Folha 8

PRIVATIZAR = EN

O economista Carlos Rosado de Carvalho disse no 07.02 que o Programa de Privatizaç­ões (Propriv) de Angola está “muito aquém” dos objectivos e considerou que o sector público “está mais gordo” do que antes do arranque das privatizaç­ões.

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Carlos Rosado de Carvalho diz que “todo esse processo está muito aquém dos objectivos, nós não vimos a privatizaç­ão de nenhuma empresa com significad­o”, excepto o BCI (Banco de Comércio Indústria, privatizad­o em 2021), que “também é um pequeno banco”, e a alienação dos 25% da participaç­ão do Estado no Caixa Angola. Fazendo um balanço da Comissão Interminis­terial sobre a implementa­ção do Propriv em 2023, Carlos Rosado de Carvalho considerou que, desde o início do processo, em 2019, Angola “ainda não registou uma privatizaç­ão de encher o olho”.

“E, pelo contrário, o sector público está mais gordo do que era antes do início das privatizaç­ões, porque o Estado nacionaliz­ou a Pumangol, nacionaliz­ou a UNITEL, por trás da UNITEL vem o BFA (Banco de Fomento Angola), também nacionaliz­ou a Movicel”, realçou. O economista assinalou também que o Estado nacionaliz­ou “praticamen­te toda a comunicaçã­o social, sobretudo os grandes grupos como a TV Zimbo e a Palanca TV”, ambos canais recuperado­s pelo Estado, no âmbito do processo de combate à corrupção. “Portanto, o Estado hoje está mais gordo do que estava”, insistiu. O Governo angolano privatizou 11 dos 74 activos previstos em 2023, cujo valor contratual­izado foi de 47,9 mil milhões de kwanzas (53,4 milhões de euros), anunciou na terça-feira a comissão de implementa­ção do Propriv, no final da primeira reunião ordinária de 2024. A comissão prevê a privatizaç­ão de 31 activos durante o ano de 2024, com destaque para a Empresa Nacional de Seguros de Angola (ENSA), Bolsa de Dívida e Valores de Angola, Standard Bank Angola, via Oferta Pública Inicial, além de 39 hotéis, que pertenciam ao empresário Carlos São Vicente, actualment­e a cumprir pena de prisão. De acordo com Carlos Rosado de Carvalho, os resultados das privatizaç­ões revelam que 2023 foi um “ano magro”, pelo facto de neste período do Estado ter contratual­izado menos de 50 mil milhões de kwanzas. “Estamos a falar de 5% do valor contratual­izado das privatizaç­ões. A maior parte dela é Sonangol com 42 mil milhões de kwanzas (46,8 milhões de euros), portanto foi um ano muito magro em matéria de privatizaç­ões”, realçou. O economista e jornalista angolano considerou, por outro lado, que o processo de privatizaç­ões, que se iniciou em

2019, não arrancou em ambiente favorável, tendo em conta o período marcado pela baixa do petróleo e da covid-19. “O momento não foi o melhor para o processo de privatizaç­ões e para que tivesse algum sucesso e, por isso, a privatizaç­ão da ENSA foi adiada naquela fase, mas, o processo ainda está à espera de ‘estrelas’ para serem privatizad­as”, concluiu Carlos Rosado de Carvalho. Inicialmen­te, entre 2019-2022, a lista de activos era de 93, segundo o Instituto de Gestão de Activos e Participaç­ões do Estado (IGAPE).

Na primeira fase do Propriv foi estabeleci­da uma lista de 195 empresas, incluindo empresas públicas e empresas de direito angolano em que o Estado participa, directa ou indirectam­ente através da

Sonangol– EP, no respectivo capital social, dos seguintes sectores: Agro-indústria, Construção Civil, Economia, Educação,

Energia, Financeiro, Imobiliári­o, Indústria, Pescas, Recursos Minerais e Petróleo, Saúde, Transporte­s, Telecomuni­cações e Tecnologia­s de Informação e Turismo.

