A ATÉ A DERROTA FINAL
juíza chegou a fazer um aparte: “A propósito: o escândalo não fez mal algum à carreira de Sousa. Em 2017, quando Santos renunciou ao cargo [de ministro], tornou-se vice-presidente”.
Também não ficaram provadas as alegações médicas da filha de Bornito de Sousa em consequência da publicação do livro. “Não se provou que existiu um quadro de depressão e ansiedade que se abateu sobre os AA. [queixosos], em particular sobre a 2ª A. [filha], seja por aquilo que de si diziam, seja pela circunstância de afectar a imagem de seu pai, enquanto governante.”
Mais ainda: “Não se provou que tal descredibilização tem vindo a assombrar o 1.º A. [Bornito de Sousa] com um enorme sentimento de tristeza, nem que o sujeitou a uma elevada perda de consideração social, que o mesmo, aos dias de hoje, ainda se encontra a tentar restabelecer. (…) Não se provou que o 1.º A. chegou a experienciar momentos de angústia extrema quando o interrogaram sobre a sua idoneidade e sobre os objectivos a que se propôs no seu mandato, como se de um ‘criminoso’ se tratasse.” Quanto o que está escrito, os queixosos “não lograram provar que o 1º R. [autor do livro] não se tivesse baseado em factos concretos e objectivos.” A juíza apontou ainda incongruências e falhas nas declarações das testemunhas do político angolano e da sua filha (que incluíam amigas, madrinhas e o médico pessoal). E relevou o depoimento de uma testemunha da editora, João Soares:
“A testemunha João Barroso Soares, político português cujo currículo é de conhecimento público (…) afirmou com notório conhecimento de causa que a descrição feita pelo 1º R. [autor do livro] relativamente à realidade angolana, corresponde efectivamente à realidade política e económica que o próprio teve ocasião de testemunhar nas deslocações que pessoalmente fez a Angola,
no âmbito da representação do Estado Português e de organizações internacionais. (…) Não teve dúvidas em afirmar que o retrato feito pelo 1º R. do regime político e económico angolano, correspondia à realidade do mesmo a essa data, afirmando mesmo que o retrato estava muito aquém do que poderia ter sido dito.”
A juíza não encontrou “qualquer conteúdo ofensivo da honra e consideração ou do bom nome” dos queixosos. Não validou a tese de que era feita uma “associação a uma governação imputada como corrupta, obscura e pouco transparente atribuída ao anterior líder do MPLA e Presidente da República de Angola, Eng.º José Eduardo dos Santos, e pela sua filha Isabel dos Santos.”
E notou que a filha de Bornito de Sousa “de forma voluntária tornou do domínio público aquilo que seria da sua esfera eminentemente privada, a cerimónia do seu casamento e os preparativos para a mesma, no que aos trajes respeita.” Sendo o seu pai uma figura pública, “é unanimemente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência portuguesa que, a sujeição ao escrutínio da sua vida pública (no caso tornada pública pela própria) é superior àquele a que se tem que sujeitar a pessoa que não tem tal qualificativa, sendo exigível aos visados que se conformem com esse elevado nível de escrutínio.”
Decisão: absolvição
Quanto a Paulo de Morais, recorde-se que o caso remontava a Janeiro de 2020, quando escreveu no seu Facebook: “Uma outra princesa de Angola: Naulila Diogo, filha do atual vice-presidente de Angola, Bornito de Sousa, gastou nos vestidos do seu casamento 200 mil dólares. Enquanto a larga maioria dos angolanos vive com menos de 2 dólares por dia; a esperança média de vida é de 42 anos. E um quarto das crianças morre antes de fazer 5 anos. Um poder selvagem que se eterniza!” Dias depois, proferiu considerações semelhantes na CMTV.
O contexto destas declarações – Janeiro de 2020 – era a divulgação pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação dos chamados Luanda Leaks “sobre o império de Isabel dos Santos e de como foi construído à custa de ser filha do ex-presidente de Angola José Eduardo dos Santos”. Além disso, dois meses antes, em Novembro de 2019, tinha sido publicado em Portugal o livro de Oliver Bullough. Paulo de Morais foi primeiro intimado por Bornito de Sousa e pela sua filha para que no prazo de cinco dias “se retratasse da informação falsa de que lançou mão (…) indicando que utilizou informação inverídica na sua mensagem, com a expressão fake news”. Paulo de Morais respondeu no Facebook: “Não retiro o que afirmei. E não altero nem uma palavra, nem uma vírgula.” O caso seguiu então para tribunal, com Bornito de Sousa e a filha a alegarem sensivelmente o mesmo que no caso do jornalista britânico.
A sentença, datada de 3 de Dezembro, diz que Paulo de Morais não tentou associar Bornito de Sousa “a uma governação imputada como corrupta, obscura e pouco transparente atribuída ao anterior líder do MPLA e Presidente da República de Angola, Engº José Eduardo dos Santos, e pela sua filha Isabel dos Santos. (…) O réu mais não fez do que continuar a chamar a atenção para as desigualdades sociais existentes em Angola”. Citando várias vezes o revelado nos Luanda Leaks, a sentença diz que as afirmações de Paulo de Morais “mais não são do que uma manifestação cívica e politica”. Diz-se ainda que a filha de Bornito de Sousa “entendeu mostrar ao mundo” o custo dos vestidos do casamento. “A partir daqui, sendo filha de quem é (…), é impossível retirar a este facto um significado politico, situação que não podiam desconhecer. (…) Nestas condições, é óbvio que a situação em causa, face à sua componente politica, é susceptível de crítica.” O pedido de Bornito de Sousa e da filha foi considerado improcedente. À SÁBADO, Paulo de Morais fala em “satisfação”. “Foi uma vitória da liberdade de expressão e da denúncia da corrupção em Angola.” Refere ainda que tem sofrido “bullying jurídico”. “Primeiro, intentaram um processo-crime por difamação. Perderam. Recorreram e perderam na Relação do Porto. Agora foi este processo de indemnização cível. Nunca percebi o sentido desta litigância dupla sobre o mesmo processo, mas pelos vistos os tribunais portugueses aceitam…”
*Sábado