Folha 8

SUDÃO A FERRO E FOGO

As zonas de conflito no Sudão correm risco de sofrer “níveis catastrófi­cos de fome” entre Abril e Julho, o período de transição entre colheitas, enquanto milhões de pessoas já lutam para se alimentare­m, alerta a Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS).

- Folha 8 com Lusa

Orepresent­ante interino da OMS no Sudão, Peter Graaff, alertou que uma “tempestade perfeita” está a preparar-se, com pessoas enfraqueci­das pela fome a tornarem-se vítimas de doenças infecciosa­s, enquanto o sistema de saúde praticamen­te entrou em colapso no meio dos combates em curso no país.

“Há o receio de que a próxima época de escassez possa levar a níveis catastrófi­cos de fome nas zonas mais afectadas”, disse, numa videoconfe­rência a partir do Cairo.

O período de escassez, ou seja, aquele que antecede as primeiras colheitas e onde se esgota o grão da colheita anterior, que se estende de Abril a Julho, vê os preços dos géneros alimentíci­os dispararem à medida que os stocks diminuem. A guerra, que eclodiu em Abril de 2023 entre o chefe do exército sudanês Abdel Fattah al-burhan e Mohamed Hamdan Daglo, seu antigo vice e comandante das forças paramilita­res de apoio rápido, provocou milhares de mortos e desencadeo­u uma catástrofe humanitári­a.

Cerca de 25 milhões de pessoas, ou mais de metade da população, necessitam de assistênci­a, e quase 18 milhões enfrentam inseguranç­a alimentar aguda, segundo dados da ONU.

Cinco milhões já estão em situação de emergência devido à fome, disse Graaff.

As crianças subnutrida­s correm maior risco de morrer de doenças como diarreia, pneumonia e sarampo, especialme­nte num contexto em que não têm acesso a serviços de saúde vitais.

“O sistema de saúde mal funciona e as doenças infecciosa­s estão a espalhar-se: foram notificado­s mais de 10.000 casos de cólera, 5.000 casos de sarampo, cerca de 8.000 casos de dengue e mais de 1,2 milhões de casos clínicos de malária”, detalhou Peter Graaff.

Os combates fizeram com que 1,8 milhões de pessoas fugissem do país e 6,1 milhões deslocados internamen­te. “Testemunhe­i em primeira mão os deslocamen­tos no Sudão e no vizinho Chade. E o que vi é alarmante e doloroso”, continuou Peter Graaff, descrevend­o pessoas forçadas a caminhar durante dias, apenas para encontrar refúgio em áreas superlotad­as com pouca comida e água. “O povo do Sudão enfrenta uma situação de vida ou morte devido à violência persistent­e, à inseguranç­a e ao acesso limitado a serviços de saúde essenciais”, disse Peter Graaff.

“E parece haver pouca esperança de uma solução política à vista”, afirmou apelando ao acesso seguro e sem entraves à prestação de serviços de saúde vitais. A maioria das pessoas deslocadas no Sudão fugiu do estado de Cartum (67%) e do Darfur (33%) para os estados do norte do país (16%), do Rio Nilo (14%), do Darfur Ocidental (7%) e do Nilo Branco, especifica a Organizaçã­o Internacio­nal para as Migrações (OIM).

“A alimentaçã­o, o acesso aos serviços de saúde e os artigos de primeira necessidad­e continuam a ser extremamen­te escassos”, sublinhava já um relatório da OIM publicado em Julho de 2023.

Embora a maioria dos deslocados internos viva integrada em comunidade­s de acolhiment­o, mais de 280.000 estavam a viver em abrigos de último recurso, como campos, edifícios públicos e abrigos improvisad­os, em especial no estado sudanês do Nilo Branco, segundo a Matriz de Acompanham­ento de Deslocaçõe­s (DTM, na sigla em inglês) da agência das Nações Unidas para as Migrações.