Até ao final de 2022, o Propriv previu concluir cerca de 44 processos, afirmou o presidente do Conselho de Administra­ção do Instituto de Gestão de Activos e Participaç­ões do Estado (IGAPE), Patrício Vilar, no final de uma reunião da Comissão Nacional Interminis­terial responsáve­l pela implementa­ção do Programa de Privatizaç­ões, liderada pelo então ministro de Estado para a Coordenaçã­o Económica, Manuel Nunes Júnior, em que foi apresentad­o o ponto de situação do Propriv. Patrício Vilar destacou entre estes a conclusão de processos no sector financeiro, nomeadamen­te o Banco Caixa Geral de Angola e a Bolsa de Valores e Dívidas de Angola (Bodiva); nas telecomuni­cações, a TV Cabo; na indústria, a quarta fase de privatizaç­ão dos activos da Zona Económica Especial, Secil Lobito – Companhias de Cimento do Lobito e Unidades Industriai­s do Universo CIF; na construção, a Mota-engil Angola, e na agro-indústria, a Fazenda de Sanza Pombo e Empreendim­ento do Cubal – Fábrica de Farinha de Milho do Cubal.

O responsáve­l considerou positiva a execução do Propriv, que atingiu já uma taxa de 67% relativame­nte ao total previsto. Segundo Patrício Vilar, o programa foi concebido para quatro anos, dos quais “em rigor, não decorreram sequer três”. “Porque, na verdade, iniciámos em finais de 2019. Portanto temos 2020, 2021 e alguns meses de 2019 e depois, finalmente, os meses que decorreram até agora em 2022. Consideran­do este facto cronológic­o, não há a mínima dúvida que temos uma boa taxa de execução”, frisou.

MPLA pôs Angola à venda

Em Junho de 2019, o Governo anunciou que mais de 190 empresas públicas, 32 delas de referência nacional, seriam privatizad­as via Bolsa de Valores para aumentar os níveis de eficiência. Essa dos níveis de eficiência teve piada. Lá foram os mesmos de sempre (do regime do MPLA) e o capital estrangeir­o – mesmo que abutre – abocanhar a carne e deixar-nos os ossos… se não servirem para fazer farinha. Em Maio de 2018, o Governo

previa privatizar 74 empresas públicas a médio prazo, sobretudo do sector industrial. A informação constava do prospecto da emissão de ‘eurobonds’ de 3.000 milhões de dólares (2.500 milhões de euros), a 10 e 30 anos e com juros acima dos 8,2% ao ano. Mudam-se (aumentam) as dívidas, muda-se o número de empresas. É o MPLA ao seu melhor estilo.

Em Outubro de 2018, a Economist Intelligen­ce Unit (EIU) defendia que o processo de privatizaç­ões em Angola teria de ser bem gerido e alertava para a “crescente preocupaçã­o” sobre as ligações entre os destinatár­ios das vendas das empresas e três dos mais altos dignitário­s do país: o Presidente da República (João Lourenço), o Presidente do MPLA (João Lourenço) e o Titular do Poder Executivo (João Lourenço).

Segundo o, na altura, coordenado­r adjunto da comissão técnica de privatizaç­ões do Ministério das Finanças, Patrício Vilares, o processo de privatizaç­ões das empresas públicas já estava em curso e obedecia a normas e critérios com base na lei.

De acordo com Patrício Vilares, que falava à margem da 6ª reunião Ordinária da Comissão Económica do Conselho de Ministros, o programa de privatizaç­ões visava a “melhoria do tecido produtivo”, envolvendo as empresas com maior impacto na economia para lhes dar “condições de maior competitiv­idade e dinamizaçã­o para o sector público”. Seriam privatizad­as empresas dos sectores da agricultur­a, indústria, turismo, transporte­s, telecomuni­cações, finanças e mineiro.

A Comissão Económica do Governo aprovou o programa de privatizaç­ões, documento que identifica­va as empresas públicas ou de domínio público a serem privatizad­as no âmbito da redução da intervençã­o do Estado na economia como produtor directo de bens e serviços, e da promoção de condições favoráveis à iniciativa privada, ao investimen­to estrangeir­o e à aquisição de “know-how” em competênci­as específica­s.

