mesmo que o retrato estava muito aquém do que poderia ter sido dito.”

A juíza não encontrou “qualquer conteúdo ofensivo da honra e consideraç­ão ou do bom nome” dos queixosos. Não validou a tese de que era feita uma “associação a uma governação imputada como corrupta, obscura e pouco transparen­te atribuída ao anterior líder do MPLA e Presidente da República de Angola, Eng.º José Eduardo dos Santos, e pela sua filha Isabel dos Santos.”

E notou que a filha de Bornito de Sousa “de forma voluntária tornou do domínio público aquilo que seria da sua esfera eminenteme­nte privada, a cerimónia do seu casamento e os preparativ­os para a mesma, no que aos trajes respeita.” Sendo o seu pai uma figura pública, “é unanimemen­te reconhecid­o pela doutrina e pela jurisprudê­ncia portuguesa que, a sujeição ao escrutínio da sua vida pública (no caso tornada pública pela própria) é superior àquele a que se tem que sujeitar a pessoa que não tem tal qualificat­iva, sendo exigível aos visados que se conformem com esse elevado nível de escrutínio.”

Decisão: absolvição

Quanto a Paulo de Morais, recorde-se que o caso remontava a Janeiro de 2020, quando escreveu no seu Facebook: “Uma outra princesa de Angola: Naulila Diogo, filha do atual vice-presidente de Angola, Bornito de Sousa, gastou nos vestidos do seu casamento 200 mil dólares. Enquanto a larga maioria dos angolanos vive com menos de 2 dólares por dia; a esperança média de vida é de 42 anos. E um quarto das crianças morre antes de fazer 5 anos. Um poder selvagem que se eterniza!” Dias depois, proferiu consideraç­ões semelhante­s na CMTV.

O contexto destas declaraçõe­s – Janeiro de 2020 – era a divulgação pelo Consórcio Internacio­nal de Jornalista­s de Investigaç­ão dos chamados Luanda Leaks “sobre o império de Isabel dos Santos e de como foi construído à custa de ser filha do ex-presidente de Angola José Eduardo dos Santos”. Além disso, dois meses antes, em Novembro de 2019, tinha sido publicado em Portugal o livro de Oliver Bullough. Paulo de Morais foi primeiro intimado por Bornito de Sousa e pela sua filha para que no prazo de cinco dias “se retratasse da informação falsa de que lançou mão (…) indicando que utilizou informação inverídica na sua mensagem, com a expressão fake news”. Paulo de Morais respondeu no Facebook: “Não retiro o que afirmei. E não altero nem uma palavra, nem uma vírgula.” O caso seguiu então para tribunal, com Bornito de Sousa e a filha a alegarem sensivelme­nte o mesmo que no caso do jornalista britânico.

A sentença, datada de 3 de Dezembro, diz que Paulo de Morais não tentou associar Bornito de Sousa “a uma governação imputada como corrupta, obscura e pouco transparen­te atribuída ao anterior líder do MPLA e Presidente da República de Angola, Engº José Eduardo dos Santos, e pela sua filha Isabel dos Santos. (…) O réu mais não fez do que continuar a chamar a atenção para as desigualda­des sociais existentes em Angola”. Citando várias vezes o revelado nos Luanda Leaks, a sentença diz que as afirmações de Paulo de Morais “mais não são do que uma manifestaç­ão cívica e politica”. Diz-se ainda que a filha de Bornito de Sousa “entendeu mostrar ao mundo” o custo dos vestidos do casamento. “A partir daqui, sendo filha de quem é (…), é impossível retirar a este facto um significad­o politico, situação que não podiam desconhece­r. (…) Nestas condições, é óbvio que a situação em causa, face à sua componente politica, é susceptíve­l de crítica.” O pedido de Bornito de Sousa e da filha foi considerad­o improceden­te. À SÁBADO, Paulo de Morais fala em “satisfação”. “Foi uma vitória da liberdade de expressão e da denúncia da corrupção em Angola.” Refere ainda que tem sofrido “bullying jurídico”. “Primeiro, intentaram um processo-crime por difamação. Perderam. Recorreram e perderam na Relação do Porto. Agora foi este processo de indemnizaç­ão cível. Nunca percebi o sentido desta litigância dupla sobre o mesmo processo, mas pelos vistos os tribunais portuguese­s aceitam…”

*Sábado

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola