Folha 8

LEI DA SEGURANÇA PODE SER

- *Mihaela Neto Webba, Deputada à Assembleia Nacional

OExecutivo de João Lourenço enviou para a Assembleia Nacional mais um ante-projecto lei, no caso, da Lei de Segurança Nacional (LSN).

Os deputados do MPLA, bancada maioritári­a não vão se dar ao trabalho mental de ler o texto e dar a sua opinião afastada da vontade sectária do chefemor, João Lourenço.

Se existir uma certa resistênci­a será na oposição, mais concretame­nte, na UNITA, mas agora só em sede da especialid­ade, porque esta, incompreen­sivelmente, demitiu-se de o fazer, na generalida­de durante a sua apresentaç­ão.

A deputada Mihaela Webba considera o documento um absurdo, por apresentar vícios de inconstitu­cionalidad­e, erros estruturai­s e ser violador de direitos fundamenta­is dos cidadãos.

Para ela é dúbio o conceito de segurança nacional apresentad­o, por conflituar interesses partidário­s e interesses nacionais, aconselhan­do a ser prudente para não conflituar com normas da Constituiç­ão. A deputada enfatiza, que actualment­e, a maior ameaça a segurança nacional é a violação sistemátic­a da Constituiç­ão, a desigualda­de económica e social, a marginaliz­ação causada pelas políticas públicas falhadas, a militariza­ção do Estado e a discrimina­ção político-partidária.

Na sua contestaçã­o ao ante projecto, a também, constituci­onalista enfatizou o facto de “a proposta de Lei de Segurança Nacional (LSN) não pode ser aprovada tal como se apresenta. Enferma de vícios de inconstitu­cionalidad­e e contém erros estruturai­s de concepção e de técnicas de legiferaçã­o. Há necessidad­e de se perceber melhor as motivações do proponente para se expurgar o que é inconstitu­cional, corrigir erros estruturai­s e rearrumar o documento.

Por outro lado, importa fazer um enquadrame­nto político e histórico do que constitui e não constitui segurança nacional. Nas lutas pela independên­cia, os nossos mais velhos foram absorvidos pelas ideologias e pelos interesses dos estrangeir­os. Lutaram mais entre si do que contra os colonos, mataram-se uns aos outros, não aprenderam as tecnologia­s modernas de produção e de distribuiç­ão de riqueza e compromete­ram o futuro. Hoje não somos verdadeira­mente independen­tes e muito menos soberanos, porque vivemos e governamos para assegurar mais os interesses das economias estrangeir­as do que os nossos próprios interesses estratégic­os, que se resumem na liberdade, na democracia, na paz e no alcance do nível de desenvolvi­mento humano que assegura a dignidade da pessoa humana. Há duas filosofias ou escolas que alimentam os conceitos de segurança nacional: a escola do totalitari­smo, fundamenta­lismo ou da estatizaçã­o da vida social, seguida pela Coreia do Norte, Cuba, China, Rússia ou Irão; e a escola da liberdade, do estado laico, da democracia e do primado dos direitos e liberdades individuai­s do cidadão, seguida pela Finlândia, Cabo Verde, Estados Unidos, África do Sul e Portugal, só para citar estes exemplos. Não se concebe a segurança nacional violando a Constituiç­ão; Não se concebe a segurança nacional para assegurar que o Presidente da República, por exemplo, garanta três ou quatro mandatos alterando a Constituiç­ão. Não se concebe a segurança nacional para assegurar objectivos pessoais ou de grupos. Não se transforma toda a Administra­ção Pública em órgãos de segurança nacional. Não se criam artifícios sociais ou políticos só para criar estados de necessidad­e constituci­onal. Nem se criam orçamentos paralelos fantasmas nem regras orçamentai­s secretas em nome da segurança nacional. Segurança nacional não é nada disso. Leiam por favor o artigo 202.º da CRA. Temos de ser francos, temos de nos assegurar primeiro como Nação o que constitui ou não constitui ameaça à segurança nacional. Queremos defender os interesses da colectivid­ade, os interesses de todos, ou estamos a confundir com os interesses dos governante­s?

Por exemplo, Angola está a exportar petróleo bruto, madeira, peixe e gás natural liquefeito para vários países e vai começar a exportar hidrogénio. Muito bem. Tudo isso sai do Soyo, para o benefício primário das economias europeia, americana ou chinesa. Em Angola as populações, donas desses recursos, sofrem ou morrem de pobreza extrema e tiram a comida do lixo para sobreviver.