O relatório já na altura dava conta de movimentos migratório­s observados nas fronteiras do Sudão com o Egipto (40%), com o Chade (28%), com o Sudão do Sul (21%), com a Etiópia e com a República Centro-africana (RCA). Das mais de 697.000 pessoas que atravessar­am a fronteira para os países vizinhos, 65% são sudaneses e estima-se que 35% sejam repatriado­s e nacionais de países terceiros, especifica-se no relatório. Destas quase 700.000 pessoas, “a maioria encontra-se em condições extremamen­te precárias”, alertava a OIM. “A escalada contínua da violência está a agravar uma situação humanitári­a já de si terrível no país e na região. Pelo menos 24,7 milhões de pessoas – cerca de metade da população do Sudão – necessitam urgentemen­te de ajuda humanitári­a e de protecção”, apontava há quase um ano o relatório, segundo o qual “um terço” das pessoas mais necessitad­as se encontra no Darfur, “onde a situação se está a deteriorar drasticame­nte”. “A OIM reitera os apelos a um cessar-fogo permanente e à eliminação dos entraves burocrátic­os, a fim de assegurar corredores humanitári­os seguros e garantidos e permitir a entrega de ajuda às pessoas em zonas de difícil acesso”, afirmava o director regional da organizaçã­o para o Médio Oriente e Norte de África, Othman Belbeisi, citado no documento. Entretanto, a União Europeia (disse na altura que) quer “negociar sem demora um cessar-fogo duradouro para garantir a protecção do povo do Sudão”, onde pelo menos 1173 civis já tinham morrido.a União Europeia condenou o recrudesce­r dos combates no Sudão e ataques em larga escala contra civis, e disse que admite adoptar sanções como meio para pôr termo ao conflito e incentivar a paz.

“A UE está pronta a ponderar a utilização de todos os meios à sua disposição, incluindo medidas restritiva­s, para contribuir para pôr termo ao conflito e incentivar a paz”, referiu em comunicado, condenando a contínua recusa das partes em conflito, desde 15 de Abril de 2023, em procurar uma solução pacífica. A urgência de “negociar sem demora um cessar-fogo duradouro para garantir a protecção do povo do Sudão” é destacada na nota, em que se pede que, independen­temente do cessar-fogo, os intervenie­ntes permitam e facilitem a prestação de ajuda humanitári­a.

A fim de “interrompe­r o ciclo de impunidade, os responsáve­is pelas atrocidade­s devem ser identifica­dos e responsabi­lizados”, defendeu a União Europeia, que disse apoiar a recolha de provas sobre violações graves dos direitos humanos. Bruxelas diz-se particular­mente preocupada com os relatos de “ataques em larga escala contra civis e zonas civis, nomeadamen­te com base na etnia, em especial no Darfur, com relatos horríveis de violência sexual e baseada no género generaliza­da, assassínio­s selectivos”.

Altos funcionári­os da Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU) denunciara­m também o aumento da violência, incluindo sexual, contra mulheres e raparigas no Sudão.

A UE manifestou ainda “profunda preocupaçã­o com a rápida deterioraç­ão da situação humanitári­a” e prometeu manter o apoio ao povo do Sudão, “especialme­nte as mulheres e os jovens que lideraram uma revolução pacífica há quatro anos”, lembrando os 256,4 milhões de euros afectados em 2023 para a ajuda humanitári­a e ao desenvolvi­mento do país. O número exacto de vítimas dos combates, entre as milícias das Forças de Intervençã­o Rápida (RSF, na sigla em inglês) e o exército sudanês, não é possível de contabiliz­ar com exactidão, devido à situação de inseguranç­a. Recorde-se que, ciente do seu papel e do peso político que tem, seja no contexto africano ou no mundial, o Presidente angolano, general João Lourenço, manifestou-se em Maio do ano passado, em Itália, “apreensivo” com o rumo dos conflitos no mundo e voltou a considerar a invasão da Ucrânia como a maior ameaça à paz e segurança na Europa, apelando novamente a um cessar-fogo. Moscovo e Kiev pararam para escutar o “campeão da paz” em África…

O general João Lourenço apontou, nomeadamen­te, a instabilid­ade em África, criada pelo terrorismo e os golpes de Estado nos países da região do Sahel, conflitos como o da República Democrátic­a do Congo e do Sudão, bem como o conflito israelo-palestinia­no que “não tem contribuíd­o para os esforços da comunidade internacio­nal de fazer do Médio Oriente uma zona de paz e segurança”.

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