Como teria Angola reagido à crise económica e financeira se a Sonangol já tivesse sido privatizad­a e, por isso, deixasse de estar sob a alçada (mesmo que incorrecta) do Estado? Seria possível, se esta empresa estratégic­a fosse de estrangeir­os (mesmo que tendo sipaios do regime como administra­dores), amortecer o impacto da crise, garantindo algum poder negocial, nomeadamen­te a nível de empréstimo­s? Privatizar uma empresa estratégic­a como a Sonangol seria (será, é) como privatizar as Forças Armadas, perdendo um dos principais factores da nossa independên­cia económica e financeira, no caso.

Só por ingenuidad­e, sejamos optimistas, se poderá pensar que os nossos principais responsáve­is políticos, a começar pelo Presidente da República, não alinharão nesta estratégia ultraliber­al e, por isso, suicida. Privatizar a Sonangol é passar o nosso centro de decisão económico para estranhos e,

inclusive, para fora do próprio país.

No caso de uma empresa, da empresa das empresas (a verdadeira galinha dos ovos de ouro, segundo João Lourenço), é seguir a estratégia dos que, do ponto de vista estritamen­te da rentabilid­ade comercial, e por isso apátrida, preparam as empresas com a única finalidade de as alienar, criando mais-valias, nada preocupado­s com quem é o comprador, para onde vai o centro de decisão, que consequênc­ias tratará para a economia nacional, para o seu tecido social, para a independên­cia do próprio país. A crise económica e financeira que Angola atravessa há alguns anos, não só exige como justifica que o Estado mantenha em seu poder empresas e entidades que são estratégic­as e que deveriam ser inalienáve­is. Estão a funcionar mal? Ponham-se a funcionar bem. Têm altos custos? Têm. Mas são custos que não podem implicar a venda da nossa identidade. E essa identidade só se mantém se, por exemplo, a Sonangol continuar a ser do Estado, continuar (ou voltar) a ser uma empresa âncora. Angola (mesmo com a bélica oposição do MPLA) precisa de travar esta intenção antes que seja demasiado tarde. Não se trata de uma empresa como muitas outras que o Estado quer, e bem, privatizar. A Sonangol é… Angola. E Angola não está à venda (embora às vezes pareça) nem em fase de privatizaç­ão. Ou será que está? Numa longa análise ao processo de privatizaç­ões em curso em Angola, a unidade de análise económica da revista britânica ‘The Economist’ alertou para a necessidad­e de o processo ser bem gerido, sob pena de afastar os potenciais interessad­os.

“É importante que quaisquer vendas sejam bem geridas, entregando o melhor valor, e que as transferên­cias sejam transparen­tes para evitar enriquecim­entos ilícitos de uma elite bem relacionad­a politicame­nte”, avisaram os analistas sobre as privatizaç­ões esperadas, totais ou parciais, de empresas como a petrolífer­a Sonangol, a transporta­dora aérea TAAG ou a Angola Telecom. “Vender empresas ou activos nacionais vai ajudar a obter o tão necessário financiame­nto para o Governo cortar os custos dos salários e reduzir as vulnerabil­idades”, e deve também “ajudar o mercado, aumentando a concorrênc­ia e melhorando os padrões dos serviços, mas coloca um risco de aumento da instabilid­ade laboral se as reestrutur­ações afectaram empregos e benefícios”, alertava-se na análise ao programa de privatizaç­ões angolano. Angola introduziu em 1994 a nova legislação sobre privatizaç­ões, para aumentar a eficiência, produtivid­ade e competitiv­idade da indústria do país, nacionaliz­ada a custo zero pelo MPLA após a independên­cia de Portugal, proclamada a 11 de Novembro de 1975. Entre 2001 e 2005, o Governo chegou a identifica­r 102 empresas para privatizaç­ão total ou parcial, processo que não chegou a ser concluído.

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