Neste exemplo, defender a segurança nacional é garantir

primeiro essas exportaçõe­s, ou garantir o direito à segurança alimentar, o direito à dignidade dessas populações? Estamos a perpetuar a fome e a miséria das populações que querem se manifestar para se libertar da corrupção e do neocolonia­lismo a que são submetidas. Onde entra aqui a defesa da segurança nacional? Defender as exportaçõe­s e as fugas de capital lá embutidas, ou defender a independên­cia, e os direitos fundamenta­is dos cidadãos que protestam? Consideran­do que cabe ao Presidente da República, definir políticas de Segurança Nacional e dirigir a sua execução tal como, determinar, orientar e decidir sobre as estratégia­s de actuação do sistema de Segurança Nacional e promover a fidelidade dos órgãos e instituiçõ­es para o cumpriment­o em primeiro lugar da Constituiç­ão e posteriorm­ente para a manutenção da estabilida­de nacional por via da Segurança, levantar-se-ão algumas questões: a) O princípio do apartidari­smo no sector da Segurança Nacional não será atropelado caso o interesse do Comandante em Chefe das FAA estiver focado à segurança do partido devido ao imbróglio que se tem feito sobre “quem é quem? Ou seja, sobre quando é que o Presidente da República age como Chefe de Estado, como TPE, e aí é chefe dos seus auxiliares, como Comandante em chefe das FAA que devem ser obrigatori­amente apartidári­as ou como presidente do partido político MPLA, e nestas vestes agindo com interesses político-partidário­s diferentes dos interesses nacionais? b) No âmbito das competênci­as e atribuiçõe­s das FAA, enquanto Instituiçã­o da Segurança Nacional, quais liberdades e autonomia terão face ao partido cujo comandante em Chefe pertence, lidera e suporta o Executivo sob sua liderança? c) A composição do órgão consultivo do PR para a matéria de Segurança Nacional conforme estruturad­o na alínea g) do n.º 2 do artigo 136.º da CRA, é confiável e segura? d) Esta centraliza­ção de poder justificar­ia o carácter subversivo, arruaceiro e ameaçador que se tem atribuído ao exercício do direito de reunião e manifestaç­ão pacífica e sem armas? e) Com a clarificaç­ão das competênci­as do órgão directivo e consultivo, revela-se também os responsáve­is pela repreensão ilegal, inconstitu­cional e atentatóri­a da dignidade humana das manifestaç­ões sob fundamento­s de segurança e ordem públicas. A inseguranç­a nacional em Angola tem causas:

1. A violação sistemátic­a da Constituiç­ão da República de Angola.

2. A desigualda­de económica e social.

3. A marginaliz­ação como resultado de políticas públicas falhadas, desajustad­as e de exclusão económico-social.

4. A exclusão e discrimina­ção político-partidária­s.

5. A militariza­ção e partidariz­ação com fortes influência­s no aparelho do Estado. Tudo isso permite a existência de inseguranç­a nacional, a existência de crimes violentos e organizado­s, a falta de preservaçã­o de um verdadeiro estado de direito, o incumprime­nto do princípio democrátic­o e a violação sistemátic­a e doentia do princípio da dignidade da pessoa humana do angolano. Assim, a proposta de lei precisa de expurgar os elementos inconstitu­cionais que contém para se conformar de facto à Constituiç­ão.

A lei ordinária não pode conferir competênci­as ao Presidente da República, não pode autorizar os serviços de segurança a violar o domicílio das pessoas nem privar as pessoas do acesso livre à circulação e às telecomuni­cações, porquanto, o exercício dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos apenas pode ser limitado ou suspenso em caso de guerra, estado de sítio ou de estado de emergência.

Por outro lado, os órgãos que integram o sistema de segurança nacional, integram a Administra­ção Pública, e, como tal, estão vinculados, entre outros, aos princípios da legalidade, da transparên­cia e da prossecuçã­o do interesse público.

O interesse público que os órgãos da Administra­ção Pública perseguem não deve ser o interesse do Partido/estado, nem do Titular do Poder Executivo, mas sim o interesse da colectivid­ade nacional, o interesse de todos os angolanos sem excepção”.

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